sexta-feira, 1 de maio de 2009

Índios isolados no Yahoo! Brasil, por Júlia Magalhães





Em sua quinta e última matéria para o Yahoo! Brasil, a jornalista Júlia Magalhães discorre sobre a questão dos índios isolados ou autônomos, como prefiro chamá-los.

É uma excelente matéria, completa e concisa, demonstrando a importância dos povos indígenas autônomos no cenário brasileiro e mundial. Há entrevista com o grande sertanista José Carlos Meirelles, sobre os índios autônomos do Acre e do Peru, bem como do chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funia, Elias Bígio.

Aproveitem o mapa dos índios autônomos do Brasil, ele foi feito quando eu era presidente da Funai e está também publicado na revista Brasil Indígena, número 4, neste Blog

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Vidas em risco

Por Júlia Magalhães, especial para o Yahoo! Brasil

Há um ano, em 28 de abril de 2008, uma equipe do governo federal liderada pelo sertanista da Fundação Nacional do Índio (Funai), José Carlos Meirelles, fotografou um grupo de índios isolados na região do rio Envira, Acre. Poucos meses depois, as imagens de homens nus e pintados apontando arco e flecha para o alto foram amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional com um só intuito: chamar a atenção da sociedade para a situação de alto risco em que se encontram esses grupos no Brasil.

Desde 2006, Meirelles vem alertando o governo sobre as pressões de madeireiros peruanos na fronteira com o Acre. Só no ano passado conseguiu mobilizar o Itamaraty. "Realizamos alguns encontros, mas o governo peruano não dá a atenção devida. Se aqui no Brasil, onde temos uma política indigenista e terras demarcadas, ainda é difícil proteger os índios isolados, imagine no Peru onde não há uma política clara. Para se ter ideia, só recentemente eles admitiram que havia povos isolados no país", conta.

O sertanista avisa que o problema está longe de ser resolvido. Povos peruanos continuam migrando para a área brasileira na tentativa de escapar da violência no outro lado da fronteira, o que pode gerar conflito com os grupos isolados brasileiros. Meirelles, que coordena a Frente de Proteção Etnoambiental do Envira, da Funai, revelou que um grupo de cerca de 26 famílias de índios peruanos Masko Piro foi visto às margens do rio Iaco em fevereiro deste ano. "Isto é inédito e preocupante. Os Masko Piro são nômades e costumam andar por ali em julho, mas nunca estiveram no mês de fevereiro. Isso pode significar que estão sofrendo algum tipo de ameaça", explica. Para ele, além da extração ilegal de madeira, há outro fator que pode piorar a situação: o garimpo de minérios na cabeceira do rio Envira.

Mapeamento do povos isolados

O Alto Envira foi uma das regiões mapeadas pela Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai como área de vulnerabilidade para os isolados, também chamados de autônomos. São 67 referências espalhadas pelo território nacional, inclusive em estados com alto índice de população urbana, como Maranhão e Goiás.

Iniciado em 2006, com mapa atualizado em 2007, o objetivo deste trabalho foi identificar todas as referências de isolados e as áreas de vulnerabilidade para traçar um plano de proteção. O levantamento reúne tanto povos que já foram identificados e são monitorados pelas Frentes de Proteção Etnoambiental, mas sem contato permanente com a sociedade envolvente, como indícios confirmados ou não de grupos que nunca estabeleceram contato com a Funai.

A Coordenação de Índios Isolados atua com seis Frentes de Proteção Etnoambiental - Envira (AC), Vale do Javari (AM), Purus (AM), Guaporé (RO), Madeirinha (MT) e Cuminapanema (PA) - e tem como estratégia evitar o contato com os autônomos.

"Diferentemente do trabalho realizado pela Funai até a década de 90, entendemos que a melhor estratégia para esses povos é evitar o contato e garantir a proteção das áreas onde estão localizados", explica o antropólogo Elias Bigio, coordenador geral de Índios Isolados do órgão.

Para Bigio, o maior desafio hoje é dar continuidade à regularização fundiária, que é o que garante a vida dos autônomos, e contar com uma equipe qualificada para a realização dessas ações. "Nos últimos anos, a Funai foi esvaziada e temos dificuldade de encontrar profissionais preparados para lidar com essa questão", diz.

