segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Marina Silva se filia ao PV para ser candidata a presidente do Brasil


A ex-ministra Marina Silva vem que vem! Desfiliou-se do PT após quase 30 anos de militância e botou seu time em campo para se candidatar a presidente do Brasil. Marina tem demonstrado uma coragem e determinação ímpares com vista posta no futuro. Não quer saber de nhem-nhem-nhem, jogadinhas políticas, comprometimentos em nome de partidos. Aposta para cima e para a frente.

A senadora Marina Silva fez por merecer o respeito de todos os brasileiros pela sua postura política demonstrada recentemente. Ontem, em São Paulo, filiou-se ao PV, partido que surgiu em 1980 e que vinha procurando uma razão de ser, além de sua bandeira desfraldada de defesa do meio ambiente. Porém, como muitos críticos vêm falando, o PV tem funcionado em muitos estados como quinta-coluna de outros partidos, especialmente do PSDB, mas até do DEM, como no caso do Rio de Janeiro. A entrada de Marina Silva agora exige uma nova postura desse partido. Ou ele se apruma com um nível de dignidade e coerência, ou a Marina entrou no lugar errado e vai logo se incompatibilizar.

Meu depoimento sobre Marina Silva é dos mais afetuosos e respeitosos possíveis. Quando presidente da Funai estive muitas vezes com ela. A primeira vez foi no Parque da Cidade, em Brasília, em outubro de 2003, quando o IBAMA estava fazendo uma doação de madeira apreendida que tinha saído de área indígena para ser leiloada em benefício dos índios. (O leilão demorou, demorou, nem sei se saiu...) Estava com minha mulher e meu filho mais novo, então com 3 anos de idade. Quando apresentei minha família a Marina, meu filho, como se fosse um cavalheiro, beijou-lhe a mão. Achamos que tenha sido pela aura de calor humano que exala de Marina Silva. O certo é que foi comovente e meio engraçado também. Nas outras tantas vezes que vi e conversei com Marina sobre algum assunto relacionado com povos indígenas ela sempre foi muito cortês e respeitosa comigo, sempre querendo ajudar os interesses indígenas, mesmo sabendo que eu tinha divergências com sua equipe a respeito de terras indígenas que estavam sendo objeto de desejo do IBAMA. Por exemplo, nos casos do Parque da Neblina, no Parque do Monte Pascoal e na Ilha do Bananal, onde terras indígenas são sobrepostas por terras reservadas a parques. Sempre achei que elas deveriam ser regidas pela Funai pela simples razão de que, sendo consideradas indígenas, as invasões são muito menos frequentes. O IBAMA não acha isso, e, em alguns casos, a AGU tampouco. Marina participou da abertura da grande Conferência Nacional dos Povos Indígenas e deu muito apoio para que ela fosse o sucesso que foi, de fato.

Desejo boa sorte à senadora Marina Silva. Sua bandeira é poderosa, sua postura é irrepreensível, sua determinação é inquebrantável. VIVA MARINA

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Marina põe ambiente à frente da crise e contesta discurso do PAC


Agora no PV, com sonho da Presidência, ela diz que não queria mais convencer PT do que o mundo inteiro já sabe

Roldão Arruda para O Estado de São Paulo






A senadora e ex-ministra Marina Silva (AC) filiou-se ontem ao Partido Verde. Foi o primeiro passo para o lançamento de sua candidatura à Presidência, prevista para o início do ano que vem. Em seu discurso e na entrevista coletiva, após assinar a ficha de filiação, ela não atacou diretamente o PT - partido do qual fez parte por quase 30 anos, até anunciar a sua desfiliação, dez dias atrás - nem o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Destacou, porém, as divergências políticas que a levaram a se afastar tanto do governo quanto do petismo. Marina disse que, enquanto esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, teve divergências e discussões sérias com a ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil e virtual candidata petista à Presidência, quanto aos rumos e às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - a menina dos olhos do governo. Em vários momentos não conseguiram chegar a um acordo, cabendo a Lula a palavra de desempate. Mais tarde, já afastada do governo, ela não viu com bons olhos a forma como Lula resolveu atacar os efeitos da crise econômica mundial, estimulando a indústria automobilística sem exigir contrapartidas. Citou nesse momento o presidente americano Barack Obama, que pediu retribuições. Para Marina, o combate à crise não poderia ter sido definido sem levar em conta a questão de sustentabilidade ambiental. "Existem hoje duas crises, uma é a econômica e a outra, uma crise ambiental sem precedentes. A segunda é mais grave. Se não resolvermos a crise ambiental, qualquer saída para a crise será uma falsa saída. Chegamos à era dos limites", afirmou. Por fim, Marina lastimou o fato de o PT ter posto em segundo plano a bandeira ecológica, do desenvolvimento sustentável. Contou que vários companheiros tentaram demovê-la da decisão de deixar o partido. "Muitas pessoas me perguntavam: ?Por que não permanece, para o debate interno?? Aí eu vi que meu trabalho não era de convencimento, mas de atuar ao lado de quem está convencido daquilo que o mundo inteiro também já está convencido", relatou. A senadora procurou cuidadosamente evitar que a cerimônia de filiação fosse confundida com um lançamento de sua candidatura. O vice-presidente do PV, o vereador carioca e ex-guerrilheiro Alfredo Sirkis, chegou a criticar Lula, que teria antecipado o debate eleitoral em um ano, com a apresentação do nome de Dilma como virtual sucessora. "Ele precipitou a discussão. Isso foi extremamente prejudicial para o País." Apesar desses cuidados, o encontro de ontem, num bufê localizado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, tinha o cenário e a animação de campanha eleitoral. Não faltou o grito de guerra "Marina, urgente! Marina, presidente!" nem a presença de atores globais, simpatizantes do PV e de Marina. Vitor Fasano estava na primeira fila da plateia. Cristiane Torloni ficou um pouco mais atrás. ALIANÇAS De acordo com o presidente nacional do PV, José Luiz Penna, o partido já articula alianças partidárias para as próximas eleições. Ele chegou a calcular em cinco minutos o prazo que a ex-ministra poderá ter no horário gratuito da TV, após a conclusão dessas articulações. O partido está desenhando, segundo o deputado Zequinha Sarney (MA), líder do PV na Câmara, o roteiro de uma série de viagens que Marina fará por todo o Brasil a partir dos próximos dias. O programa do PV será rediscutido. A proposta deverá ficar pronta no início de 2010. Paralelamente, começam a ser discutidas as candidaturas nos Estados. Marina deixou claro ontem que gostaria que o deputado Fernando Gabeira (RJ) concorresse a governador. O presidente do partido, porém, acha que seria preferível e mais seguro lançá-lo ao Senado. No Rio, o titular do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT), disse que Marina "vai qualificar o debate ambiental e exigir que todos os candidatos aprofundem a temática do desenvolvimento sustentável". Fez questão, porém, de elogiar a candidata de Lula: "Dilma foi fundamental para garantir o Fundo Amazônia."

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Entrevista de Mércio Pereira Gomes no Jungle Drums

Essa entrevista foi dada em janeiro de 2006, por ocasião de uma visita a Londres para uma palestra na London School of Economics and Political Science. O jornal eletrônico chamava-se "Jungle Drums". Acho que não existe mais.

O título da entrevista significa "Amigo ou inimigo" repercutindo ainda negativamente uma entrevista que havia dado a um jornalista russo da Reuters, cujo primeiro nome era Andrea, em 9 de janeiro. A entrevista havia sido feita em inglês. O jornalista passou a entrevista transcrita em português para o jornal O Estado de São Paulo, que abriu um debate sobre algumas das frases transcritas. Uma delas dizia que "o Brasil havia demarcado muita terra para os índios". Em matéria posterior um outro jornalista, Vanildo Mendes, escreveu maliciosamente que eu dissera "terra demais", e aí a controvérsia começou.

O pessoal das Ongs não perdoou. Caiu em cima, extrapolou em seus sites, como se eu tivesse dito isso verdadeiramente. E esse assunto rolou por algum tempo.

