domingo, 30 de novembro de 2008

Aldeia-favela em Campo Grande


Uma realidade que cada vez mais está presente em muitas cidades brasileiras é retratada nessa matéria abaixo.

Trata-se da urbanização de índios Terena, Kadiwéu e Guarani na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

O jornalista da MidiaMax trata com um misto de sensibilidade e preconceito a presença de mais uma aldeia nos arredores da cidade matogrossense. Chama-a de aldeião-favela, apresenta-a tendo uma população de 60 famílias e descreve a vida de algumas pessoas. Não dá mais detalhes sobre sua relação com as demais vilas ou bairros indígenas localizados em Campo Grande.

Precisamos de outras matérias de igual natureza para apresentar semelhantes realidades indígenas urbanas em cidades como Manaus, Belém, Altamira, Porto Velho, Cuiabá, Curitiba, etc.

Não há como fugir a essa realidade. Só esperamos que, como diz um velho entrevistado, permaneça o desejo na maioria dos índios de viverem em suas terras e na prática de suas culturas.

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Índios fogem da miséria em aldeia e montam favela

Osvaldo Júnior


Há cerca de dois anos e meio, a paisagem de uma pequena região, que ladeia o bairro Tarsila do Amaral e as matas do Segredo, em Campo Grande, começou a mudar: de terra e mato para um aglomerado de minúsculos barracos, feitos de materiais recolhidos de lixões. Esse lugar é, por ora, uma grande aldeia improvisada, que reune índios Terena (a maioria), Guarani, Kadiwéu e Kaiowá – são perto de 60 famílias, fugitivas de outra miséria, a que existia em suas tribos originais. Algumas dessas famílias vêem, ansiosas, casas de alvenaria brotarem do chão em um ritmo aquém de suas necessidades.

Esse aldeião-favela recebeu, há sete dias, o seu novo membro: o indiozinho Ailson. A casa dele, a exemplo das demais, é um barraco, construído com compensado, paus e lona. São restos de material de obras, tirados de lixos e convertidos em lar. A mãe de Ailson, Vitoriana Paulina, 35, é de poucas palavras. Mesmo assim, ela fala sobre algo que os olhos confirmam facilmente: a situação de pobreza extrema.

Feliz com a chegada do filho, Vitoriana faz questão de apresentá-lo. Também mostra sua casa. A beleza da criança contrasta com a pobreza do lugar. Feita de peça única, o barraco comporta uma cama de casal, uma velha geladeira, um antigo fogão, uma cama de solteiro, uma TV, posta sobre um caixote de madeira e um banco. A presença de outro móvel não é impossibilitada apenas pela falta de recurso, mas também pela ausência de espaço.

Vitoriana, índia Terena, calcula que deixou a aldeia, em Aquidauana, há seis meses. Segundo ela, o conselho para a mudança veio da sogra, que acreditava que a vida na cidade era melhor. Por enquanto, a melhoria não chegou. Com o dinheiro minguado, os bens básicos também se tornam escassos. Ao falar das dificuldades, ela lembra que, por vezes, até a comida some. A renda da família é conseguida pelo marido. “Ele trabalha na horta”, diz.

Da cana à verdura

A “horta”, mencionada por Vitoriana, é o local de trabalho de outros índios, como Márcio Gonçalves, 32. “Dá pra tirar de 120 a 150 por semana”, conta Márcio a respeito do ganho na horta – Vitoriana apresentara valor mais modesto, de R$ 50 a R$ 70.

Márcio mora com sua mulher, Luciana Dias Facuo, 23, em um barraco também construído com restos de obras. Uma cama de casal, uma geladeira e um fogão (todos velhos) formam a mobília. Antes, ele e a esposa moraram com a mãe e a irmã dele em outro barraco nas mesmas condições.

Eles deixaram uma tribo Terena, em Aquidauana, há quase dois anos. Márcio conta que trabalhava em usinas da região. O serviço era de empreita – as usinas contratavam os índios por um período de dois meses para cortar cana. A contratação temporária evitava vínculos empregatícios e dispêndios trabalhistas às usinas.

O trabalho árduo não era remunerado à altura – desproporção que pesou na decisão de Márcio de se mudar, com a família, para Campo Grande. Apenas o pai preferiu continuar na tribo. “Sempre que dá, eu vou lá”, conta o índio, salientando sentir saudade. “É porque...” – faz uma pausa, pensa e conclui – “...lá é diferente”. As diferenças, no entanto, não se estendem à renda – nos dois lugares, o dinheiro é curto. “Ah, dá pra gente comer, mas pra muita coisa não dá não”, contabiliza.

Saúde e educação

“Quando chove com vento forte, eu morro de medo”, diz a jovem avó, Rute Pereira, 35. O barraco, maior que a média (mas pequeno para a quantidade de pessoas na família), é dividido em três peças: quarto, cozinha e varanda. “Quase tudo foi feito com material do lixão”, detalha a índia. Ela lembra que, certa vez, sua casa ficou tomada pela água da chuva – as muitas frestas tornam inevitável a entrada da água. As telhas, único material que não foi trazido do lixão, impediram um estrago maior.

Rute se tornou mãe muito jovem (com 17 anos). Ela tem sete filhos e um neto, de um ano e cinco meses. A criança nasceu da filha mais velha, que tem 18 anos. Com Rute, moram o marido e cinco filhos. Eles vivem com cerca de dois salários mínimos, oriundos de duas atividades: a de pedreiro, exercida pelo marido, e a de feirante, praticada pelo casal.

Na opinião da Rute, que é Terena como Vitoriana e Márcio, a maior dificuldade é relativa à saúde. “Aqui precisa de um posto de saúde”, reclama. O posto mais perto fica a 50 minutos de caminhada. Em se tratando de unidade de 24 horas, a distância é muito maior. “O mais próximo é no [bairro] Nova Bahia. Um dia, minha mãe precisou ir lá e quando voltou já era de madrugada”, lembra-se. Em sua lista de ausências, também consta uma creche e uma escola.

Urbanização

A área com os barracos é a parte ainda não-contemplada com casas populares, construídas pela Prefeitura Municipal de Campo Grande. Trata-se de uma “favela indígena”. Os banheiros ficam do lado de fora. O lugar conta com fornecimento de água, mas a luz é “emprestada” da rede que serve as casas já prontas.
Alessandra Carvalho

Nos quintais de alguns barracos, as casas – com três pequenas peças – estão com o alicerce e o contra-piso findados. Ao lado dessa área, estão casas em fases terminais e, pouco adiante, as já encerradas. Conforme as lideranças locais, a transformação da favela em uma aldeia urbana também é fruto da persistência dos índios em evitar o despejo da área invadida.

O lugar é uma aldeia urbana em gestação e avizinha outra aldeia, a Água Bonita, edificada pelo governo estadual. De acordo com o cacique Adilson Joaquim, essa já é a quarta aldeia urbana de Campo Grande. Expansão de moradias que pode ser vista como aceleração da urbanização do índio. Entretanto, há os que estão decididos a permanecerem aldeados ou que querem voltar para as aldeias de origem. “O meu pai é um deles”, exemplifica o cacique da Água Bonita, Dionedson Cândido, que não acredita na urbanização completa dos índios.

Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 4


Ainda lembrando a obra de Claude Lévi-Strauss, o aluno Philipe Costa discorreu com eficiência sobre as perguntas que lhe foram feitas na avaliação dos livros O Pensamento Selvagem e Totemismo Hoje.

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Philipe Roberto Asevedo Costa
Antropologia III
Professor Mércio Pereira Gomes,
Universidade Federal Fluminense

1-Porque, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega a conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são “bons para pensar” e não, como achava Malinowski, “bons para comer” ?


De forma incansável, Lévi Strauss em seu livro Totemismo Hoje, nos apresenta as teses correntes sobre o totemismo para ir contestando-as uma a uma com o rigor da sua argumentação.

No capítulo III, Teorias funcionalistas do totemismo, Lévi-Strauss nos apresenta na primeira parte o pensamento de Malinowski sobre o totemismo, que por sua vez se encontra reduzido a três questões de fácil resposta, segundo Malinowski. A primeira delas é relativa a presente questão: “Porque o totemismo utiliza animais e plantas ?”, e a resposta de Malinowski, nas palavras de Lévi-Strauss é “porque estes dão ao homem o seu alimento e porque a necessidade de alimento ocupa o primeiro lugar na consciência do primitivo, despertando emoções intensas e variadas” (STRAUSS, Totemismo Hoje p.139).

Respondendo Malinowski, e considerando ao longo de sua explanação outros autores e seus pensamentos (Radcliff-Brow, Úrsula McConnel, Spenceer e Gillen, Firth, Freud e Durkheim) põe em cheque a resposta dada para o totemismo por Malinowski, principalmente porque este defende que o totemismo não é um fenômeno cultural, mais um “resultado natural de condições naturais”, surgindo da biologia e da psicologia e não da etnologia (idem, p.140); assim como sua “procura da utilidade “a todo custo” se choca contra estes inúmeros casos em que os animais ou plantas totêmicas não oferecem nenhuma utilidade” sendo que “ o próprio Malinowski é incapaz de permanecer fiel ao axioma (que, contudo, fundamenta seu sistema) reduzindo as espécies totêmicas a espécies úteis e, acima de tudo comestíveis ...” (idem, p.144).

Defendendo os empreendimentos práticos da antropologia, concebida por Lévi-Strauss como uma ciência que nada mais faz que “verificar uma homologia de estrutura entre o pensamento humano em exercício e o objeto humano ao qual se aplica” (idem, p.167), argumenta que, bem diferente do caminho seguido por Malinowski, porém muito aproximado por Radcliff-Brow, “o totemismo se reduz assim a um modo particular de formular um problema geral: fazer com que a oposição, em lugar de ser um obstáculo a integração, sirva antes para produzi-la” (idem, p.165). Lévi-Strauss com isto quer dizer, a partir do exemplo da divisão “falcão-gralha” das tribos do rio Darling, que esta se apresenta como modelo da aplicação de um principio estrutural, ou seja, união de termos opostos. Uma nomenclatura especial, formada em termos de animais e vegetais, exprimem basicamente correlações e oposições. Estas correlações e oposições, como demonstra, podem ser postuladas de formas diferentes tal como céu-terra, e é a união destes termos que em uma “resulta uma totalidade organizada”.

É a partir deste momento que concluí que as espécies naturais não são escolhidas por serem “boas para comer”, e sim por serem “boas para pensar”, uma vez que a realidade sensível dos animais do totemismo, demonstram relações e noções “concebidas pelo pensamento especulativo a partir dos dados da observação”. Em seu livro, Pensamento Selvagem, desenvolve mais esta questão, em termos da Ciência do Concreto, da qual partilham as sociedades primeiras.


