terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Augúrio de vitória na Aldeia Maracanã

Rondon e o velho Chefe Bororo Cadete, no velho Museu do Índio, em 1952


A grande notícia comemorativa dessa semana é a declaração do Gov. Sérgio Cabral de que o velho e glorioso Museu do índio, localizado ao lado do Estádio Maracanã, não será mais demolido. O governador assume que aquele prédio pertence ao estado do Rio de Janeiro, havido por compra à Conab, em novembro de 2012, por R$ 60 milhões. Ninguém ainda viu o ato oficial dessa compra, mas se acata que o estado não estaria faltando com a verdade.

Na nota oficial do governo consta que o prédio será restaurado pela empresa que venceu a licitação de reformar o Maracanã e que sua destinação será decidida de comum acordo com o prefeito Eduardo Paes. Afirma outrossim que tudo isso será feito logo que os “invasores” sejam retirados do recinto do prédio.

Como assim, em comum acordo com Paes e sem o diálogo e a consulta aos índios que habitam esse prédio, que do retomaram e que o reivindicam? Chamá-los agora de “invasores”?

Aí é que a porca torce o rabo e o governador fica embananado.

No dia 16 de janeiro o governador enviou uma carta aos índios da Aldeia Maracanã -- que é o nome que os índios moradores do prédio dão muito apropriadamente à organização social que lá criaram desde 2006 – na qual reconhece a organização social dos índios no recinto deste velho Museu do Índio, reconhece-a inclusive com a expressão “comunidade indígena que reside no antigo Museu do Índio”. A carta subscrita pelo governador propõe, além da criação de um Conselho Estadual de Direitos Indígenas, a dotação à comunidade Aldeia Maracanã de um prédio, situado nas imediações da Quinta da Boa Vista, em troca da saída dos moradores indígenas do velho Museu. O prédio aludido é um antigo presídio. Bela troca, hein governador! A palavra presídio causa calafrios a todos nós, muito mais aos índios, que já sofreram o bastante em sua história de relacionamento com invasores de suas terras!

A nota oficial espanta por ignorar um fato que o governador já havia reconhecido, qual seja, de que é uma comunidade indígena que reside no antigo Museu do Índio, e não “invasores”. Onde está a assessoria do Gov. Sérgio Cabral para deixá-lo em tão maus lençóis? Será que não imaginou que sua carta eventualmente se tornaria pública, bem como a resposta que os índios a ela darão?

De todo modo, essas cartas constituem o início de um diálogo novo entre as duas partes, agora em condições mais favoráveis aos índios, já que a ameaça explícita e raivosa de destruição do antigo Museu do Índio foi eliminada.

A sociedade carioca que acompanha e apóia a ação dos índios da Aldeia Maracanã sabe que esse majestoso prédio do antigo Museu do Índio só está sendo reconhecido em seu valor histórico e portanto salvado da destruição por causa exclusiva da intervenção dos índios que vivem no Rio de Janeiro, por sua ousada entrada no prédio em 2006, por sua inimaginada retomada física, social e cultural, por sua resistência inabalável às tentativas de todas as sortes – não menos à tropa de choque enviada pelo governador em 12 de janeiro deste ano – para desalojá-los e enviá-los para os cafundós dos Judas.

Como agora o governador querer outra destinação deste prédio, senão a proposta dos índios de criação de um Centro Cultural Indígena, sob sua direção autônoma e compartilhada, proposta aliás que o próprio governador reconheceu em sua referida carta aos índios!?

Assim, comemoramos esta semana a declaração oficial do governador, subentendendo-se que sua incoerente alusão a “providências que estão sendo tomadas para a remoção de invasores” não passe de um lapso declaratório, um desvio intempestivo, um erro de copidescagem de seus assessores imprudentes.

A sorte está lançada. Algo de novo surge no horizonte das relações interétnicas no Brasil, e surge logo no Rio de Janeiro, que não tem medo de experimentar as coisas novas.
 
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