Trago-o aqui nessa entrevista só para seu registro. E para mostrar que as coisas acontecem de um jeito, mas a versão sai à revelia de sua intenção original.

Na entrevista dois assuntos tratados têm pertinência com a atualidade. A primeira é de que naqueles dias eu estava sendo criticado pelas Ongs por supostamente estar emperrando a demarcação de terras indígenas. Ora, havíamos acabado de demarcar a Terra Indígena Trombetas-Mapuera, com 4 milhões de hectares, bem como a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ao final de nossa gestão deixamos 67 terras indígenas homologadas, com mais de 11 milhões de hectares. Em contraste, a atual gestão da Funai homologou 20 terras indígenas que vieram daquelas que havíamos demarcado anteriormente, inclusive a Terra Indígena Baú, tão criticada naquele tempo. Nenhuma terra nova foi demarcada até agora. O ano passado, pela primeira vez desde 1975, o presidente da República não homologou uma terra indígena sequer. Este ano esse feito negativo será repetido. Então, cadê as Ongs a reclamar?

A outra questão que chama a atenção é a das Ongs e da Anistia Internacional criticando muito a Funai e a política indigenista brasileira culpando-os pela morte de índios no ano 2005. A Anistia Internacional repercutiu o relatório do CIMI de que 38 lideranças indígenas haviam sido assassinadas por conta de sua luta pela terra. Na verdade, eram cerca de 5 lideranças, sendo as demais mortes resultado de conflitos internos nas próprias aldeias. Esse tipo de desonestidade me irritou profundamente. Eis que no último relatório do CIMI para o ano de 2008 esse número de mortes passa de 57 e no entanto a Anistia Internacional não abre nenhuma polêmica, nem as Ongs repercute tal suposto fato em seus sites.

Por que? Por que será que não se discute mais essas questões no Brasil? Não será porque as Ongs hoje em dia estão dentro da Funai controlando-a e se locupletando de suas oportunidades? Não será porque, no fundo, no fundo, elas não estão nem aí para esses problemas, porque o que querem mesmo é a desmoralização da política indigenista brasileira?

Fica a seu critério o julgamento.

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Revista Jungle Drums, Londres, Inglaterra

Friend or foe?

Por: Gabriela Boeing

Head of the National Indian Foundation (Funai) since 2003, anthropologist Mércio Gomes has been harshly criticized by NGOs that credit him with holding back the progress made regarding the demarcation of Indigenous territories in Brasil.

As if that wasn’t enough, an Amnesty International report published in January revealed an alarming trend: 38 Indigenous people were killed over land disputes last year in Brasil. This is the highest figure of its kind in 11 years.

Passing through London on his way to Geneva, where he’s set to take part in a meeting on the elaboration of the Universal Declaration of Indigenous Peoples, the president of Funai took time out to speak to JungleDrums. The interview took place shortly before MércioGomes was scheduled to meet representatives of Amnesty International to discuss the figures published in the NGO’s report.

JungleDrums - You have been criticized for declaring in an interview given to Reuters that the Indigenous population of Brasil has a lot of land. Looking at the figures, is the 12% of Brasil’s territory put aside for the Indians really enough?

Mércio Gomes - I never said it was enough, nor too little, nor too much. What I said during that interview was that, up until now, Brasil has had the honour of returning 12.5% of national territory back to its indigenous population. That corresponds to 22% of the Amazon region, which is 5 million km² in size. The Indians living on the Brasilian coast since colonial times have lost out the most. In this case, they have little land in relation to the size of their population. The Amazon region will ensure the future of the Indigenous population as well as the defense of the Amazon itself. In this respect, Brasil has done itself proud. We have given a lot more land to our Indigenous peoples than any other country. At the moment we are marking out a 4 million hectare-wide territory for Vai-Vai and Carifuana Indians between the Amazon, Pará and Roraima. We’ve also set aside five territories for Guarani Indians and some other, smaller lands in Mato Grosso do Sul, Ceará and Acre. Of course in some parts of Brasil, this process is limited, because historical processes have made it impossible to recuperate past territories. So, during the interview with Reuters I was only comparing Brasil to other countries. It’s not a case of too little land, or too much land for a handful of Indians. It’s a very large amount of land in relation to what other countries have conceded.

When you think about the Indigenous population, the first thing that comes to mind is their troubled past, which has left their communities fragile and in need of an institution like Funai to protect them. Are you satisfied with the work that Funai has been carrying out? Has Funai, as a public institution, effectively protected the interests of the Indigenous peoples of Brasil?

No, but I think it’s because we lack the resources. In 1987, 5,600 people worked for Funai and were responsible for 200 thousand Indians and 380 Indigenous territories. Now, there are 604 Indigenous territories in all, double the amount of Indians and only 2 thousand Funai officials. Three thousand officials left over a 17 year period and were never replaced. And, of course, during this time, the Indians have taken more control over their own lands; they look after themselves and don’t need 5 thousand officials to take care of things. But we need to increase their support network; we need to train up those responsible for the Indigenous population’s health and education. We need to train these workers to have an Indianist outlook. The Indigenous population is made up of different ethnic groups, and you can’t treat everyone the same. Funai, as an offshoot of the Service for the Protection of Indians, has been going for 95 years. From 1910 onwards, several other countries created equivalent organisations, since there was generally more awareness about issues regarding Indigenous peoples. But no other country has maintained this kind of programme. Mexico, which has an Indianist tradition, had the INI (National Indigenous Institution), but that was closed and they opened a special secretariat linked to the presidency. In Brasil, the state is responsible for the protection of the Indigenous population.

Do you think that the Indians feel integrated into society as equal citizens?

We know of 225 tribes and there are 15 others with whom we haven’t made contact yet. These people’s identification with Brasil will all depend on the level of participation they have within society, and their knowledge of Brasil as a nation-state. In 1997, there were 90 Indians studying at university level. Today, there are 2,500. These people take an active role in society. In general, Indians are seeing themselves more as Brasilian citizens. Of course, when they speak Portuguese and have a certain level of schooling, it’s easier for them.

The figures published in a report published by Amnesty International in January reveal that 38 Indigenous people were killed last year in disputes over land. This is the highest figure of its kind in the last 11 years. What do you have to say about this?

I was very irritated by the way in which AI took a report published by a Brasilian NGO (The Indigenous Missionary Council) and said that 38 Indigenous militants and activists had been killed defending their land. We had registered 4 deaths over conflicts regarding land. The others had actually been killed by other Indians for a variety of motives. So Brasil is waging some kind of a war against the Indians? It’s just malicious. AI can’t just arrive in Brasil without understanding the situation, pick up some unscrupulous report, which doesn’t reveal how these people really lost their lives and which gives the impression that Brasil is killing its Indigenous population. It’s just not true.

So more Indians aren’t being killed in Brasil? Not even in land disputes with farmers?

No, of course they’re not. Of course there are problems regarding the recuperation of Indian land lost in the past. In some cases, we have had to dispossess farmers of land that has been in their families since the ‘40s. Of course they think it’s theirs by right. Funai is always on the side of the Indians and fights for the Indians, but there are conflicts. How could there not be? And the Indians know this and are willing to struggle for their rights. But to credit Funai with negligence regarding the Indigenous population is unacceptable.

Why aren’t the rights of Indigenous peoples respected in Brasil?

This is a problem that affects various social sectors in Brasil. Brasil is a country of social inequality. The Indians’ rights aren’t respected, but the same goes for Black people, the MST, the poor and the shantytown dwellers. The rights that Indians should have aren’t respected, I recognize that, but the Brasilian public has to fight to see this happen, and not just for the Indians, but for society as a whole.

Com vocês, Paulinho da Viola!!!!!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Doze índios AWÁ, da Colômbia, são assassinados

Mais uma vez é sobre os índios Awá, do sul da Colômbia, fronteira com o Equador, que recai a mais pesada violência. com o assassinato bárbaro de 12 pessoas, entre elas, quatro crianças. A violência vem ou da parte das FARCs ou da parte do Exército colombiano.