2-Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.

A semelhança que considero mais significativa no pensamento de Lévi-Strauss, em seu livro Pensamento Selvagem, entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato, é que tanto o pensamento selvagem (ciência do concreto) como o nosso (ciência do abstrato) são lógicos. A aparente confusão e espontaneidade, no pensamento concreto, nada possui de verdadeiro.

Sendo assim, o selvagem não está exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas e econômicas; este, pois, elabora um conhecimento sobre as espécies animais e vegetais, o que as torna úteis e interessantes porque são conhecidas e não o contrário. É neste ponto que a crítica ao pensamento funcionalista, naturalista, afetivo e utilitário de Malinowski se dá com excelência, pois demonstra que a lógica do pensamento selvagem é uma espécie de “bricolage intelectual”, onde elementos díspares e sem relação são unidos para formar um todo coerente. Desta maneira, é através do agrupamento de coisas e seres que os primitivos introduzem um principio de ordem no universo.

Discorrendo sobre a ciência do concreto Lévi-Strauss a relaciona a atividade do bricoleur, e sobre a ciência do abstrato relaciona-se a atividade do engenheiro (físico, cientista). Assim, Lévi-Strauss introduz dois elementos fundamentais que separam uma ciência da outra; enquanto o bricoleur trabalha com um instrumental fechado, matérias-primas bastante heteróclitas, o engenheiro trabalha com matérias-primas e instrumentos que deve buscar de acordo com seu projeto. Disto resulta, em sua analogia, que o engenheiro (ciência do abstrato) se situa além, está para o conceito (capacidade ilimitada); assim como o bricoleur (ciência do abstrato) se situa aquém, e está para o signo (capacidade limitada). Isto equivale dizer que o pensamento selvagem, expresso, por exemplo, nos mitos, está para metonímia da mesma forma que o pensamento cientifico está para metáfora.

Discorrendo sobre a arte, Lévi-Strauss a situa a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico. O artista encerra o duplo sentido de possuir algo do cientista e do bricoleur. Neste momento que duas outras características que opõem a ciência do concreto e a ciência do abstrato se apresentam, pois enquanto o bricoleur cria fatos, pretendendo mudar o mundo através de estruturas, o cientista cria estruturas através de fatos (Lévi-Strauss adverte a inexatidão desta última informação, porém a análise que precede esclarece a questão). Assim, a ciência do concreto estaria para a contigência, sempre se reorganizando a partir dos seus elementos dados, limitados. Já a ciência do abstrato está a busca de estruturas, realizando uma necessidade da razão:

Compreende-se, assim, que o pensamento mítico ... já possa ser generalizado e, portanto, científico; ele trabalha também por analogias e aproximações, mesmo que, como no caso do bricolage, suas criações se reduzam sempre a um arranjo novo de elementos cuja natureza só é modificada à medida que figurem no conjunto instrumental ou na disposição final” (STRAUSS, O Pensamento Selvagem, p.36).


3-Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos da história e estrutura.

Difícil de compreender a resposta dada por Lévi-Strauss ao livro de Sartre Crítica a Razão Dialética. Porém um elemento se evidencia claramente, o papel da história que tanto Sartre enfatiza.

A história se opõe ao pensamento estruturalista desde o momento em que a prática historiográfica universaliza, unifica e totaliza os fatos de forma que, nas palavras de Lévi-Strauss: “mesmo uma história que se diz universal ainda não é mais que uma justaposição de algumas histórias locais, dentro das quais (e entre as quais) os vazios são muito mais numerosos que os espaços cheios” (STRAUSS, idem, p.285). Parece que o antropólogo afere valor de arbitrariedade a história, pois a narrativa que a história apresenta, através de uma espécie de sucessão de datas a fim de criar uma ordem, por mais complexa que fosse o estudo não seria capaz de cria significação. Esta significação e a possibilidade da história se tornam possíveis uma vez que para um grupo de indivíduos, em dado período, um subconjunto de fatos (e atente ai já a critica a parcialidade) a mesma significação para um outro grupo de indivíduos que não viveram estes fatos. Por este motivo sua crítica se faz pertinentemente ácida ao declarar que “a história nunca é a história mas a história-para”, e do mesmo modo se uma história fosse total ela se neutralizaria a si própria onde seu produto seria igual a zero.

O pensamento estruturalista não poderia produzir uma crítica de outra forma, uma vez que abandona a busca da origem e se ocupa em decodificar as estruturas implícitas aos fenômenos, estando dentro de um sistema a ser explanado e demonstrar seus modelos. Desta maneira, a história seria entendida como mudanças no arranjo dos modelos originando uma nova combinação dentro de um mesmo sistema. A história para o etnólogo e para o pensamento estruturalista é, portanto, descontinua, e pelo fato do pensamento sartriano privilegiar exclusivamente a história e o pensamento dialético ao qual originaria o processo histórico é que Lévi-Strauss remete tão incisivamente sua crítica não somente a história como a dialética. Sua crítica se entrelaça a crítica ao humanismo e ao sujeito, que com o desenrolar do pensamento estruturalista aparecerão de forma mais demarcada, restando somente estruturas reduzidas a combinações binárias.

Em defesa da lógica analítica, apresentada por Sartre como falsa, Lévi-Strauss demonstra categoricamente que Sartre ao discorrer na Critica a Razão Dialética, utiliza a dialética analítica. Segundo a visão sartriana, a dialética possui uma realidade sui generis existindo independentemente da razão analítica. De acordo com o pensamento marxista, a oposição entre as duas razões é relativa e não absoluta, e como a reflexão de Lévi-Strauss parte da marxista, ele nos esclarece sua posição afirmando que a razão dialética é como uma passarela infinitamente prolongada e melhorada que a razão analítica lança sobre um abismo e não chega a outra borda, mesmo sabendo que esta existe. Desta maneira, a magia volta-se contra o feiticeiro, e Lévi-Strauss afirma que o termo razão dialética encobre os contínuos esforços que a razão analítica deve fazer para reformar-se, a fim de abarcar a linguagem, a sociedade e o pensamento.

A crítica a história, de acordo como apresenta Sartre, segue como um prolongamento da crítica a razão dialética uma vez que se definiu o homem pela dialética e a dialética pela história; e então o que fazer com os povos “sem história”, uma vez que seguindo a lógica do pensamento exposto, estes então nem seriam homens? E é por ai que pretende Sartre, ao separar as duas dialéticas, a “verdadeira”, razão dialética das sociedades históricas, e a dialética repetitiva de curto prazo, as das sociedades primitivas, o que as aproxima muito a biologia. Ora, reaproximar as sociedades primitivas a biologia é negar todo o esforço empreendido pela etnologia ao longo de décadas, assim como ir contra todo o estudo do Pensamento Selvagem ! Cabe atentar que Lévi-Strauss não recusa a validade da história.


4-Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica ?

Ao que me parece ser, a Antropologia Social suplantou em seu programa a história e a filosofia durante o período em que Lévi-Strauss esteve a frente do Collége de France .

Dentro da comunidade científica, os ecos da ambição da ciência antropológica não poderiam ter outros resultados. Lévi-Strauss considera o etnólogo como um primeiro patamar a ser vencido, uma vez que a proposta é chegar a elaboração de uma síntese final onde o homem fosse entendido, desde sua fase hominídea aos tempos modernos, em sua totalidade. O antropólogo afirma ser a etnologia o único projeto científico que pode passar do singular para o geral, do consciente para o inconsciente.

Tratando de um universo de objetos muito diversos, tal como o mito, a arte, a linguagem, parentesco e magia, a etnologia estruturalista enuncia uma ambição a hegemonia no campo do saber que pretende abarcar o estudo sobre o homem e as sociedades buscando uma unidade estrutural que possa explicar todas as variantes do mesmo fenômeno independentemente da sociedade e do tempo em que ela tenha se encontrado. Desta forma, Lévi-Strauss define a antropologia como “teoria geral das relações”. Ao trabalhar sobre as relações, escapa-se ao que por ele foi considerado o obstáculo da antropologia: a tipologia e a classificação tipológica.

O estudo da antropologia social não separa a cultura material da espiritual, e reconhece que é no cérebro, no neurônio, que se encontra a chave para compreende o que engendra o universo simbólico; ela engloba tudo e visa alcançar a estrutura dos fenômenos. Assim a ambição do programa da antropologia era uma mudança geral nas ciências humanas, que por sua vez deveriam inspirar-se nas ciências da natureza até se identificarem com elas, ou seja:


“... fazer prevalecer uma modelização quase mecânica no âmbito de um resfriamento da temporalidade e de uma significância que escapa ao indivíduo e se constrói a partir de um tempo lógico sem que ele [o homem] se aperceba disto ” (DOSSE, História do Estruturalismo, p.217).


5- Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?

Lévi-Strauss, através da tensão entre natureza e cultura, culmina na pretensão em ter acesso as “leis intangíveis da natureza neuronal do cérebro humano”. Renegando a história e o sujeito, o que ficam são somente estruturas; um binarismo presente no cérebro e na estrutura nervosa do ser humano que reproduz a natureza do funcionamento do corpo humano, sendo o denominador comum que contém uma espécie de código que fazem coincidir entre si as mais diversas experiências humanas.
Chega-se então a uma estrutura vazia, não possui nenhuma mensagem, a não ser que deve morrer. Ela é. “Esse gigantesco esforço chegou, portanto, ao seu fútil limite; ele desemboca nessa NADA, que é a última palavra colocada, não por acaso, ao termo desse suntuoso ‘finale’” (Lévi Strauss, apud DOSSE, História do Estruturalismo, p.297).

Entendo que o próprio movimento estruturalista foi significativo para o desenvolvimento das bases críticas, que com o percurso da pós-modernidade, vieram a questionar o próprio estruturalismo. Um profundo pessimismo, uma crítica relativista avassaladora está em concomitância com a crise dos discursos de legitimação. O que se tem é uma vontade de desconstrução de tudo que se apresenta como totalizante e globalizante, colocando-se até a noção de realidade em duvida, apos já se ter dissolvido o sujeito, e retirado o homem da história. O saber torna-se então uma questão de poder, deslocando-se para uma crise das grandes narrativas. O que importa agora é a proliferação dos múltiplos discursos, da pluralidade.