Prova disso são os problemas enfrentados para estabelecer uma equipe multidisciplinada que possa atuar em caso de contato. "Não queremos fazer contato. Mas se os índios correrem risco de morte, por exemplo, essa é uma alternativa. Para isso, precisamos estar preparados e contar com uma equipe de saúde capaz de imunizar a população, evitando doenças", explica.

Ainda assim, o contato é o último recurso para a proteção dos autônomos e é assunto para ser debatido cuidadosamente. Em março de 2006, o então presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, assinou uma portaria que cria um comitê responsável por essa decisão. O grupo, que deve ser composto pelo presidente, pelo coordenador de Índios Isolados e por indigenistas da Funai, também deve contar com um indigenista sem vínculos com o órgão e um representante da Assossiação Brasileira de Antropologia (ABA). Nesses três anos, nenhuma situação iminente de contato exigiu a convocação do comitê.

Outras áreas vulneráveis

Os povos autônomos do Acre, apesar de sofrerem pressões vindas do Peru, contam com a perseverança e dedicação de Meirelles, paulista de Ribeirão Preto que está na Funai desde 1971 e no Acre há mais de vinte anos.

A Coordenação de Índios Isolados preocupa-se ainda mais com grupos que não estão dentro de terras indígenas, como é o caso dos Piripkura, Mato Grosso. São apenas dois indivíduos que mantêm contato esporádico com a Funai e vivem em uma das regiões mais violentas do Brasil. Outro grupo que está correndo risco de morte é o que vive na terra indígena Vale do Javari: além de madeireiros, são ameaçados pela pesca predatória.

Ainda há o problema dos autônomos afetados por obras do PAC. Bigio esclarece que os grupos isolados que serão impactados indiretamente pelas hidrelétricas Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, em Rondônia, estão assistidos pelo governo. "O plano de proteção aos isolados faz parte de uma condicionante para o licenciamento ambiental das obras. O projeto referente à hidrelétrica Santo Antonio foi apresentando para o Ibama e para os empreendedores em julho de 2008. Já o de Jirau, está sendo discutido nesta semana pelo Ibama."

Novos projetos

O sertanista Meirelles acredita que a conscientização da população que vive no entorno das áreas indígenas pode contribuir para a proteção dos povos autônomos. Por isso, batalhou por uma verba do governo que viabilizasse essa iniciativa no Alto Envira. Há pouco mais de um mês, ele recebeu a boa notícia de que havia conseguido cerca de R$ 650 mil reais, dos quais R$ 450 mil foram liberados por uma emenda parlamentar da senadora Marina Silva e o restante doado pelo governo acreano.

O projeto tem três vertentes. A primeira é a construção de mais um posto indígena da Funai que ajudará na fiscalização da terra indígena Riozinho do Alto Envira. A segunda é a realização de oficinas para toda a população que vive no entorno dessas áreas, inclusive para os índios contatados.

"Queremos saber a opinião dessas pessoas a respeito dos isolados para pensarmos juntos em soluções", explica Meirelles. Ele acredita no poder de mobilização e ainda fará um registro em vídeo de todas as oficinas, material que servirá de referência para outras áreas.

Garantir a proteção territorial e preparar as pessoas da região são ações essenciais para a integridade desses povos, propiciando condições para que se tornem agentes de seus destinos caso decidam contatar a população ao seu redor.

Um comentário:

guilherme disse...

A perseverança dos verdadeiros indigenistas salvam povos humanos que possuem modo de pensar e ser próprios, e língua e linguagem próprias, visões de mundo diferentes construidas durante milhares de anos andando e se relacionando com a natureza - são patrimônios da humanidade, importantes, do modo que são, para conhecermos a nos mesmos.

Os interesses da exploraçao capitalista invade as florestas e ameaça esses povos, é covardia da Petrobrás e das demais empresas, agride e expulsa esses povos de seus territórios, igualmente fizeram os europeus na idade média. Continuam ate hoje, século XXI, com apoio e financiamento dos grandes Bancos, sob as mesmas estratégias filosóficas - progresso e desenvolvimento.

Cada dia que passa há mais desigualdades, mais perseguições, mais violência. E menos distribuiçao de renda e menos direitos.

O sistema capitalista vomita seres humanos...para fora dos terrenos da dignidade.

 
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