Desde o ano retrasado estamos lendo sobre mortes de índios Awá. Em determinado momento, pôs-se em dúvida se houvera mortes de verdade. Agora não restam sombras de dúvidas. Os cadáveres estão aí, pertencem a uma só família e portanto parece ter sido assassinato premeditado. A Colômbia está estarrecida com o acontecido. A ONU foi convocada para ver de perto a situação e pressionar por providências mais duras. Já o governo de Uribe também aproveita para culpar grupos guerrilheiros pelas mortes.

O povo Awá soma cerca de 11.000 pessoas e vive na região do Tumaco, no estado (departamento) de Nariño, na muito longe da fronteira com o Equador.

Na matéria abaixo, o líder indígena Luis Evelis Andrade, presidente de uma das maiores organizações indígenas da Colômbia, levanta sérias suspeitas sobre a atuação do Exército colombiano.

Conheci Luis Evelis em diversas reuniões internacionais sobre povos indígenas. Acho que ele está falando sério.

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Suspeitas de massacre de indígenas na Colômbia recaem sobre militares

BOGOTÁ, Colômbia — Líderes indígenas manifestaram nesta quinta-feira suspeitas relacionadas à participação de membros dos Exército no assassinato de 12 indígenas, 4 deles crianças, ocorrido na véspera, indicaram à AFP.

"Para nós, é muito suspeito que o massacre tenha sido cometido na casa e contra a família da senhora Tulia García, esposa de Gonzalo Rodríguez, indígena assassinado no dia 23 de maio por membros do Exército. Ela era testemunha da Procuradoria nesse crime", ressaltou Luis Evelis Andrade.

Andrade, presidente da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC), lembrou que, desde que se tornou testemunha da Procuradoria contra os militares, García vinha recebendo diversas ameaças de morte.

"Não podemos dizer que foram eles (militares), mas nos parece muito suspeito e nos leva a pensar que há alguma ligação entre esse massacre e a pretensão de abafar qualquer denúncia", disse Andrade em declarações à AFP.

Homens encapuzados atacaram na quarta-feira uma reserva da etnia Awá, no sul da Colômbia, na fronteira com o Equador, em uma área que já foi cenário de dezenas de crimes atribuídos a uma guerra pelas rotas do narcotráfico.

O ataque foi cometido por "homens encapuzados que vestiam roupas militares" na reserva de Gran Rosario, departamento de Nariño, disse Andrade.

Cerca de 11.000 Awá ocupam uma faixa que inclui várias reservas entre o sul da Colômbia e o norte do Equador, que é usada por narcotraficantes para o transporte de drogas para o Oceano Pacífico, segundo registros policiais.

Segundo a ONU, a maior parte dos 64 assassinatos de indígenas ocorridos este ano seria responsabilidade da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Os Awá denunciaram que são alvo de uma campanha de extermínio por sua decisão de se manterem neutros no conflito colombiano.

O governo do presidente Alvaro Uribe havia "repudiado e condenado" o assassinato e ofereceu recompensa de até 100 milhões de pesos (cerca de 50.000 dólares) "a quem fornecer informação que leve à captura dos autores materiais e intelectuais desse massacre".

Liminar favorável a fazendeiros do MS é revogada pelo TRF, 3ª Região

O TRF, 3ª Região, revogou a liminar de tutela antecipada que o desembargador Luís Stefanini havia concedido aos fazendeiros de Mato Grosso do Sul suspendendo os estudos de reconhecimento de terras indígenas naquele estado. Com isso os 5 GTs que haviam sido designados para recomeçar os estudos ficaram paralisados. O argumento do procurador Paulo Thadeu Gomes da Silva foi de que essa liminar não poderia ter sido dada sem que tivessem sido ouvidos o MPF e a AGU, como advogados que defendem constitucionalmente a causa indígena. Por esse argumento, a Turma 1 do TRF decidiu unanimemente pela revogação da referida liminar. Curioso é que o desembargador Stefanini foi transferido para a Turma 5 do mesmo TRF. Quer dizer, as decisões foram feitas, em ambos os casos, por firulas jurídicas e não no mérito. Isto significa que vêm aí novas firulas.

O mérito é o que importará, ao final. Agora a Funai poderá reativar os GTs e retomar seus estudos visando o reconhecimento de terras indígenas no Mato Grosso do Sul.

Notem que na matéria abaixo, do jornal O Globo, a partir de uma entrevista com o procurador federal Paulo Thadeu, consta como ele dizendo que os índios não conseguem reproduzir porque estão confinados em pequenos lotes de terra. Acho que a fala do procurador deve ter sido "produzir".

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TRF determina retomada de estudos para identificação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul

Cleide Carvalho, Wagner Gomes, O Globo
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SÃO PAULO - O Tribunal Regional Federal cassou a tutela antecipada que suspendia os estudos no Mato Grosso do Sul para identificação e demarcação de terras indígenas. Os estudos, que estão sendo realizados a pedido da Fundação Nacional do Índio, tinham sido suspensos por decisão do desembargador federal Luiz Stefanini, que havia aceitado recurso da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul).

Com a nova decisão, os estudos podem voltar a ser feitos. A decisão foi do juiz federal convocado Ricardo China, novo relator do processo, e foi seguida pelos desembargador federal Johonsom di Salvo e pelo juiz convocado Márcio Mesquita. O desembargador Stefanini está agora na 5ª Turma.

- A Funai e o Ministério Público Federal vivem sendo acusados de não levar adiante os processos em favor dos índios. Quando há uma vontade firme de avançar na demarcação das terras vem o Judiciário e suspende os estudos. A decisão foi tomada por um único desembargador, que não consultou o Ministério Público Federal - disse o procurador Paulo Thadeu Gomes da Silva.

Segundo ele, por lei, o MPF tem a obrigação de ser ouvido, já que é o representante legal dos índios. De acordo com Thadeu, os estudos para demarcação das terras estão parados há dois anos por conta dessa briga jurídica entre a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul e a Funai.

- Agora, com essa nova decisão, que libera os estudos, esperamos que a demarcação seja feita o quanto antes. Os índios têm um processo histórico de expulsão no Mato Grosso do Sul e estão confinados na beira de estradas. Em desvantagem, eles não conseguem se reproduzir - afirmou o procurador, acrescentando que os índios se sentiram traídos pelos fazendeiros, que entraram com a ação ao mesmo tempo que negociavam uma saída para a divisão das terras.

domingo, 23 de agosto de 2009

Crítica do relator da ONU é mais ou menos

Li com cuidado o relatório sobre a situação dos povos indígenas no Brasil de autoria de S. James Anaya, relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas. Ao contrário do que viram os jornais O Globo e o Estado de São Paulo, bem como a autora do texto postado no ISA, não achei o relatório tão crítico assim. Mais ou menos.

S. James Anaya esteve no Brasil por duas semanas em Agosto de 2008. Estava pegando fogo a questão de Raposa Serra do Sol e das portarias da Funai que criaram os GTs para analisar e propor a fundamentação de novas terras indígenas para os índios Guarani em Mato Grosso do Sul. Anaya esteve nessas duas regiões, ouviu os índios e muitas pessoas contrárias. Teve essa disposição e destemor. No Mato Grosso do Sul, principalmente em Dourados, ouviu em audiência muito tensa os fazendeiros que uivavam literalmente de raiva. Ouviu índios Guarani e políticos. Não sei se esteve com o governador do MS, mas se dispôs a ouvir a todos.

A convite do ISA, Anaya esteve também em São Gabriel da Cachoeira para ver o modelo de organização política dos índios do Alto rio Negro. Sua ligação com essa Ong era evidente.