O estruturalismo então se apresenta, em última instância, como “causalismos e determinismos simplicistas”, dissolvendo a si mesmo perante o real. No processo da pós-modernidade que desencadeará esta mudança de paradigma, Heidegger influenciou toda uma geração, impregnado e potencializando o pensamento Nietzschiano. Desta maneira desconstrutiva, a-histórica, do não ser, sem o sujeito, anti humanista e iluminista, ao meu ver não poderia propiciar outra coisa senão um desencantamento profundo do mundo, uma espécie de campo devassado infinito, que por não conter nada além dele próprio, permite a possibilidade do florescimento de qualquer todo considerado em sua multiplicidade de fenômenos; a própria pós-modernidade relativista. É Jacques Derrida quem, mesmo participando da orientação geral do estruturalismo, elaborará uma crítica a Lévi-Strauss, Foucault e Lacan, o que o diferencia do estruturalismo, contribuindo para seu desmoronamento conjuntamente com Deleuze e Guatarri.

Bibliografia

STRAUSS, Claude Lévi. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Papirus, 1989
STRAUSS, Claude Lévi. Totemismo Hoje in Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980
DOSSE, François. História do Estruturalismo Vol. I

sábado, 29 de novembro de 2008

Drops indigenistas -- 4


De volta ao Rio de Janeiro, após passar três dias em Brasília conversando com colegas e amigos índios e não índios.

Na quinta-feira à noite estive no lançamento da Fundação Francisco Meirelles, que homenageia Francisco e seu filho Apoena Meirelles, uma das duas principais linhagens de indigenistras brasileiros, sendo a outra a dos irmãos Villas-Boas.

A Fundação Meirelles foi criada pela família e visa ajudar os povos indígenas, através de suas legítimas lideranças, a serem os protagonistas do seu destino. A grande novidade nessa fundação é que, por assim dizer, ela pretende passar a bola do indigenismo para os próprios povos indígenas. É como se estivesse querendo dizer: agora, lideranças indígenas, vocês não precisam mais dos brancos para fazer a mediação entre seus povos e o mundo dos brancos. Vocês já têm muitas lideranças capazes, agora é fortalecer esse sentimento perante o mundo. A Fundação está disposta a ajudar lideranças a tomar o destino de suas vidas pelas mãos. É uma atitude corajosa e inovadora, que vai muito além do sentimento e do propósito das Ongs indigenistas neoliberais da atualidade.

Estavam presentes na efeméride diversos funcionários da FUNAI, entre eles Neide Siqueira, José Maria, João Gilberto e Luzia, mas ninguém da direção do órgão teve a dignidade de prestigiar o acontecimento. Índios Xavante e Terena fizeram as honras do Memorial dos Povos Indígenas, à frente o diplomata indígena Marcos Terena. Da família estavam presentes a filha de Francisco e irmã de Apoena, Lídice Meirelles, que vai dirigir a Fundação, a filha de Apoena, Tainá Meirelles, e os netos de Francisco, Hugo Meirelles e Peter.

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Nesta sexta-feira uma assembléia de duas centenas de índios presentes deliberou pelo apoio ao ministro José Gomes Temporão em transferir a saúde indígena da Funasa para a futura secretaria especial de fomento à saúde do ministério. A principal alegação é de que a Funasa é um antro de corrupção, desvio de dinheiro e desleixo. O próprio ministro já tinha falado sobre isso.

Não sei o quanto essa assembléia é representativa, já que não foi uma convocação geral. Vieram os índios que obtiveram recursos das Ongs para protestar pela saúde. Mas também havia daqueles que vieram pela Funasa por pertencerem aos conselhos distritais e Ongs que têm contrato com o órgão.

Quer dizer, difícil de dizer o quanto o ministro Temporão pode se gabar de apoios para isso ou aquilo. De todo modo, a discussão entre os índios presentes foi muito veemente.

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Mas não é só de escândalos da saúde indígena que comove os índios. A revista Isto é lança hoje uma nota dizendo que 300 índios Pareci estão descendo de suas terras em Mato Grosso rumo a Brasília onde pretendem tomar a Funai e destituir o seu presidente.

Os Pareci vêm há tempos tentando uma audiência com a direção do órgão para rediscutir a questão do posto de pedágio que têm em uma estrada que atravessa uma de suas terras já demarcadas e homologadas. Essa estrada cortava caminho para os fazendeiros atravessarem com seus caminhões. Daí os Pareci terem instaurado um pedágio que funcionava a contento de todos. Agora que a estrada está para ser asfaltada, os Pareci querem a continuação do pedágio. Podem até diminuir o valor desse pedágio já que o trânsito vai ser intensificado. Porém a atual direção da Funai não está dando a mínima para esse diálogo com os Pareci e a coisa foi piorando.

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Também circulou em Brasília a notícia da união dos Xavante com os Kayapó para mudarem o panorama da FUNAI. A insatisfação entre índios e indigenistas com a FUNAI está alcançando limites de inaceitabilidade. O órgão está às favas, perdendo sua capacidade de se indignar, enquanto a gestão atual segue inabalada seu trajeto de incosistências.

Se essa união acontece, a coisa fica poderosa. Isto quer dizer que os índios querem mudança e já!

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No Rio Grande do Sul, na Terra Indígena Cacique Doble, uma das mais tradicionais daquele estado, pertencente ao povo Kaingang, o MPF logrou um acordo entre os índios que vai permitir uma espécie de reforma agrária indígena. É que esta terra indígena, com pouco mais de 4.000 hectares, há anos vinha sendo controlada por algumas poucas famílias Kaingang que chegavam até a arrendar seus grandes lotes para brancos. Grandes lotes em linguagem relativa, é claro, pois não passavam de 150 a 200 hectares os maiores. As demais famílias ficavam a ver navios, miseráveis e sem condições de sustentar a si próprias.

Pois bem, o MPF interviu, seguindo o exemplo do que eu, quando presidente da FUNAI, e minha equipe, havíamos feito na Terra Indígena Ligeiro, no mesmo estado. Intervimos, proibimos o arrendamento, e fizemos a redistribuição das terras para todas as famílias. No começo deu um trabalho imenso e precisou da presença da Polícia Militar do estado para resguardar a segurança da FUNAI e dos próprios índios. Depois, a comunidade viu que os resultados eram positivos, por democráticos e equânimes.

Esse exemplo deve ser seguido em outras partes do sul do Brasil e também no Mato Grosso do Sul, onde algumas pequenas terras indígenas têm lotes de terras arrendados para brancos.

Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 3

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Departamento de Antropologia
Disciplina: Antropologia III
Curso: Ciências Sociais
Prof.: Mércio P. Gomes
Aluna: Lorena Francisco de Carvalho

1 - Por que, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega à conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são "bons para pensar" e não, como achava Malinowski, "bons para comer"?

R.: Lévi-Strauss diz ser errada a interpretação de Malinowski, pois acredita que para os indígenas, os animais e plantas referidos em sistemas totêmicos encerram em si uma infinitude de características e significados que fazem pensar à medida que caracterizam uma série de fatores que podem ser úteis para a sobrevivência ou como simbolismo. Ao contrário do que se pensava, os “primitivos” também possuíam uma ânsia pelo conhecimento objetivo e sabiam portanto, reconhecer as menores diferenças entre as espécies de um mesmo gênero. Ultrapassando o contexto alimentício, as faculdades aguçadas dos indígenas permitiam a eles percorrer um universo de significação e fazia notar até mesmo as mudanças mais sutis dos fenômenos naturais, como o vento, a luz e o tempo. A familiaridade com a fauna e a flora era imprescindível, o nativo é completamente integrado com seu meio ambiente, sobretudo porque conhecer aquilo que o cerca é útil e necessário para sua subsistência, não apenas para alimentar-se, mas também para socorrê-los, pelas propriedades medicinais contidas nas plantas. A extrema familiaridade com o meio biológico, a atenção que lhe dedicam, as atitudes e preocupações, é que diferenciam os indígenas dos “brancos” por seu intenso interesse de conhecer aquilo que o cerca. Por ser um povo cultivador, as plantas são tão importantes quanto os seres humanos, e nisso insere-se também o aspecto do totemismo, onde muitas vezes há a conexão de uma espécie animal ou vegetal, ou de um objeto inanimado, onde existe a crença numa relação de parentesco entre os membros do grupo e o animal, planta ou objeto e por respeito a esses, manifesta-se tipicamente uma interdição de comer o animal, planta o deixar de utilizar o objeto, retificando assim, a importância de conhecer os símbolos que os cerca, a fim de buscar novas alternativas. Como afirma Lévi-Strauss: “(...) as espécies não são conhecidas porque são úteis, mas primeiramente são consideradas úteis ou interessantes porque são conhecidas. (...) Ela corresponde a exigências intelectuais ao invés de satisfazer as necessidades.” Assim, os indígenas foram ensinados a prestar atenção a tudo o que vêem “o mundo animal e o mundo vegetal não são utilizados apenas porque existem, mas porque propõem ao homem um método de pensamento.” Ele forma um sistema, onde se dá a relação do homem com a natureza, num nível mais profundo do que um simples mecanismo de identidade.


2. Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.

R.: No livro, O Pensamento Selvagem, Lévi-Strauss mostrou que a maneira de pensar dos primitivos também tem sua lógica própria e que ela não é estranha ao pensamento domesticado ocidental. A distinção maior é entre a lógica construída a partir dos dados sensoriais da experiência, uma ciência do concreto, e a lógica que privilegia categorias abstratas, como sinais matemáticos e classificações biológicas. Logo, do lado "selvagem", há uma atenção maior ao específico. Do lado "domesticado", buscam-se as totalidades, os grandes esquemas explicativos e o segundo modo prevaleceu na civilização ocidental, mas mesmo nela só é empregado por uma minoria de especialistas, cada um em seu campo de atuação, como exemplo, o autor cita o engenheiro, que só pensa como tal no domínio da engenharia, e em outros termos, seu modo de pensar pode ser considerado "selvagem". Portanto, o pensamento "selvagem" não é restrito aos povos primitivos, ainda que entre eles seja dominante. Assim, o que era antes visto como "atraso" ou "vestígio" passou a ser entendido como um dos modos possíveis de o homem organizar sua relação com o mundo. Já o pensamento científico trabalha com teorias e conceitos, que servem de mediadores entre o ser humano e o mundo. Logo, uma das diferenças entre Magia e Ciência, é que uma postula um determinismo global e integral, enquanto a outra opera distinguindo níveis dos quais apenas alguns admitem formas de determinismo tidas como inaplicáveis a outros níveis, contudo as duas ciências necessitam de organização e em lugar de opor magia e ciência, é preferível colocá-las em paralelo, como dois modos de conhecimento desiguais quanto aos resultados teóricos e práticos. Ambas supõem operações mentais que diferem menos na natureza que na função dos tipos de fenômeno aos quais são aplicadas. Todo e qualquer conhecimento deve ser válido mesmo sem base na razão, pois pode servir por muito tempo, como uma operação teórica. A ciência do concreto deve manter sua validade, pois ela sempre foi o substrato de nossa civilização e tanto o concreto quanto o abstrato pode produzir transformações e trabalham através de analogias e aproximações. “O pensamento mítico elabora estruturas organizando os fatos, ao passo que a ciência, a partir de sua própria instauração, cria seus meios e seus resultados sob a forma de fatos, graças às estruturas que fabrica sem cessar que são suas hipóteses e teorias”.

3. Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos de história e estrutura.

R.: Lévi-Strauss contesta duramente a Crítica da Razão Dialética, do filósofo Jean-Paul Sartre, contesta o privilégio concedido por Sartre à história, em detrimento das outras ciências sociais. E nega, sobretudo a idéia de que o desenvolvimento da consciência histórica seria um critério válido para distinguir os "primitivos" dos "civilizados". A própria noção de "fato histórico", para o antropólogo, é falsa: a história só é percebida "em situação", enquanto processo vivido e o fato histórico, portanto, é uma abstração criada pelo historiador e nunca independente do seu ponto de vista. Por isso, a história não pode pretender alcançar uma verdade objetiva como queriam os positivistas e os marxistas. Segundo Lévi-Strauss, a história nada mais é senão uma relação de eventos, condenada à ideografia, então ele ataca a maneira como Sartre a arvora em perspectiva unificadora, totalizadora, pois segundo ele, no sistema de Sartre, a história desempenha o papel de um mito. Segundo Lévi-Strauss, na lógica de Sartre, razão analítica e razão dialética chegam a um mesmo resultado, contudo, segundo Sartre, a razão dialética existe independentemente da razão analítica, pois Sartre chama razão analítica à razão preguiçosa e a razão dialética, “os esforços que a razão analítica deve fazer para se reformar, se pretende da conta da sociedade, da linguagem e do pensamento”. Segundo Sartre: A razão dialética não pode dar conta de si mesma, nem a razão analítica, pois “a Razão dialética não é razão constituinte, nem razão constituída, mas sim a Razão constituindo-se no mundo e por ele dissolvendo nela todas as Razões constituídas para constituir novas Razões que, por sua vez, ela supera e dissolve. Portanto, é um tipo de racionalidade e, ao mesmo tempo, a superação de todos os tipos racionais”. Logo, a defesa sartriana da superioridade da razão dialética sobre a razão analítica deriva da necessidade de "acompanhar o movimento graças ao qual as ciências sociais acabaram por atingir sua autonomia metodológica". Pela visão de Lévi-Strauss, a razão dialética não é outra coisa senão a razão analítica e aquilo sobre o que se fundaria a originalidade absoluta de uma ordem humana, mas alguma coisa a mais na razão analítica: sua condição requerida para que ouse empreender a resolução do humano e do não-humano.

4. Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica.

R.: “O estruturalismo constituiu-se em reação contra o atomismo e em torno da psicologia da forma”. Com o estruturalismo passa-se a entender a totalidade dos fenômenos sociais como linguagem, visto que toda estrutura supõe uma construção. A antropologia estrutural postulava uma descontinuidade entre natureza e cultura, assim, o programa estruturalista aspirava descobrir as bases e as leis do grupo estudado. Ao colocar a antropologia no campo da cultura, segundo Lévi-Strauss, a antropologia estruturalista poderia desenvolver-se sem fronteiras, estendendo suas considerações ao conjunto do gênero humano fazendo entender dessa maneira a tipologia e a classificação tipológica, o que por muito tempo escapou à antropologia.

Era objetivo da antropologia estrutural, rechaçar toda e qualquer forma de substancialismo e de causalismo em proveito da noção de arbitrário, como também excluir o sujeito, assim, “o homem não pode fazer outra coisa senão constatar a sua importância, a sua inanidade em face dos mecanismos que ele vai em ultima instância tornar inteligíveis, mas sobre os quais não tem poder algum”. A generalidade do programa de Lévi-Strauss exprimia-se sobretudo na dupla preocupação de em proveito da natureza simbólica do seu objeto, não se deixar desligar do social, das realidades. Através das modificações de estrutura no nível biológico, buscava-se a emergência da cultura. De um modo geral, o estruturalismo procurava explorar as inter-relações (as "estruturas") através das quais o significado é produzido dentro de uma cultura. Logo, é a partir da negação da historicidade, da busca das origens, que o paradigma estruturalista viria a se desenvolver.


5. Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós- modernas?

R.: O estruturalismo tem sido substituído por abordagens como o pós-estruturalismo e desconstrutivismo, sobretudo porque tem sido freqüentemente criticado por ser não-histórico e por favorecer forças estruturais determinísticas em detrimento à habilidade de pessoas individuais de atuar. O Período de turbulência se encontra entre os anos 60 e 70 e a partir do final do século, o estruturalismo já era visto historicamente como uma importante escola de pensamento, mas eram os movimentos que ele gerou, e não o próprio estruturalismo, que detinham a atenção. Assim, o pós-estruturalismo instaura uma teoria da desconstrução na análise literária, liberando o texto para uma pluralidade de sentidos. A realidade era então considerada como uma construção social e subjetiva. A abordagem é mais aberta no que diz respeito à diversidade de métodos. Em contraste com o estruturalismo, que afirma a independência e superioridade do significante em relação ao significado, os pós-estruturalistas vêem o significante e o significado como inseparáveis. Na antropologia, a corrente pós-estruturalista abandona o próprio conceito de estrutura, por se parecer com uma espécie de "teologia" das sociedades: uma instância imaterial e superior que determina os destinos humanos. Também era criticada a propensão do estruturalismo para as generalizações, em detrimento do conhecimento das especificidades. O estruturalismo passou do campo do pensamento "domesticado" e científico direto para o seu oposto porque, como explicou o autor em sua obra de 1962, “as artes formam na civilização ocidental uma espécie de reserva ecológica do pensamento selvagem”. Assim, o século XX foi apontado como o século das rupturas, que introduziu um pessimismo profundo em relação à história e o estruturalismo era apontado pelos pós-modernos não como um método novo, mas como a consciência desperta e inquieta do saber moderno. “O estruturalismo viu-se na situação de responder a uma demanda social de uma determinada conjetura histórica em que o deslocamento do olhar para a figura do selvagem já não significava a resposta a uma necessidade do exotismo, mas a busca desesperada da verdade do homem num universo onde o futuro se encontrava excluído”.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Drops Indigenistas -- 3

Em Brasília, observando o panorama político e indigenista da cidade.

Estou espantado com o nível dos comentários dos indigenistas e indígenas com quem conversei sobre a situação indígena brasileira.

Unanimemente, todos falam que a FUNAI está entregue à sua própria sorte. A atual direção desistiu do plano de carreira, não há previsão orçamentária para o concurso público do agente indigenista, e nem ao menos se pretende que a FUNAI esteja na vanguarda da defesa dos direitos indígenas. Há uma total falta de relacionamento entre a direção do órgão e os funcionários. E os índios mal são atendidos na casa.

Mas os índios teimam em acreditar na importância da FUNAI para suas vidas. Ao menos procuram os indigenistas sérios para conversar e para se orientar diante da calamidade que sentem estar lhes afetando.

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As reuniões promovidas pela CNPI para discutir a proposta do novo estatuto do índio tem encontrado as maiores resistências por parte dos próprios índios.

Os Kayapó, Gaviões, Karajá e tantos outros rejeitam completamente essa ousadia de colocar no Congresso Nacional, para o pasto de feras anti-indígenas, a modificação do Estatuto do Índio, que tanto apoio os tem dado ao longo dos últimos 35 anos. Percebem de longe o quanto a questão indígena está abandonada e sob fortes críticas, sem que a FUNAI seja capaz de mudar esse panorama atual.

Nas reuniões de Belém e Cuiabá, por exemplo, os Kayapó e outros desativaram as reuniões. Na FUNAI, principalmente na CGDDI, que supostamente está encarregada de levar essa discussão adiante, só faltaram expulsar seu coordenador da sala.

Praticamente só o CIMI e as Ongs neoliberais querem brincar de mudar esse Estatuto. Uns poucos dirigentes da Coiab seguem esse caminho, mas na base muitos já começam a ver a loucura desse procedimento.

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Por outro lado, nesta terça-feira passada, na Comissão da Amazônia da Câmara Federal, a deputada Janete Capiberibe, do Amapá, patrocinou uma audiência para discutir a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da qual o Brasil foi signatário em setembro do ano passado.

Estiveram presentes diversos deputados, uns contra, dizendo que essa Declaração atentava contra a soberania nacional. Outros a favor, como a própria Deputada Capiberibe. Os deputados não conseguiram aprofundar suas visões. Os contrários só sabem criticar por discursos inflamados, sem base argumentativa.

Notou-se a ausência do general Heleno, que por vezes tem feito críticas à política indigenista brasileira e a essa Declaração.

Marcos Terena, diretor do Memorial dos Povos Indígenas, fez uma defesa da Declaração com a visão que ele vem vocalizando há muitos anos e demonstrou que os índios, sim, esses não pretendem destruir o Brasil.

O representante do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Eduardo Cunha, fez uma excelente defesa da Declaração do ponto de vista da diplomacia brasileira, e demonstrou que em nada essa Declaração ofende aos interesses da nossa soberania.

Ubiratan Maia, do povo Wapixana, representando a OAB de um modo excepcional, apresentou uma panorama político da Declaração e sua importância para todos os povos indígenas do mundo moderno. E teve a dignidade de reconhecer o papel do Ministério das Relações Exteriores nas discussões que levaram à aprovação dessa Declaração. Também reconheceu o papel que eu, como presidente da FUNAI, exerci por quase quatro anos, nas negociações na ONU para elaborar a redação final dessa Declaração.

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Notícia de Cuiabá diz que o governo do Estado do Mato Grosso se colocou à disposição do povo indígena Paresi para mediar sua relação com a FUNAI na negociação da permanência da cobrança de pedágio que os Paresi fazem em uma estrada que atravessa sua terra. Essa estrada vai ser asfaltada e portanto a cobrança terá que ter alguma legalidade daí por diante.

Ora, o governo do MT mediar as relações entre os índios e a FUNAI??

Quem já viu uma coisa dessas?

Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 2

Dando continuidade às homenagens a Lévi-Strauss, eis as respostas e considerações de Felipe Montalvão sobre O Pensamento Selvagem e Totemismo.

Vale a pena ler seu texto.

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Felipe Walviesse Moura Montalvão
Universidade Federal Fluminense – UFF
Instituto de Ciências Humanas e filosofia – ICHF
Ciências Sociais, segundo período 2008. Antropologia III
Professor: Mércio Pereira Gomes


1. Por que, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega à conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são "bons para pensar" e não, como achava Malinowski, "bons para comer"?

Em “Totemismo Hoje” Lévi-Strauss demonstra como várias correntes e intelectuais pensaram o totemismo até então, demonstrando com inegável erudição sobre o assunto as diversas falhas ou limitações que tal assunto teria sido tratado por todos. Essas falhas estão basicamente divididas em duas grandes maneiras de se tratar o totemismo: ou se negligenciou o tema sem o dar maior importância na organização cultural considerando-o produto de um pensamento primitivo (inferior) das sociedades não civilizadas que simplesmente se identificavam com uma espécie animal ou vegetal, ou, as consideraram como um fator de organização social, porém, com limites de um naturalismo que o estruturalista pretende superar.

Com tal objetivo Lévi-Strauss desenvolve em outra obra, O Pensamento Selvagem, uma teoria que valoriza o modo propriamente de se pensar dos povos ditos selvagens, ele expõe que um animal ou um vegetal não é pensado por um determinado povo por ser necessário ou útil a ele, é antes interessante, pensado, para que se torne algo para o uso cotidiano ou mesmo para as valorizações simbólicas que tais ou quais culturas a atribuirão. O princípio da obra do autor é demonstrar que não se pode reduzir o totemismo a uma ação mecânica e de resposta imediata a uma realidade primeira e não refletida pela sociedade através dos tempos.

É assim que fica clara a crítica ao pensamento de Malinowski sobre o totemismo, este só encara o tema como uma relação direta com a função que determinado animal ou vegetal tem com a dieta desta sociedade, daí que a idéia que se faz do selvagem é que sua preocupação primordial é com o problema da alimentação. Explica-se assim a afirmação de que para Malinowski um animal ou vegetal é totem à medida que é bom para se comer.

Lévi-Strauss defende que a razão pela qual um determinado animal é referenciado no sistema totêmico deve ser investigado em um âmbito mais profundo do que das relações materiais que tais sociedades tem quem com tal objeto (animal, vegetal ou mesmo um objeto inanimado). Ele chega a elogiar o caminho percorrido Boas que associa o totemismo à organização social, mas adverte do limite deste, e propõe que tal associação deve ser procurada na própria estrutura da organização social.

Na estrutura do sistema social de uma determinada sociedade, cada objeto é parte integrante de um todo que o põe em relação com os demais objetos, relações que diferem uns dos outros não só em significado prático da relação direta, mas também em diferenciação de valores, pesos e mesmo de oposição com os outros. Esses significados próprios que cada coisa obtém na estrutura podem conter em si as dicotomias formadoras de contrastes da estrutura. Vê-se, portanto, que a influência da lingüística ainda se faz presente na antropologia lévi-straussiana em comparação com os contrastes de fonemas que pertencem a cada língua no sistema integrado de seus fonemas.

Neste sentido, os objetos totêmicos não são escolhidos de forma arbitrária apenas por uma identificação nos hábitos deste animal, nem ao menos só pela sua importância na dieta desta sociedade. A escolha está baseada no próprio contraste que constitui a estrutura social, cada objeto totêmico está relacionado com o outro - referente a outro clã ou grupo - de acordo com a sua complementaridade ou mesmo oposição direta.


2. Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.

Em “O Pensamento Selvagem” Lévi-Strauss tenta combater a visão que predominava sobre o modo de pensar dos povos ditos primitivos, que, quem geral era comparado com o pensamento de uma criança, sempre posto como inferior ao pensamento ocidental civilizado. Assim, fica evidenciado no livro que o autor tenta estabelecer uma taxonomia sobre as diferentes formas de pensar sem em momento algum estipular uma hierarquia entre ambos.

A principal separação é a de ciência do abstrato e ciência do concreto, a primeira diz respeito ao pensamento civilizado e a segunda ao pensamento dos povos “primitivos”. Ainda há, para uma compreensão dos termos, algo que se pode chamar de um processo do pensar que vai da imagem como o fator significante ao conceito como o significado e simbólico. E ainda, o signo que é algo que está entre a imagem e o conceito, mas não é nem uma nem outra propriamente, não é puramente significante nem significado, flerta – por assim dizer – com características de ambas. Os signos então são significantes na medida em que não se separaram inteiramente da imagem e estão em relação direta com o concreto, com a vida cotidiana estando assim, nunca puros como no conceito, mas o signo é também significado por ser um identificador, embora carregado pelas informações prévias que a cultura o dá na relação com o todo.

Fica relativamente claro que o conceito, por seu caráter de abstração simbólica pura está diretamente relacionado com a ciência do abstrato, assim como o signo está com a ciência do concreto. Mas além da diferenciação estipulada, o autor demonstra que não é privilégio de nenhuma das duas formas de pensar a construção de ciências reais e de resultados concretos ou mesmo o de capacidades de inúmeros termos abstratos, como não raro é encontrado nas sociedades ditas primitivas. A bricolagem (forma de pensar da ciência do concreto) é uma forma de pensamento que está mais voltado para a realidade do cotidiano destes povos, como o de caçar, pescar, colher ou mesmo nas suas práticas medicinais, mas que geram conhecimento que a princípio é tão científico quanto o do engenheiro.

Além dessa equivalência nos modos de pensar, Lévi-Strauss também alerta que nenhuma sociedade pensa somente na lógica da ciência do abstrato ou só na do concreto, há predominâncias em cada uma de uma forma ou outra mas que ambas se fazem presentes como a ciência do concreto nas linguagens metafóricas e poéticas da sociedade civilizada e a ciência do abstratos nas diversas formas de conceitos puros que aparecem em palavras que designam pura abstração ns sociedades primitivas.


3. Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos de história a estrutura.

Jean-Paul Sartre que escreve “Critica da Razão Dialética” promove uma valorização do pensamento dialético em relação à razão analítica. Havia em torno de seu pensamento uma ambiente favorável ao pensamento dialético graças ao predomínio do historicismo ou filosofia da história, pensamentos sobre a lógica dos processos sociais e humanos.

Lévi-Strauss não elabora uma crítica no âmbito da filosofia, na qual a “Critica” se pretendia, mas no âmbito da sua área própria de atuação que é a antropologia. Sobre este ponto de partida ele demonstra os vários momentos em que Sartre se montra pobre sobre o assunto.

Mas a crítica mais profunda está no que diz respeito á própria razão dialética de Sartre, que elabora uma extensa obra de enriquecimento dos termos da dialética materialista que vinha fortemente valorizada desde Marx. Lévi-strauss põe em dúvida o método dialético como algo que realmente é alguma coisa em si senão a própria lógica analítica em marcha. Discorre na tentativa de mostrar que a razão dialética é o mesmo que um momento inicial da razão analítica, esta que pretende analisar o todo através de suas partes nada de inferior teria com relação àquela que faria este mesmo processo de decomposição para a recomposição em outro momento à frente de algo que é tido como o resultado de um processo. A lógica dialética fica assim, para o autor, como uma espécie de complemento da razão analítica.

O embate também se dá que diz respeito à História – que é em concepção a dialética na realidade em si – para o estruturalista não é possível se conceber a história como algo real, comparando inclusive ela com um pensamento mítico onde os historiadores encontrariam no passado uma ordem ou uma espécie de continuidade temporal coletiva. A história na concepção dialética seria um movimento espiral vertical de desenvolvimento sem volta ao passo que para Lévi-Strauss a história nada mais é do que as potencialidades de uma estrutura que podem ora se de uma forma, ora de outra mas que nada teria a ver com uma mudança completada estrutura, nada como de uma determinada sociedade A mudar para B, C etc. mas num movimento horizontal ou uma sociedade A só poderia mudar para sua variação A’, A’’, A’’’ e mesmo “retornar” de A’’’ à A’’ ou mesmo A’ e A.

4. Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica.

Desde que surgiram os primeiros encontros com o objetivo de se estabelecer os parâmetros do conceito de estrutura no final dos anos 50, mesmo que ainda se falasse em estruturalismo, já se pode perceber um movimento que se pretendia numa busca a um rigor científico metodológico, ora, é na definição rigorosa dos conceitos que, muito antes, Durkheim já alertava à distância das ciências humanas das ciências naturais, prima-donas do conhecimento científico.

É desta herança durkheimeana, que por sua vez descende de um positivismo comteano, que o estruturalismo vai se constituir como uma corrente sociológica – ou mais definidamente – antropológica, pelo menos nas áreas das ciências humanas, pois o movimento era muito mais abrangente, pois abarcava a psicologia, economia, filosofia, matemática e outras. Assim, entre as pretensões do estruturalismo na comunidade científica em seus primeiros passos está o projeto de diminuir esta “distância” entre as ciências humanas das ciências naturais ou brutas, na tentativa de tirar esse caráter de “ciências leves” que a primeira obteve em relação com a segunda. E estabelecer um grau de maior proximidade metodológica rompendo com as barreiras da interdisciplinaridade com todos os outros campos da ciência.

Lévi-Strauss foi o que foi mais longe nessas pretensões, e isso fica claro logo no início de seu processo de desenvolvimento do estruturalismo na antropologia ao fazer uso da lingüística em seus trabalhos etnológicos. Isso é, ao buscar princípios metodológicos e teóricos na teoria da comunicação, do idioma, Lévi-Strauss está tentando elevar a antropologia ao nível de desenvolvimento da própria lingüística que já conhecia muito sobre o interior de seu próprio tema há mais de um século, conhecida como a mais rígida e, portanto, próxima das ciências naturais.

Foi na teoria lingüística que Lévi-Strauss estabeleceu os parâmetros do que ele vai chamar de estrutura de uma sociedade, comparando com as teorias da estruturação dos fonemas e morfemas das línguas. Que na lingüística permitiu um desenvolvimento sem igual do poderio científico nesta área, permitindo inclusive certa previsibilidade do comportamento dos fenômenos dos diferentes idiomas através do tempo e espaço.

Além disso, nos diversos embates que a antropologia teve com outras disciplinas e vencendo por consistência que a própria desenvolvera em seu interior, fica aparente que há certa tentativa da antropologia estrutural se tornar o princípio, ou o centro irradiador, que todos os outros ramos das ciências humanas teriam que se basear, isso fica evidente na crítica que Lévi-Strauss faz à Sartre e consequentemente à dialética e à história.