Em Brasília esteve na Funai com um grupo de lideranças indígenas. Ouviu reclamações e sugestões. Falou inclusive com o ministro Tarso Genro. Esteve também com o secretário de Direitos Humanos e com o Procurador-Geral da República. Entretanto, não esteve com ministros do STF, acho porque eles não o quiseram receber e consideraram sua presença uma imposição indevida sobre eles e sobre as decisões que iriam tomar em breve. Inclusive, poucos dias depois, ao votar sobre Raposa Serra do Sol, o ministro Ayres Britto alude à Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas como uma influência desnecessária à política indigenista brasileira e a Constituição Federal. O ministro Britto considera que nossa Constituição é mais profunda e ampla em política indigenista do que a própria Declaração. Nesse sentido, a presença do relator Anaya teria contagiado negativamente o voto do ministro Britto, e esse voto, tão festejado por muitos, deu consequências ruins no prosseguimento daquela votação. Isto é, o voto de Britto provocou o voto revisionista do ministro Menezes Direito e daí as malfadadas ressalvas.

1. O relatório de Anaya não é falso nem errado de modo algum. É, entretanto, típico de relatórios de pessoas de boa vontade, porém com informações parciais de uma determinada sociedade, focando nos pontos mais óbvios, mas sem profundidade sobre os assuntos abordados. Dizer, por exemplo, que os índios são discriminados no Brasil é um óbvio ululante que se aplica ao Brasil e a qualquer outro país das Américas, da Europa, da Ásia ou da África. Agora, sugerir que, para remediar isso, se faça uma campanha nacional em prol dos índios sob a égide das Nações Unidas e das Ongs é ignorar o desassossego que tomou de conta do país desde a votação da Raposa Serra do Sol, particularmente entre militares, políticos da Amazônia e nacionalistas em geral por conta da Declaração Universal dos Direitos Indígenas e da influência das Ongs na atual política indigenista brasileira. Esta Declaração, para a elaboração da qual eu trabalhei com afinco durante o tempo que passei como presidente da Funai, é muito importante para o resgate dos povos indígenas mundo afora, mas ela só será emplacada nos países que têm populações indígenas, incluindo o Brasil, por uma metodologia mais sutil do que esta de campanhas carregadas de frases feitas e lugares-comuns. O mundo não comporta mais esse tipo de campanha, porque o mundo está saturado de marketing fácil. E o Brasil nem liga mais. Então, a sugestão, se não é despropositada, é inócua.

2. O relator Anaya reconhece que o Brasil está na dianteira do reconhecimento do direito indígena sobre suas terras e que já demarcou quase 13% do seu território como terras indígenas. A conclusão desse processo não vai ser fácil, e só os irresponsáveis é que fazem promessas à toa para os índios. Por exemplo, dizer que a Funai vai demarcar 800.000 hectares no Mato Grosso do Sul para os Guarani, retirando os fazendeiros que ocupam essas terras por um processo administrativo e em nome da Constituição, é de uma ingenuidade boba e de uma irresponsabilidade inominável. Cria expectativas para os índios e fomenta uma reação desmesurada por parte dos adversários fazendeiros e políticos. O resultado é um impasse que só os índios ficam prejudicados; os que fazem essas promessas passam batidos. Não sei se Anaya está ciente disso, mas bastaria ele se mirar no que acontece nos Estados Unidos para ver que não é fácil recuperar terras indígenas, mesmo aquelas que foram estabelecidas em tratados mas que foram usurpadas por invasores. Nenhuma tribo americana recuperou terras de tratado até hoje. Recuperar terras no Mato Grosso do Sul não poderia ser o mesmo que tirar doce de criança.

3. O relator Anaya considerou o PAC, essa série de investimentos feitos no Brasil, especialmente na Amazônia, um perigo e um desafio à situação indígena no Brasil. Tanto pelo que esse programa pode ter de destruidor de meio ambiente, quanto pelo modo que está sendo realizado. Reclamou que os índios não vêm sendo ouvidos, em desrespeito à Convenção 169 da OIT. Isso é só parcialmente verdadeiro, e as ONGs que o estavam assessorando são partícipes desses empreendimentos como consultores e propositores de compensações. Nada de errado com isso, só que essas Ongs deveriam ao menos ter alertado o relator da ONU. Belo Monte, por exemplo, foi estudada por pessoas ligadas diretamente à Ong CTI que se apresentaram aos índios e os informaram sobre os seus prováveis impactos. O mesmo se deu em relação às usinas nos rios Madeira e Tocantins. Os índios estão sabendo desses empreendimentos e negociaram compensações. Ou não? Se não, tem sido por incompetência dos negociadores.

4. Em outros casos, não. Os índios do alto Xingu não queriam a Usina Paranatinga II e protestaram com veemência. Inutilmente. A usina está pronta e logo entrará em funcionamento. Já os índios Enawenê-Nawê têm feito fortes protestos contra as mini-usinas (PCE) que estão sendo construídas no rio Juruena. Chegaram a invadir o canteiro de obras de uma dessas usinas e quebrar diversos caminhões e alojamentos. Mas depois houve uma negociação intermediada pela Funai e pelo governador Blairo Maggi. Que é que soube Anaya sobre esse assunto? O que ele diria diante desse caso? É descaso do Estado, da Funai, do Governo Federal, do movimento indígena, de quem? É oportunismo e mal-caratismo de quem?

5. De todo modo, é verdade que os índios não são consultados de antemão sobre os planos do governo em relação a desenvolvimento econômico, construções de estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão, etc. Para falar sério, ninguém é consultado sobre essas coisas. Mas, quando acontece desses empreendimentos intervirem ou impactarem uma terra indígena, de algum modo, em geral pela proximidade, os índios são avisados, ainda que tardiamente, e tenta-se entabular alguma negociação. Isto se deu no meu tempo de presidente da Funai, antes de mim e agora também. Pode-se argumentar que essas negociações são feitas após o fato consumado. Sim, aí há razões para reclamar. A verdade é que os índios não são considerados como parte essencial dos investimentos ou mesmo da visão futura do Brasil. Para que isso venha a acontecer, muita água tem que rolar debaixo da ponte. Acima de tudo, o movimento indígena tem que amadurecer rapidamente, deixar de ser tutelado pelas Ongs e procurar encontrar caminhos novos. Pois, os índios não vão ser capazes por si próprios ou com o auxílio das Ongs de definir prioridades para o Brasil ou para a Amazônia. O que eles podem e devem fazer é estar presentes nos momentos decisivos e ter força e persuasão para negociar o melhor para si.

6. Enfim, as consultas não são feitas com propriedade, mas são feitas. Ou se melhora a metodologia, ou o governo passa a consultar os índios e a sociedade brasileira no nascedouro de seus planos. Isto é importante para todos, mas especialmente para regiões como a Amazônia onde o estrago parece mais feio. O descaso do Brasil com os índios, nesse aspecto, é generalizado para todos nós.

7. A questão da saúde pública no Brasil é ruim, todos nós sabemos. Com os índios tem sido pior, não há sombras de dúvidas. Aqui o relator Anaya tinha panos para manga. Poderia ter analisado com cuidado a história sanistarista brasileira em relação aos povos indígenas, suas imensas carências e seu pouco, mas significativo sucesso. Apenas repercutiu que os índios reclamam muito da Funasa, mas que a Funasa vai melhorar se trabalhar junto com a Funai. Anaya não soube e portanto desconhece a história por trás da passagem da saúde indígena da responsabilidade da Funai para a Funasa, o quanto as Ongs foram responsáveis por isso, e o quanto agora elas dão uma de João-sem-braço fingindo que não têm nada a ver com o que aconteceu.

8. Idem para educação. Críticas corriqueiras. Poderia dar sua visão sobre se os índios devem ser educados nos moldes ocidentais, ou se devem permanecer em suas culturas, sem intervenção externa. Poderia se indagar o que os povos indígenas querem em relação a isso? Poderia analisar de onde deveria partir a educação indígena, se do plano federal, estadual ou municipal. Entretanto, ao final, acatando que o Estado brasileiro deve prover educação de qualidade, com especificidade para os índios, suas sugestões foram corriqueiras. As críticas e sugestões do relator Anaya não são novidades entre indigenistas e no meio do movimento indígena. Aliás, não foram bem sugestões, e sim carões o que Anaya pregou ao governo brasileiro.

9. O relator Anaya, que é índio americano do estado do Arizona, critica a política indigenista da Funai por ter uma atitude paternalista. Não há lugar-comum mais freqüente no meio das Ongs do que essa crítica. Ele poderia ter sido mais criativo e demonstrar o que quer dizer com isso. Sim, o jeito de se relacionar com índios no Brasil é diferente do que nos Estados Unidos. Entretanto, não totalmente. Nos Estados Unidos há uma Funai, chamada Bureau of Indian Affairs, que é responsável por muitos aspectos da vida indígena. Provê, por exemplo, educação específica para os índios, porém com um currículo integrador que favorece o índio a prosseguir seus estudos, se integrar na sociedade americana. O BIA tem o equivalente a postos indígenas e sedes regionais onde os índios procuraram obter recursos para suas atividades econômicas ou sua sobrevivência. Em quase 200 anos de atividades, nenhum povo indígena deixou de apelar para o BIA. O BIA decide quem é e quem não é índio, seja por contagem de parentesco, seja por historicidade guardada. Até agora, nenhum povo indígena americano (Federallly Recognized Tribes) pediu, por assim dizer, emancipação! Mesmo aqueles que são milionários, como os índios que têm cassinos em suas terras. O que Anaya quer dizer com paternalismo? Paternalista é uma atitude de querer resolver as coisas para alguém sem o consultar, achando que seu julgamento é melhor ou mais completo do que o do outro. É impor e fingir que não está se impondo. É, no caso, tratar os índios como criança. Entretanto, perguntar-se-ia: quem trata os índios como crianças nesse país? Proibir os índios de vender madeira, de negociar a entrada de garimpeiros, de beber bebida alcoólica – é paternalista ou não? Como analisar uma política indigenista que tem como dever expulsar madeireiro que entra em terra indígena por ter engrupido alguma liderança? Proibir a entrada de estranhos em terra onde os índios mal falam português é paternalista, protecionista, ou o quê? Acionar a Polícia Federal para fazer correr invasores que derrubaram a mata para plantar capim e botar boi no pasto é o quê?

10. O relator Anaya é a favor da auto-determinação dos povos indígenas, conforme a Declaração da ONU. Sim, também somos todos nós que trabalhamos com povos indígenas. Os índios também o querem ser. Mas o que se precisa para alcançar essa auto-determinação? Quais as implicações disso? Quais serão as continuadas obrigações do Estado brasileiro para com os povos indígenas que se auto-determinarem? E o que fazer com os povos indígenas que têm pouco conhecimento da sociedade brasileira, de suas manhas e de seus perigos, de seu poder e de sua violência? Declará-los auto-determinados e deixar que eles se virem, ou manter a presença do Estado (diga-se Funai) até que eles se sintam fortes para se auto-determinarem?

11. Enfim, há muitas coisas que se diz à vontade no meio de Ongs indigenistas, mas de que não se tem a mínima ideia de como realizá-las. O relatório Anaya não ajuda nesse aspecto essencial para se dar um salto de qualidade na questão indígena brasileira. Seus aportes vieram em forma de sugestões comezinhas, lugares-comuns, admoestações ao Estado e à Nação brasileiros. Não serão levadas em consideração porque são conhecidas, mas suas soluções não.

Algum dia os índios poderão se reunir numa nova grande Conferência e discutir suas questões sem a pieguice das Ongs e sem a supervisão do Estado. No osso. Aí eu acho que a questão indígena brasileira poderá encontrar um novo caminho, por uma nova concepção. Aí o governo que houver saberá que os índios têm uma visão comandante. Esse dia vai acontecer num futuro próximo.

sábado, 22 de agosto de 2009

Professor Gustavo Ribeiro é vice-presidente da UICAE

O prof. Gustavo Ribeiro, da UnB, foi eleito vice-presidente da União Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas, talvez a mais importante instituição internacional que agrega antropólogos. Uma espécie de super-sindicato dos antropólogos.

Gustavo Ribeiro foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia na ocasião em que eu era presidente da Funai e tivemos várias discussões sobre o papel que essa organização deveria empenhar na Funai. Ele inclusive indicou os membros do Conselho Indigenista da Funai que, mais tarde, iriam se retirar num gesto de protesto insensato e oportunista por ocasião de uma matéria mal feita que saiu no jornal Estadão.

É importante para a antropologia brasileira que Gustavo Ribeiro tenha alcançado essa posição de muito prestígio nos círculos antropológicos

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UnB - Professor eleito vice-presidente da União InternacionalPDFImprimirE-mail
19 de agosto de 2009
A gestão da mais importante instituição de Antropologia do mundo conta com o trabalho de um professor da Universidade de Brasília. Gustavo Lins Ribeiro, chefe do Instituto de Ciências Sociais da UnB, se tornou vice-presidente da União Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas no fim de julho. A entidade, criada em 1948, é vinculada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e congrega pesquisadores de todo o mundo. Gustavo Lins Ribeiro ficará à frente da instituição até 2013.
O professor espera que sua escolha para a União Internacional fortaleça a UnB internacionalmente. “É uma grande honra para um antropólogo brasileiro estar em uma posição como esta, na única instituição internacional de Antropologia”, disse Lins, em entrevista à UnB Agência. Na universidade, o curso de pós-graduação em Antropologia é o único que possui a nota 7 da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Confira a entrevista:
UnB Agência – A presença do senhor nessa entidade significa o quê para o Brasil? E para a universidade?
Gustavo Lins Ribeiro – A antropologia brasileira tem um grande destaque internacional e é muito respeitada nos principais centros de produção acadêmica. É uma grande honra para um antropólogo brasileiro estar em uma posição como esta na única instituição internacional da disciplina. Certamente, procurarei, em conjunto com outros colegas de direção, representar as perspectivas e tradições da antropologia brasileira e latinoamericana. Há muito por fazer. Ao lado do meu nome, está o da UnB, algo que ajuda a fortalecer a imagem de excelência acadêmica e científica que construímos aqui. Queremos também fazer, talvez em 2014, um congresso da entidade em Brasília.
UnB Agência – O senhor acha que, de alguma forma, sua eleição pode incentivar outros pesquisadores da UnB?
Ribeiro – É difícil que a minha eleição, ou a de qualquer colega, possa ajudar outros estudiosos de forma direta. Mas, de maneira otimista e sem nenhuma pretensão, talvez a eleição possa servir de inspiração para outros colegas com tendências cosmopolitas e interesse na política científica global. Acho que, em geral, nós brasileiros somos pouco ativos nessa frente, a despeito da alta qualidade de muitas práticas científicas e de muitas lideranças acadêmicas nossas.
UnB Agência – As pesquisas antropológicas da UnB têm um foco principal?
Ribeiro – Não. Nosso departamento tem uma pluralidade de interesses de pesquisa muito grande. Mas, se há algo que qualifica nossa prática acadêmica, é a de uma certa horizontalidade que praticamos. Não existem colegas donos de uma área, como se fossem os grandes catedráticos, e que, a partir dessa posição, pretendam criar seguidores, discípulos, como se fossem grandes gênios. Nossa modéstia consciente e nossa dedicação ao trabalho acadêmico levam a respeitar as propostas de trabalho de todos como igualmente relevantes. É claro que o importante são os resultados que daí derivam. Vários colegas, a partir de suas pesquisas, terminam se dedicando, de uma forma ou de outra, a influenciar políticas públicas ou a fazer parte de movimentos da sociedade civil.
UnB Agência – Quais são as principais discussões e desafios da área?
Ribeiro – A Antropologia é uma disciplina extremamente ambiciosa. Está interessada em decifrar desde os mitos de populações indígenas até as práticas e ideologias de laboratórios científicos de ponta. Mas ainda somos vistos como os grandes especialistas na questão das diferenças culturais, étnicas, e, acrescentaria, políticas, sociais e de gênero. Essas questões não deixarão de ser importantes nunca. Ao contrário, à medida que a globalização avança, elas se tornam mais relevantes. Nossos maiores desafios são de fazer chegar à sociedade em geral, e aos tomadores de decisão em particular, informações cruciais que permitam a perene construção de um mundo cada vez mais justo para todos.