Por fim, o estruturalismo ambicionava encontrar a verdade máxima e última no que foi configurado como estrutura social ou cultural. Encontrar o elemento determinante e invariável que há em qualquer grupo humano, independente do lugar, da cultura o do tempo. Podendo assim, a exemplo da lingüística, poder um dia estabelecer o lugar de cada elemento de uma cultura e poder se arriscar numa previsibilidade do comportamento e movimento da cultura.

5. Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?

O estruturalismo levou à antropologia e às ciências humanas em geral, um princípio epistemológico de uma consistência jamais vista até então, princípios rígidos de metodologia que deram um fundamento teórico muito mais profundo às analises sociológicas.

Tais princípios possuíam em si um dos germens de sua própria superação no que se convencionou chamar de pós-estruturalismo, pois que a supressão da história como algo que figurasse realidade, foi considerada princípio da crítica ao paradigma filosófico postulado pelo Iluminismo e ainda reinante no pensamento ocidental moderno. O próprio Lévi-Strauss ao desenvolver uma valorização do pensamento selvagem não diferenciando-o em potencialidades de abstração nem hierarquizando-o em relação ao pensamento ocidental civilizado foi precursor da crítica ao pensamento ocidental como detentor da única possibilidade de verdade ao se pensar a realidade.

O estruturalismo também entrou numa busca cega das análises estruturais que não teria mais finalidade, o que a princípio era a tentativa de se demonstra o espírito do inconsciente coletivo se perdeu num abismo das relações simbólicas da estruturas que no fim já sequer faziam parte do observável, ou mesmo da realidade. Isso se segue até indagações que não eram mais prováveis como a de que a estrutura, em seu princípio, estaria nos sistemas neurais sem que os conhecimentos sobre a composição da organização do cérebro e os neurônios estivessem prontas para afirmar qualquer coisa sobre tal estrutura. A medida que se conhece mais sobre os neurônios e sua forma de atuação, se percebe que não há possibilidades de se pensá-los como algo estruturado ou mesmo com um princípio binário como queria afirmar Lévi-Strauss ao dar a origem da estrutura nesta área. Significa também dizer que a estrutura adquiriu autonomia da cultura não tendo mais relação direta com a constituição da sociedade e da vida coletiva, mas sim de princípios neurais e humanos irredutíveis.

Isso deu origem a um questionamento do por que de se estudar a estrutura, o que ela informa que é realmente importante para o conhecimento real da vida humana na vida coletiva e cultural. O problema, portanto não é o de se questionar se existe uma estrutura, já que somente algo completamente disforme poderia ser caracterizado por não possuir uma, mas na utilidade de se chegar tão profundamente na análise de algo a ponto de se separar da relação com o real, de uma análise da estrutura por si só.

Os filósofos que se seguiram, não só aproveitaram a carona das grandes questões que Lévi-Strauss desempenhou como também viram nesse aprofundamento exacerbado algo infecundo, uma denominação arbitrária, final macabro do que se desenvolveu desde o modelo filosófico iluminista. A proposta, portanto, é a de saída desta busca pelo invariável ou princípio comum da verdade última para a valorização da diversidade.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 1

Claude Lévi-Strauss, o grande antropólogo francês, criador da escola Antropologia Estrutural, está fazendo 100 anos dia 28 de novembro. Em sua homenagem dei um curso de Antropologia na Universidade Federal Fluminense sobre sua obra. Lemos diversos livros deles e os artigos principais sobre suas posições teóricas.

Lévi-Strauss esteve no Brasil entre 1935 e 1938, dando aulas na novíssima Universidade de São Paulo. De lá fez excursões de pesquisa por diversas partes do Brasil. Conviveu com um grupo de intelectuais da época, inclusive Mário de Andrade, que estava buscando se encontrar com as raízes do Brasil.

Lévi-Strauss visitou diversos povos indígenas brasileiros. Entre eles destacam-se seus trabalhos sobre os Kadiwéu, os Bororo e os Nambiquara.

O resultado do curso foi muito bom. Apresentarei a seguir nos próximos dias alguns resultados da 2ª avaliação, que foi sobre os livros Totemismo hoje e O Pensamento Selvagem.

Começo pelo trabalho da aluna Sara Sousa Mendonça, logo a seguir.

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Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Curso: Ciências Sociais
Matéria: Antropologia III
Prof°: Mércio Gomes
Aluna: Sara Sousa Mendonça
2° Avaliação



Questão 1
Por que, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega à conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são "bons para pensar" e não, como achava Malinowski, "bons para comer" ?

Em seu livro O Totemismo Hoje Lévi-Strauss revisita diversos antropólogos que trataram do assunto, com o intuito de provar que o totemismo de que eles falam não existe, o que ele chama de “pretenso totemismo” e “ilusão totêmica”.
Primeiramente acredito ser importante falar sobre as características fundamentais desse totemismo, que é um sistema formado por três elementos: (1) grupos, que são divididos em metade A e B ou em clãs, e se casam exogamicamente, (2) símbolos (os totens), cada grupo é representado por um símbolo diferente, e por fim (3) comportamento, na forma de restrições ou praticas com relação aos símbolos.

O motivo de Lévi-Strauss falar em “ilusão totêmica” é que a empiricidade diversa do totemismo é tão ampla que derruba as teorias então existentes sobre o assunto, como a perspectiva funcionalista de Malinowski, que se atêm unicamente a um nível naturalista, utilitário e afetivo ao dizer que o interesse concentrado no mundo animal e vegetal reflete o fato de que a preocupação primordial dessas sociedades reside no alimento. Assim as sociedades vão adorar coisas se seriam essenciais para a sua vida, escolhendo os animais e vegetais que tivessem importante papel em sua dieta alimentar, ou seja, o totem era escolhido por ser “bom para comer”.

Porém essa tese não se sustenta a luz de sistemas totêmicos cuja os totens não possuem funcionalidade, no sentido dito acima, para a vida social, como o caso da sociedade que tem como totem o vomito, não sendo possível portanto utilizar a perspectiva funcionalista para compreender o fenômeno do totemismo.

Assim sua visão de totemismo é de que os símbolos de um grupo o são não por serem “bons para comer”, mas sim por serem “bons para pensar”.

Para Lévi-Strauss a explicação para o totemismo deve ser vista a partir da interferência natureza/cultura, tendo o papel de conciliar entre dualidades internas da sociedade, que poderiam ser um obstáculo para a vida em grupo. Seria assim a representação do mais profundo inconsciente humano, que enxerga no mundo externo estruturas conflitantes, dualistas e internas, situação na qual o sistema totêmico é criado para organizar e confortar sobre esses conflitos.
Dessa forma os totens não são vistos como “bons para comer”, mas sim como “bons para pensar” as diferenças, e também aceitá-las, não existindo somente um totem em uma sociedade, sendo sempre em conjunto, para poderem ser contrastados.


Questão 2
Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.

Em o Pensamento Selvagem Lévi-Strauss fala contra a visão que diz que o pensamento nas sociedades primeiras é inferior ao da nossa, por não ser abstrato.

Diz que essas sociedades também possuem um raciocínio lógico, no mesmo sentido e maneira que o nosso, com características de cientifico, nada tendo de espontâneo ou confuso como se pensava e que ele chamou de Ciência do Concreto, enquanto nas sociedades (ditas) civilizadas o que existe é a Ciência do Abstrato, com a diferença entre ambos sendo, primeiramente o grau de abstração alcançado.

Defende que a ciência do concreto não é uma forma cientifica primitiva, mas sim a primeira forma, onde o pensamento se dá através de preceitos e signos, que são os intermediários entre a imagem e o símbolo, metonímias que representam um objeto ou imagem. O fato de ser primeira para ele não pressupõe evolução na cultura e no pensamento entre uma forma e outra, existindo apenas o acumulo, ocasionado por variações e possibilidades de modelo, e que estas tem como base a ciência do concreto.

Recorre a inúmeros exemplos para mostrar que esta forma de ciência não está ligada apenas a uma necessidade funcionalista, onde se busca conhecer o que é necessário para a alimentação ou o tratamento de doenças, nela se encontra uma grande curiosidade cientifica, que busca apreender o mundo ao redor pelo simples desejo de conhecê-lo. Nos exemplos utilizados fica clara a capacidade meticulosa de classificação de espécies vegetais e animais, das quais diz que se a nossa ciência as utiliza-se teria muito a ganhar, além de evitar grandes equívocos.

Já a ciência do abstrato é o que conhecemos por ciência, trabalhando com conceitos, símbolos e metáforas.

Uma das diferenças importantes entre as duas formas de ciência é a maneira como são feitas as classificações. Na do concreto elementos exógenos são usados elemento classificatório: a abelhinha que vive em determinada arvore conta para definir que arvore é aquela. Já na do abstrato somente elementos endógenos são utilizados, dentre os quais o DNA é o auge da abstração.

Em seu livro faz analogia entre as duas formas de ciência e duas formas distintas de ver o mundo, que seria a do bricoleur, representando a ciência do concreto, e o engenheiro, representando a do abstrato. É interessante notar que se o pensamento do engenheiro é abstrato para aquilo que foi treinado para ser, para as demais coisas, como a culinária, se assemelha em muito ao pensamento concreto.


Questão 3
Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos de história e estrutura.

Em a Critica da Razão Dialética Sartre se dedica a afirmar a superioridade desta sobre a analítica, herança aristotélica. Segundo Lévi-Strauss Sartre hesita entre duas concepções da razão dialética, ora a opõe com a analítica, como a verdade e o erro, ora as vê como complementares, duas formas de se descobrir a verdade.

O livro de Sartre, pela visão de Lévi-Strauss, devido as concepções abordadas a cima, parece, ao seguir a primeira, contraditório, e com relação a segunda supérfluo. Seguindo a primeira seu estudo cai em um paradoxo curioso, pois nele o autor define, distingue, classifica e opõe, o que o torna o produto do exercício da própria razão analítica de Sartre. Pelo segundo pois afirma que ambas razões são capazes de alcançar a verdade, não havendo portanto sentido em proclamar a superioridade de uma sobre a outra.

Lévi-Strauss defende que ambas as razões são a mesma (se aproximando da segunda concepção de Sartre), a dialética nada mais sendo do que a razão analítica em dois tempos, que chega a dialética pelo esforço constante de se superar.