Apolima-Arara protestam na Funai de Rio Branco

Há duas semanas lideranças do povo Apolima-Arara, da região de Marechal Taumaturgo, estão acampadas em frente à sede da Funai, em Rio Branco, AC, esperando a assinatura da portaria de demarcação de sua terra.

Mais índios são esperados hoje. A questão dessa terra indígena é complicada. Os Apolima-Arara foram reconhecidos como indígenas só depois que foram retirados da terra dos índios Kampa, do rio Amônea, por ocasião da demarcação daquela terra indígena. Eles desceram o rio e se localizaram numa área que já estava parcialmente tomada por posseiros e madeireiros. Daí a complicação.

Segundo informações da Funai, o ministro Tarso Genro prometeu assinar a portaria de demarcação. É ver para crer.

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Cerca de 80 indígenas ocupam sede da Funai em Rio Branco

22 de agosto de 2009

Fonte: Portal Amazônia, com informações do Cimi


MANAUS - Indígenas do povo Apolima-Arara estão acampados na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Rio Branco, Acre, desde 12 de agosto. Ontem (21), um grupo de 20 pessoas deve chegar para fazer parte da mobilização somando cerca de 80 indígenas.

Os manifestantes exigem a imediata publicação da portaria que declara a terra Arara do Amônia como tradicionalmente ocupada pelos indígenas. Outra reivindicação é a nomeação de um novo administrador da Funai local.

Desde o início de agosto o antigo administrador foi exonerado e até agora o órgão indigenista está sem administração. A última informação que os indígenas receberam é a de que o Ministro da Justiça, Tarso Genro, deveria assinar a portaria declaratória nesta quinta-feira (20). Cerca de dez povos diferentes estão presentes na manifestação.

Os Apolima-Arara vieram de sua terra localizada no Município de Marechal Thaumaturgo, vale do Juruá, distante mais de mil quilômetros da capital do Acre. A viajem até Rio Branco demorou cerca de dez dias. Eles se deslocaram por meio de canoas, barcos, carona em caminhão e, finalmente, andaram um grande trecho a pé.

Francisco Arara, cacique do povo Arara e um dos líderes da mobilização, destaca a insatisfação do povo e a urgência dessa portaria declaratória. “Nós precisamos dessa portaria para termos paz. Recebemos ameaças constantes de posseiros, caçadores e madeireiros. Dentro de nossas terras, temos lagos e nem podemos pescar porque sempre somos ameaçados”, diz.

O cacique ressalta que com a portaria, fica mais fácil proteger a terra. “Se regularizarem a nossa terra, não vamos deixar que façam extração ilegal de madeira ou mesmo caça predatória”, ressalta. Sobre as ações predatórias na área, várias denúncias foram feitas, mas, infelizmente, nenhuma medida foi tomada pelos órgãos responsáveis até o momento.

Luta antiga

A luta pela demarcação da terra indígena Arara do Amônia já se estende por mais de nove anos. Durante esse tempo muitos conflitos aconteceram na área e continuam acontecendo. Segundo o cacique Francisco Arara, eles não sairão da sede da Funai enquanto não for publicada a portaria declaratória. “Já temos o apoio de outros povos também insatisfeitos e que vão se juntar à luta”.

Dia 12, eles foram recebidos pelo administrador substituto, Julio Barbosa, que se prontificou em encaminhar um documento para a Funai em Brasília pedindo que ela acelere o processo e converse com o Ministro da Justiça. Além de acamparem na Funai, os índios esperam ser ouvidos pelo Ministério Público Federal. (RC)

Xavante, desesperados, pedem mudança na Funasa

Mais uma vez os Xavante apelam desesperadamente para que a Funasa tome tento e acerte seus trabalhos no DSEI que deve cuidar de sete terras indígenas e cerca de 15.000 índios.

O movimento indígena xavante ocupou a sede do DSEI em Barra do Garças, na beira do rio Araguaia, com o intuito de chamar a atenção para o fato de que mais de 100 índios Xavante morreram só este ano. É impressionante como isso não chega na mídia e o pouco que comove a atual gestão da Funai.

O líder dessa ocupação é ninguém menos que o próprio Edmundo Omore, que é o presidente do Conselho Distrital Indígena de Saúde.

Segundo um dos diretores da Funasa, recentemente em conversa com lideranças indígenas de Roraima, o governo está aguardando a discussão no Congresso Nacional para a criação de uma secretaria especial de saúde indígena ligada diretamente ao Ministério da Sáude.

Muito esperada essa secretaria. Mas tudo vai depender dos congressistas.


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Índios fecham o Dsei de Barra do Garças

FRANCIS AMORIM
Da sucursal/Barra do Garças

Lideranças de nove terras indígenas da etnia xavante fecharam ontem o Distrito Sanitário Especial Indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Barra do Garças. A medida foi tomada como protesto aos casos de óbitos registrados nas aldeias xavantes do município. Os 15 servidores que atuam no órgão estão com as atividades paralisadas.

Segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, cacique Edmundo Dzu’Aiwi Omore, os índios estão morrendo por falta de medicamentos e assistência médica nas aldeias.

“Nosso povo está morrendo e ninguém faz nada. Essa foi a forma que encontramos para gritar e clamar por saúde. Pelo amor de Deus, pare com a morte do povo xavante”, disse. Somente neste ano, mais de 100 índios, entre crianças, jovens, adultos e idosos já morreram na região.

De acordo com Edmundo, o fechamento do Dsei de Barra do Garças foi a única alternativa que eles encontraram para alertar as autoridades. “As aldeias estão enfrentando uma epidemia que parece não ter fim. Crianças morrem antes de chegar à cidade. São dores de cabeça, febre, gripe, diarréias, vômitos e tonturas. Cadê a Funasa? O órgão é incompetente para cuidar da saúde do nosso povo”, frisou.

Ontem, o vice-cacique da aldeia São Marcos, Cláudio Xavante, estava internado na UIT do Hospital Municipal de Barra do Garças. Os médicos que assistem o indígena ainda não têm o diagnóstico da doença.

O cacique informou que os xavantes não usarão a força para pressionar as autoridades. “O movimento é pacifico. Não vamos agredir e não usaremos a violência. Só deixaremos a Funasa quando o gestor de saúde de Cuiabá vier dialogar e anunciar medidas que possam reduzir o grande número de mortes”. Edmundo cobrou também saneamento básico nas aldeias. Segundo ele, os índios não contam nem com água potável para beber. “A Funasa recebe milhões e não investem na saúde indígena”, denunciou.

Edmundo Dzu’Aiwi defendeu também mudanças na direção da Funasa em Barra do Garças. Segundo ele, é preciso uma administração mais participativa, transparente e compromissada com a causa indígena. “Queremos alguém com força política para cobrar, reivindicar e apresentar soluções. O atual coordenador (José Henrique) não reúne condições para administrar o órgão. Ele não dá resposta às lideranças e não luta para defender nosso povo”.

O Distrito Sanitário e a Casa de Saúde de Barra do Garças são responsáveis pela assistência médica para uma população indígena estimada em 15 mil pessoas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Relator da ONU critica politica indigenista brasileira

O relator especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, S. James Anaya, lançou ontem seu relatório da viagem de inspeção que fez ao Brasil há exatamente um ano. Nessa ocasião o Sr. Anaya visitou os índios da T.I. Raposa Serra do Sol, os índios Guarani do Mato Grosso do Sul e esteve com diversas autoridades brasileiras e lideranças indígenas. Ainda não havia sido votado o caso Raposa Serra do Sol, o que dava panos para a manga da crítica gratuita e impaciente. O relatório não elogia o Brasil, segundo matérias publicadas no Estadão e no Globo. Pessoalmente ainda não consegui acesso ao relatório, por isso os comentários abaixo repercutem essas matérias. Talvez mude de opinião ao ler o relatório em sua inteireza.

Pelo que vejo dessas matérias e pelo que vi da presença do Sr. Anaya no Brasil, ele já chegou aqui carregado de preconceitos contra a política indigenista brasileira. Seus informantes brasileiros estão relacionados diretamente com Ongs e missionários que normalmente têm uma visão negativa do Brasil e fazem graves críticas à política indigenista brasileira, independente de seus poucos sucessos. Assim, sua pesquisa no Brasil não parece ter mudado sua opinião preconcebida. O que ele viu, o que lhe foi mostrado e relatado só o fizeram mais crítico.

O Sr. Anaya acha que a política indigenista brasileira tem seus méritos, na medida em que já demarcou cerca de 13% do território nacional como terras indígenas (ou quatro vezes mais do que nos EUA), porém está muito aquém do que deveria ser. Acha que as terras, embora demarcadas, não são efetivamente protegidas, e dá exemplo de invasores em terras dos Guajajara e dos Cintas-Largas. E as demais? Será que não estão protegidas?

Ele acha que a política indigenista está carregada de paternalismo por parte das autoridades brasileiras, especialmente da Funai, e que não permite que os índios se auto-determinem. Acha que o governo não consulta os povos indígenas a respeito de projetos econômicos que os afetam. Enfim, sobra pouco para algum elogio.

O problema maior do Sr. Anaya é seu preconceito e sua falta de conhecimento da história do Brasil e do seu relacionamento com os povos indígenas. Sua leitura é míope. Seu conceito do que é paternalismo é típico de americanos que não conhecem as relações sociais brasileiras. Qualquer coisa para eles parece paternalismo. Ou a política indigenista brasileira é paternalista ou nenhuma das relações sociais brasileiras é paternalista. O Sr. Anaya não conhece a realidade extensa e diversificada dos povos indígenas brasileiros para chamar de paternalismo a necessidade de proteção de povos indígenas com pouco contato com a sociedade envolvente e ainda vivendo sem grande interesse, sem conhecimento e sem vivência com essa sociedade.

Por sua vez, o que diz o Sr. Anaya sobre o que está acontecendo em Mato Grosso do Sul? Bem, nas matérias apresentadas por jornalistas do Estadão e do Globo, nada disso é mencionado. É preciso que seu relatório se torne acessível para uma leitura mais intensa e cuidadosa.

De todo modo, esta é minha primeira impressão. Que outros leiam o relatório do Sr. Anaya e tire suas conclusões.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Antropólogo diz que são apenas 800 mil hectares a serem demarcadas no Mato Grosso do Sul

Fiquei surpreso com a informação trazida numa entrevista após um debate promovido em Campo Grande de que não passariam de 800 mil hectares as terras a serem demarcadas no estado do Mato Grosso do Sul para os índios Guarani e não os 3 milhões de hectares que todos nós esperávamos. E parece que a coisa foi dita com certa facilidade!

Até agora os índios Guarani do MS têm cerca de 60.000 hectares demarcados no Mato Grosso do Sul, com a perspectiva de chegar até uns 100.000 se as terras reconhecidas e com portaria de demarcação encaminhadas no tempo em que eu era presidente da Funai viessem a ser demarcadas, homologadas e desembaraçadas. Octoplicar esse número seria um feito e tanto.

Enquanto isso está tudo parado devido a uma liminar do TRJ, 3ª Turma concedida aos advogados dos fazendeiros antes mesmo dos GTs entrarem no campo.

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Terras destinas à indígenas não passam de 800 mil hectares

A demarcação de terras em Mato Grosso do Sul foi o principal assunto discutido no último dia do seminário “A Imagem dos Povos Indígenas na Mídia”, no CineCultura em Campo Grande, como parte da programação do Vídeo Índio Brasil 2009. No domingo pela manhã, o tema colocado à mesa foi “Nós Estamos Aqui – A Realidade dos Guarani em Mato Grosso do Sul”, discutido pelo antropólogo Rubem Almeida, o historiador Antonio Brand e o cacique Guarani-Kaiowá Ambrósio Vilhalva, mediados pelo coordenador-geral de artesanato da Funai, Pedro Ortale.

Lideranças indígenas falaram da importância da terra para a preservação da cultura. Exemplificando que a relação entre o homem branco e o índio com a terra é diferente. Enquanto um a utiliza para viver o outro faz parte dela.

Para o antropólogo Rubem Almeida a resolução do impasse só pode acontecer com entendimento entre todos os envolvidos. “É preciso diálogo, muita conversa. Na minha opinião não deve ocorrer a criminalização dos produtores rurais. Infelizmente o que ocorre é que o governo não deseja dialogar”.

Rubem ainda chamou a atenção para um dado importante. Segundo ele, as terras destinadas aos povos indígenas seriam infinitamente menores do que a imprensa e o governo ventila. “Falaram em 26 milhões de hectares, outros em três milhões. Pelos meus estudos posso afirmar que, se muito, as terras destinadas a este fim não devem ultrapassar 800 mil hectares”, crê.

O professor e historiador Antônio Brand, coordenador do programa Rede de Saberes do Neppi (Núcleo de Estudos e Pesquisas Indígenas), enfatizou a urgência para a resolução de um problema que afeta 45 mil pessoas em Mato Grosso do Sul. “Infelizmente, a classe política é contra a decisão de demarcar as terras. Mas sem isso será impossível dar qualidade de vida a um povo que vive oprimido”, afirma.

O Pajé Nito Guarani disse desejar apenas que seu direito seja respeitado. “Queremos apenas nosso direito, recuperar nosso território. Antes conversávamos com a natureza, hoje não é possível. Porque acontece o suicídio? Porque nossos irmãos perdem a esperança”. O cacique Ambrósio Vilhalva reiterou ainda a necessidade de uma sociedade mais justa, pois “ninguém é mais que o outro.”

Da platéia, a produtora rural e antropóloga Roseli Maria Ruiz, que acompanhou os seminários no fim de semana, explicou que produtores rurais, assim como os indígenas, também são vítimas. “Minha família comprou as terras há mais de 50 anos. Temos todos os documentos. Assim como os indígenas, somos vítimas de políticos irresponsáveis”. Para ela, o problema deve ser resolvido com entendimento.

O seminário “Nós Estamos Aqui – A Realidade dos Guarani em Mato Grosso do Sul” fechou um ciclo de debates realizados deste o dia 11 deste mês e que discutiu, como tema central “A Imagem dos Povos Indígenas na Mídia”. Passaram pela mesa de discussões antropólogos, caciques, pajés, atores indígenas brasileiros e bolivianos, cineastas índios e não índios, professores de diversas etnias indígenas, jornalistas e produtores culturais.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Cineasta-indigenista ganha prêmio por filme sobre Corumbiara


O Diário de Pernambuco fez essa excelente entrevista com o cineasta e indigenista Vincent Carelli, que acaba de ganhar o Kikito de Ouro do festival de cinema de Granado, no Rio Grande do Sul.

Vincent Carelli tem feito de sua vida uma dedicação à causa indígena por meio de filmes e videos. Nos últimos 10 ou mais anos ele tem treinado muitos jovens indígenas em suas próprias aldeias na arte de filmar com capacidade etnográfica e jornalística.

Ainda não vi esse filme sobre o Massacre de Corumbiara. Sei que esse massacre aconteceu entre 1985-86, foi denunciado pelo indigenista Marcelo Santos, que foi à área e lá contatou os sobreviventes, mas nada foi feito a respeito. A direção da Funai não tomou providências. Estava-se criando então a Coordenação de Índios Isolados e deixar de lado essa questão foi um acerto entre as partes.

Os representantes do povo de Corumbiara são apenas nove e vivem buscando retomar sua vida com dignidade. Marcelo Santos e Vincent Carelli trabalharam juntos nesse filme por longos 20 anos. O Kikito é um prêmio ao esforço desses dois indigenistas.