A segunda critica feita por Lévi-Strauss é, acredito eu, a razão desta discussão estar presente em um livro chamado O Pensamento Selvagem: diz que Sartre tenta distinguir duas dialéticas, uma que seria a “verdadeira” e é atribuída às sociedades históricas, e outra que seria repetitiva, de curto prazo e muito próxima da biologia, que é atribuída as sociedades primitivas. Ora! Sartre acaba de reconstruir a ponte entre natureza e cultura, que sobre tantos esforços havia sido abolida pela antropologia, além de retomar com as tão repudiadas noções evolucionistas de superioridade e inferioridade.

O estruturalismo de Lévi-Strauss rechaça a historia, não entendendo porque filósofos como Sartre insistem em atribuir-lhe papel preponderante, com a tentativa de restabelecer uma continuidade temporal coletiva, que em sua opinião só pode ser assegurada por meio de traçados fraudulentos, enquanto a abordagem de sua antropologia se desenvolve na descontinuidade espacial.

Procura derrubar a historia de seu lugar preponderante afirmando que ela não passa do mito da civilização ocidental para a passagem do tempo, sendo ela e o historiador sempre parciais. Para ele as mudanças ditas históricas nada mais são do que variações de modelo de uma mesma estrutura, que contem em si própria todas as possibilidades de transformação possíveis.

Questão 4
Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica.

O movimento estruturalista não é exclusividade da antropologia, abarcando toda uma serie de disciplinas que tem no homem o horizonte comum, e pretende, através de uma abordagem conceitual, a realização de um programa comum a todas as ciências do homem, abolindo as fronteiras disciplinares, e tendo como objetivo ambicioso maior a construção da unidade paradigmática.

Porém, nesse processo de abolição das fronteiras disciplinares, as disciplinas então existentes não tinham pesos iguais: a História foi renegada (assim como a filosofia), pois para Lévi-Strauss esta disciplina não é verdadeiramente cientifica, sendo simplesmente o mito da civilização ocidental para a passagem do tempo.

Enquanto a História é abandonada, a antropologia ambiciona ser hegemônica nas ciências humanas, não se interessando mais em estudar o que é especifico de cada sociedade, mas sim o que é comum a todas elas (como o tabu do incesto), para através disso descobrir as próprias leis universais da organização social, que para Lévi-Strauss estariam presentes nas estruturas neurológicas do próprio cérebro humano.

Da mesma forma que o estudo do especifico não entre na agenda do estruturalismo, o sujeito também não tem nenhuma importância, sendo apenas um mero executor da estrutura, sem o poder de modificá-la.

Nascido da lingüística, esse movimento pretende ter uma característica desta: a capacidade de prever as variações futuras dos modelos estruturais. Buscando também nesta ciência, que é uma das que mais se assemelha às ciências exatas dentre as humanas, a legitimação de seus argumentos.

Em seu discurso legitimador a antropologia estrutural efetua um caminho semelhante ao da ciência econômica, que se “matematizou” para elevar seu status cientifico e obter maior credibilidade. Semelhantemente a antropologia irá criar modelos sociais e buscar ser uma ciência natural, para se tornar o que é visto como “ciência de verdade”, falando de leis universais (tão características da física e demais ciências exatas), que se encontrariam na complexidade neurológica da biologia humana.
Penetrando pelo território das demais ciências a antropologia estrutural busca obter domínio e legitimidade para assumir a posição, que se atribui, de hegemônica no campo de estudos do homem.


Questão 5
Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?

Lévi-Strauss acreditava na existência de estruturas, que uma vez apreendidas levariam as leis universais da sociedade, o que Claude Roy compara a velha e incansável busca pelo Santo Graal dos intelectuais.

A proposta estruturalista, apesar de ser muito tolerante com as diferenças e advogar sua preservação, se atem ao estudo dos universais sociais, o que fica evidente na frase de Lévi-Strauss: “ Não sei o que é a sociedade humana. Ocupo-me de certos modos permanentes e universais das sociedades humanas, de certos níveis isoláveis de análise.”

Aí fica clara a fraqueza do estruturalismo: ele não sabe (e nem quer saber) o que é a sociedade humana, Ora, essa é a proposta (e o que é esperado) das ciências humanas, abandonando isso o estruturalismo se transforma apenas um mero exercício intelectual da busca pelas estruturas, sem nenhuma aplicabilidade para a apreensão do real.

O autor francês Wicktor Stoczkowski, que está lançando o livro “Antropologias redentoras – O mundo segundo Lévi-Strauss”, em entrevista ao Globo (edição de 15 de novembro de 2008), ao responder pergunta semelhante a que aqui me cabe diz: “Para Lévi-Strauss o estruturalismo torna-se uma maquina interpretativa à qual nada resiste. Aplicamos o estruturalismo ao sonho, ao conto de fada, à receita de cozinha, à musica, ao mito, ao sistema de parentalidade, à historia dos extraterrestres. É magnífico: você tem esta maquina e pode escrever livros em cadeia, gera um discurso que parece inteligível aos outros. Mas em que o estruturalismo serviu para compreender o mundo? (Stoczkowski sacode os ombros)”. Acredito que chegamos a um ponto em comum do porque o estruturalismo desmoronou.

O que vêm a seguir desta queda são as teorias pós-modernas, pós-estruturalistas. O que vai ser importante na antropologia no pós estruturalismo é a idéia de que o homem e a cultura, como unidades únicas, não existem, existindo a pluralidade: os homens e as culturas, o que torna esdrúxula a ambição de encontrar as leis gerais do homem.

Se novo pensamento diz que o ser é igual ao não-ser. O que há é apenas discursos sobre o ser (que na realidade é o não ser). Daí deriva a idéia do multiculturalismo, e de que ninguém de fora possui o direito de falar sobre o ser, pois tudo que falasse não passaria de discurso. Assim os antropólogos que compartilham disto acreditam que seu dever não é falar sobre o outro, mas sim lhe dar voz. Essa postura acaba levando a antropologia a outro buraco-negro, pois também se mostra incapaz de abordar o real de modo a compreendê-lo.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Drops Indigenistas -- 2



1. Petrônio Cavalcanti, um digno indigenista, ex-engenheiro formado pela Universidade da Paraíba, com uma larga folha de serviços prestados à FUNAI, inclusive como diretor de Assistência Social no tempo de Glênio Alvarez, administrador tarimbado há longos anos da AER da Paraíba, recebeu a ingrata incumbência de gerir a demissão de Claudionor Miranda, índio Terena e administrador da AER de Campo Grande, MS, e arrumar justificativas para esse ato.

Sobre a demissão de Claudionor Miranda, Petrônio disse logo ao chegar a Campo Grande: “Foi um alarde muito grande para uma situação muito simples”, considerando que houve apenas erros de procedimento. Segundo o jornal Campo Grande News, os planos de Petrônio são para continuar apenas um mês em Campo Grande. “Tempo para colocar a casa em ordem”.

Parece que o problema não é de corrupção, e sim da má gestão em alguns aspectos da administração. Alguns gastos abusivos de telefonema, viagens a Brasília. Por que a brutalidade do gesto, então? Isto sempre provoca suspeitas indevidas e causa prejuízo à imagem da pessoa. Ao que dizem, foi pressão da CGU. E agora, a FUNAI está a mercê da CGU? Por que não pedem a CGU para dar uma aulas de administração aos dirigentes indígenas?

Ora, Petrônio, se é apenas por isso, por que participar de uma brutalidade administrativa de demitir um índio Terena da administração de Campo Grande? Será que não houve precipitação, para não falar de preconceito, por parte da atual gestão da FUNAI, na demissão intempestiva de Claudionor?

Na foto publicado pelo citado jornal, Petrônio aparece meio assustado diante da tarefa. Seus colegas estão com uma cara de quem não acredita que está nessa fria. Minutos depois dessa foto, um grupo de Terena invadiou o escritório para exigir explicações do interventor.

Foi mal. Sai dessa, Petrônio.

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2. A Funasa de Manaus foi mais uma vez invadida por índios insatisfeitos com a assistência que recebem. Desta vez foi um grupo de mais de 300 índios Mura, Sateré, Kanamari, Cocama, Apurinã e Korubo. Querem a saída do administrador da Funasa em Manaus. Sentiram sua fraqueza diante da crise da Funasa em Brasília e vêm checar o que podem fazer para ajudar.

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3. Está no ar o primeiro Blog feito por índios Guarani, da região de Dourados. em guarani e em português. Seu endereço eletrônico é: http://guaraniportugues.blogspot.com/ . À frente está Cecy Fernandes de Assis.

Bom de saber!

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4. Esta semana, em Brasília, haverá um encontro de índios para discutir a questão da saúde e firmar um posicionamento sobre as novas medidas a serem tomadas pelo Ministério da Saúde. A concorrência é grande de muitos interessados. Espera-se a presença de índios de muitas partes do Brasil.

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5. Quinta-feira, em Brasília, o Memorial dos Povos Indígenas, criado por Darcy Ribeiro, e dirigido hoje por Marcos Terena, recepcionará uma homenagem ao grande indigenista Chico Meirelles. Um filme será exibido e depois haverá depoimentos de diversas pessoas, inclusive de uma das filhas de Meirelles.

Espera-se a afluência de muitos indigenistas e índios. Eu mesmo estarei lá.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ministro da Justiça demite Coordenador de Assuntos Fundiários da FUNAI

O ministro Tarso Genro demitiu nesta sexta-feira o coordenador-geral de identificação de terras indígenas, o antropólogo Paulo Santilli.

Na FUNAI não se fala em outra coisa. Por que o Paulo Santilli?

Paulo Santilli é o antropólogo que argumentou pela continuidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol por ter sido um dos antropólogos que fez os estudos do reconhecimento daquela terra indígena.

Ele também era responsável por refazer o relatório da antropóloga Nadja havt Bindá sobre a Terra Indígena Piaçaguera, perto da cidade de Peruíbe, onde um grupo de índios Guarani alegam que lhes pertence por tradicionalidade secular.

Parece que Paulo Santilli também foi coadjuvante da idéia de se criar seis grupos de trabalho para identificar terras indígenas no Mato Grosso do Sul, fato cujas repercussões polítcas têm dado muita dor de cabeça ao ministro Tarso Genro.

Outra grande credencial do Paulo Santilli é ser irmão de Márcio Santilli, o principal diretor da Ong Instituto Socioambiental. Por essa razão o ISA vinha dando apoio incondicional à atual gestão da FUNAI. Não se sabe se esse apoio continuará a ser incondicional.