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Índio quer respeito, se não der...
Rondônia // Vincent Carelli faz do documentário Corumbiara um grito de denúncia contra massacre ocorrido em 1995
Thiago Corrêa
Thiagocorrea.pe@diariosassociados.com.br


Gramado (RS) - A cerimônia de premiação da 37ª edição do Festival de Cinema de Gramado ainda estava para

Foto: Vincent Carelli/Divulgação
acontecer, mas o diretor Vincent Carelli já era um dos mais cumprimentados pelo documentário Corumbiara. O grito de denúncia do filme comoveu a plateia do evento, dando a ele uma expectativa na conquista de Kikitos que viriam a se confirmar com os prêmios de melhor filme, júri popular, estudantes de cinema, direção e montagem, este pelo trabalho de Mari Corrêa. Nesta entrevista ao Diario de Pernambuco, dada horas antes da cerimônia, Carelli explica como surgiu seu trabalho com as câmeras, relata suas experiências com os índios, interpreta algumas opções do filme, fala sobre a questão indígena no país e convida os envolvidos no massacre de Corumbiara a abrirem um processo contra ele.

Entrevista // Vincent Carelli

"Corumbiara não é etnográfico, é um filme político"

Como foi o início do seu trabalho com vídeo e essa relação com os índios?

O vídeo nasce de uma militância política. Em novembro completo 40 anos de indigenista. Minha fotografia já foi inspirada nesse trabalho com os índios, porque entrei em contato com eles aos 16 anos, e isso revolucionou minha vida. Já que tive esse privilégio, senti a necessidade de compartilhar. Depois fui procurado por um cineasta, o Andrea Tonacci, que fez Serras da desordem, para um projeto de usar o vídeo como elo entre os povos. Mas não vingou porque ainda era muito cedo, a tecnologia era difícil, cara. Quando saiu o VHS camcorder, comecei a revisitar os povos com quem já tinha trabalhado, com lideranças visionárias e projetos de resistência cultural, oferecendo minha câmera para seus projetos. Nessa trajetória, fiz uma série de vídeos que tratavam do videoprocesso das comunidades e serviram como meu braço de financiamento. Depois que comecei vi que, essa questão dos índios assumirem a produção, era um caminho já indicado em muitos lugares. Então começamos a implantar oficinas, de formação e captação de cineastas indígenas. Já estamos há 10 anos nessa linha.

Como é a relação dos índios com a própria imagem?

Tem uma série de tabus. A cultura é um processo dinâmico, o fascínio pela imagem é tão grande que esses tabus são revistos e reinterpretados. Nos oiampis, eles logo disseram que o perigoso era a imagem em preto e branco, mas colorido estava tudo bem. Eles aderem, esse jogo de espelho provoca uma revisão. Você sempre tem uma outra imagem de você, quando nos vemos, há o confronto com a autoimagem. Há um processo de ajuste, será que era assim que gostaria de me ver? Isso rebate, provoca reações, uma consciência do processo de mudança da cultura. Também reforça o discurso deles, estimulava essas comunidades a fazer um exercício de memória, de reencenar, atualizar seu rituais.

Corumbiara levou 20 anos para ser feito. Como foi o processo de edição, que envolveu horas de filmagem e diversas tecnologias?

Começamos pelo VHS, fomos parao super-VHS, passamos pelo high eight, Betacam, mini-DV. Em 2006 nem quis filmar em HD para não criar mais um problema. O Corumbiara acompanhou todo esse processo do Vídeo nas Aldeias, correndo por fora porque meu foco era a mídia com os índios. Minha perspectiva era justamente o contrário, queria fugir dessa visão miserabilista de que os índios estão acabando. Eu trabalhava no sentido da recuperação das coisas. O Corumbiara atravessou meu caminho, correu por fora, é outra linha, uma história arrasadora.

Corumbiara já surgiu como um filme? Quando você percebeu que esse material poderia se transformar em documentário?

Ele sempre foi pensado que, algum dia, daria um filme. Ao longo do processo, a imagem foi fundamental. A partir de 1995, quando fizemos o contato com esses índios e jogamos na televisão, no dia seguinte o juiz de Porto Velho assinou a interdição da área. A imagem serviu para resguardar os sobreviventes. Mesmo que não tivesse o filme, a filmagem cumpriu seu papel histórico. No ano seguinte, a gente descobriu que um fazendeiro, ao ver as imagens da televisão, decidiu acabar com o terceiro grupo de índios porque, se a gente descobrisse, ele iria perder uma parte da fazenda. Isso gerou outro massacre. A gente foi chegando tão perto das evidências, que cheguei a pensar que conseguiríamos pegar os caras. Mas não aconteceu, o caso nunca foi investigado. Eram horas de material, o filme ficou engavetado. Anos depois veio uma jornalista da Holanda escrever um livro sobre essa história e, de repente, veio me entrevistar. Fiquei emocionado ao lembrar. Então fiz a viagem de 2006 e parti para a edição.

Como tem sido a recepção ao filme?

Em geral, os gringos se interessam mais pelos índios do que os brasileiros. Mas nesse caso, o filme está sendo feito para o Brasil. Hoje percebo que pouco importa a impunidade. Contar essa história é mais importante, proporcionar esse testemunho, esse choque emocional. É um caso emblemático, raríssimas vezes se conseguiu documentar um massacre. Ficcionou-se, mas o documentário tem uma força além da ficção, porque é real, tem um impacto enorme sobre a plateia. Esse gesto de apertar o gatilho é o mesmo gesto do bandeirante caçando índio, uma atitude que se perpetua. O filme é uma reflexão para o Brasil sobre a dívida histórica com os índios.

Houve alguma reclamação por parte dos madeireiros e fazendeiros envolvidos?

Tive esse retorno recentemente quando voltei à área do índio do buraco, logo depois do filme passar no festival É tudo verdade. Quando o filho do fazendeiro percebeu que eu tinha feito o filme, começou a me xingar, quis me bater na hora. Todas as entrevistas foram consentidas, mas as imagens do fazendeiro que mandou atirar no índio do buraco foi uma câmera escondida. Em tese, ele poderia me processar, foi um risco que assumi. Acharia até bom, não só para o filme. Não acredito que ele tenha interesse em fazer isso, porque finalmente se abriria um processo judicial sobre o caso e teríamos que ir à questão do massacre. Eles devem estar uma arara com o filme, mas por enquanto está todo mundo quieto.

Por que a opção de assumir a narração em primeira pessoa, com comentários e reflexões?

O fim imaginado do filme era o julgamento e os caras indo para cadeia, mas não se concretizou. E também porque o filme é a história da minha vida, foram 20 anos, marcou minha vida. Só podia ser na primeira pessoa, não tinha como ser uma voz off. Em 2006, foi muito emocionante a maneira como eles nos trataram. Para mim, eles eram parte de minha vida e percebi que eu fazia parte da deles. Tem uma coisa de vivência, que acrescenta ao filme. Não foi um comentário de fora, foi uma das histórias mais emocionantes e tristes que já vivi.

O foco do filme é a questão fundiária, da reserva indígena, mas também tem a preocupação de registrar os rituais dos índios. Por que isso?

Primeiro quis transmitir a dificuldade de comunicação, foi algo muito doloroso estar ali e não conseguir falar com eles. Surgiu uma discussão aqui em Gramado de que esse filme era muito etnográfico e não deveria estar no festival.Corumbiara não é etnográfico, é um filme político. Claro, tem descrições, é importante você dar essa perspectiva de pessoas que vivem em outro mundo, dar profundidade a essa diferença. Acho que essa atitude de tentar enclausurar a questão indígena a antropólogos e especialistas, guardadas as devidas proporções, é a mesma atitude das autoridades que jogaram esse crime de genocídio para debaixo do tapete. A importância de trazer esse filme para Gramado é justamente de romper esse gueto e jogar ele para o público.
 
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