Já há meses o ministro Genro vem mandando recados à FUNAI para não lhe passar "bolas quadradas", como se diz na gíria. isto é, não lhe mandar para decidir sobre demarcações que são alvos de muitas disputas políticas e que são dificílimas de resolver a curto prazo. O ministro Genro já tem a cabeça quente com as questões de segurança e da Polícia Federal.

Muitos antropólogos e indigenistas da FUNAI se perguntam se o Santilli é bode expiatório do grupo de Ongs que tomou o poder do órgão e precisa manter esse poder por mais algum tempo. Algumas dessa Ongs têm planos triangulatórios com a FUNAI e organizações internacionais que lhe fornecem verbas. Daí o sacrifício do Santilli. Outros falam que está havendo um desentendimento no seio das Ongs que controlam a FUNAI, daí essa demissão. Mas também é provável que o Santilli tenha outros compromissos na sua universidade ou em novas consultorias e tenha chegado a hora de sair da FUNAI para assumi-los. Ora.

Os índios ainda não se deram conta do quanto a FUNAI está dominada pelas Ongs. Só espreitam de longe. Um dia desses fizeram duras reclamações ao ministro Genro sobre a atuação nefasta do grupo que controla o órgão. Mas pensam apenas que é uma questão de incompetência e desleixo, não de atitude política anti-indigenista.

Ministro Temporão abre temporada de conversas com os índios

O ministro José Gomes Temporão receberá uma comissão de nada menos que 65 índios do médio Alto Xingu representando os povos Ikpeng, Kayabi, Suyá e Yudjá. Esses índios fecharam há uma semana um escritório da Funasa em Canarana, Mato Grosso, e exigiram uma audiência com o ministro para liberar os presos feitos reféns.

Não há reunião que aguente com tanta gente. O que acontecerá hoje?

O ministro Temporão tem, em minha opinião, a melhor boa vontade possível. Luta contra uma máfia feroz incrustada na Funasa há alguns anos e pena para encontrar uma saída decente para a saúde indígena. Ontem, no jornal O Globo, saiu uma extensa matéria sobre a corrupção na Funasa, inclusive por parte de ex-presidentes do órgão. Muito citado é o ex-deputado federal pelo Ceará, Paulo Lustosa. O jornal mostra as relações de parentesco e de indicações políticas entre diversos diretores da Funasa e políticos como Eunício Vieira, Jader Barbalho, Alcione Barbalho e outros.

Há uns dias o ministro Temporão recebeu uma comitiva de índios ligados a Ongs indígenas, especialmente da região Amazônica, a quem prometeu que iria manter sua decisão de tirar a saúde indígena da Funasa e colocá-la na nova secretaria a ser criada. Só que os índios que estão para falar com ele hoje querem a manutenção de uma fundação, ligada à Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina), como sua servidora de saúde. Pelo menos, diz o líder desse grupo, Maraiwe Kayabi, até junho de 2009.

Vai ser difícil contentar todo mundo. O ministro Temporão arriscou esperar muito tempo para fazer as mudanças que previa desde um ano atrás, quando a CGU o avisou de que teria que regularizar os problemas da Funasa, tanto os relacionados com a corrupção quanto aqueles relacionados a pessoal e direitos trabalhistas malbaratados. Agora dificilmente poderá agradar a gregos e troianos.

O ministro subavaliou e subjulgou a questão da saúde indígena e agora paga um preço alto. Quis a cabeça do presidente da Funasa, pediu-a ao presidente Lula e lha foi negada. Teve que engolir a desfeita desse atual presidente ousar, em público, que ele o demitisse.

O Congresso Nacional vai demorar para votar a MP que propõe a criação da nova secretaria para cuidar da saúde indígena. A Funasa vai estar presente até então. Pode ser um ano, pode ser mais. Além disso, a pressão do PMDB por mais cargos vai continuar e certamente um ministro mais flexível aos ditames daquele partido seria mais conveniente. Nesse sentido a cabeça do ministro Temporão está por um fio, mesmo que o presidente Lula tenha dito que não tira ninguém até 2010.

E os povos indígenas, como ficarão?

Suruí são convertidos ao cristianismo evangélico

A notícia abaixo, sobre uma suposta conversão de 150 índios Suruí adultos para a Igreja Assembléia de Deus, é estarrecedora.

Como será que os índios Suruí se converteram tão rapidamente? Que tipo de mensagem está sendo veiculada entre esses índios para uma tal conversão?

Recentemente um índio suruí, Almir, foi agraciado com prêmio internacional de defensor do meio ambiente por uma agência da ONU, em Genebra. Será que ele está por dentro da conversão em massa de seus parentes?

A matéria fala que a FUNAI tentou retirar a igreja que dizem foi construída pelos próprios índios, mas eles não deixaram que isso fosse feito.

Será mesmo verdade?

Apelo para que os índios Suruí se manifestem sobre essa matéria. Apelo para que as Ongs e a FUNAI que têm conhecimento dos Suruí e de sua atribulada vida desde os primeiros contatos realizados em 1969 se manifestem a respeito dessa conversão e dessa interferência religiosa no meio dos Suruí.

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Índios Suruí se convertem à fé cristã

Folha de Rondônia, Porto Velho, RO


A conversão de 150 índios adultos, a construção de uma igreja na aldeia, o batismo de 49 índios e o casamento de nove casais são o resultado missionário que a Igreja Assembléia de Deus, através do pastor Firmino dos Santos vem realizando na tribo Suruí, respeitando os costumes deles, mas fundamentando o trabalho em princípios bíblicos. A Aldeia 7 de Setembro, da Tribo Suruí, está localizada na Linha 14 no distrito de Cacoal com cerca de 600 índios. "Nossa entrada na aldeia é autorizada por eles", revela.

O pastor conta que quando o trabalho missionário iniciou na aldeia, os índios eram drogados, alcoólatras e não tinham nada. "Hoje eles têm casas arrumadinhas, roças, carros e andam bem vestidos. O local é cercado por outras aldeias. Na região de Pacarana, distrito de Espigão do Oeste já tem 40 índios convertidos", salienta.

Esses avanços são resultados de um trabalho de dois anos que iniciou com o índio Pingo Suruí que se decidiu por Jesus Cristo há 10 anos. Após cinco anos de sua conversão retornou à aldeia e começou a evangelizar. Depois disso, o missionário da Assembléia de Deus, Luiz Antonio, de Espigão do Oeste fez um trabalho de evangelismo na aldeia com a conversão de 30 índios.

Com isso foi dado continuidade ao trabalho e foi inaugurada neste ano pelo pastor Firmino dos Santos, o templo da aldeia com o nome: "Palob Ema Payterey", que significa Assembléia de Deus. Os cultos são realizados todas às terças, sábados e domingos. "No mesmo dia da inauguração do templo - que foi construído com recursos dos próprios índios - com o tema "Somos nação eleita do Senhor" houve o batismo de 49 índios e o casamento de nove casais", informa o pastor, que também é comandante da PM.

Firmino dos Santos conta que na aldeia também foi feita pelos índios uma construção de palha, "Mehar", que significa "Pequeninos de Jesus", onde são feitas as aulas da escola bíblica dominical para crianças, adolescentes, jovens e adultos. "A FUNAI depois da festa de inauguração do templo realizada no período de 19 a 21 de setembro deste ano queria que o trabalho de evangelismo na aldeia fosse retirado, inclusive com a Força do Exército. Mas os próprios índios fizeram um abaixo-assinado para que permanecêssemos e a situação foi apaziguada pela vontade e crença dos próprios índios. O vice-cacique da aldeia, Manoel Suruí também já é convertido", destaca. Conta também que o professor Alexandre Suruí, representante das Escolas Suruís na Seduc também é membro da Igreja.

Outro avanço, segundo o pasto, é que os índios estão tendo aulas de música e em torno de três meses terão uma banda com teclado, bateria, contrabaixo, guitarra e violão. "Atualmente temos grupos de jovens de louvor, grupos de senhoras de oração e grupos de crianças - todos indígenas. Hoje há credibilidade do trabalho que está sendo realizado", finalizou.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Câmara Federal aprova 50% de vagas na Universidade para alunos de ensino público

O Brasil, através de sua Câmara Federal, deu um passo importante para tentar diminuir as desigualdades sociais que existem no nosso país e que derivam em última instância do nosso horrível sistema educacional.

Digo "tentar", porque não há certeza de que a reserva de 50% das vagas em universidades públicas para alunos que venham de escolas públicas do ensino médio resolva o grande problema nacional que é a nossa calamitosa escola pública e o total desarranjo em que se situa a educação brasileira, tanto como sistema quanto como filosofia.

Digo "um passo" porque há muito mais a ser feito para melhorar nossa educação pública e mesmo nossa educação em geral. Dar um sentido maior ao professor e indicar aos jovens um caminho de dedicação à busca do conhecimento, de profundidade na leitura e de disciplinamento para o trabalho e para a vida.

Não sei se temos líderes educacionais para mostrar esse caminho. Cristóvam Buarque é a grande figura pública que tem batido nessa tecla. É necessário que haja outros com igual paixão e com discursos mais abrangentes para chamar a atenção do Brasil para repensar a sua educação.

O projeto foi votado ontem na Câmara. Foi aprovado por voto simbólico dos partidos, porque, como sempre, não havia quorum de deputados numa quinta-feira em Brasília. Viera do Senado Federal, mas foi-lhe adicionado o critério de renda mínima para os alunos que vierem da escola pública. Para se qualificar na quota de 50% o aluno tem que, além de vir de uma escola média pública, pertencer a uma família cuja renda per capita seja menor de um salário mínimo e meio. Isso vai excluir os alunos cujas famílias são mais aquinhoadas, mesmo vindo de escolas públicas. Assim, alunos dos colégios públicos ligados a universidades, como os CAPs, ou, no Rio de Janeiro, como o Colégio D. Pedro II, ou das Escolas Técnicas Federais, se tiverem renda mais alta, o que é quase sempre o caso, não estarão entre os que poderão entrar na universidade por esse sistema de cotas. Terão que ter notas compatíveis com a disputa para os outros 50% das vagas do vestibular.

O movimento favorável ao sistema de cotas para negros e índios na universidade comemorou muito. Aqueles que são contra a implantação da quota exclusiva para negros e índios, por acharem que é critério de raça tende a dividir o país, ao menos se conformaram pelo fato do principal critério ser o da escola pública e em seguida o da renda familiar, para depois vir o critério racial. Porém, o modo como foi redigido deixa ambiguidades no texto. Vai precisar de uma nova discussão entre os parlamentares, o que será feito no Senado Federal.

O que todos esperam é que essa nova lei (depois que o Senado votá-la e o presidente sancioná-la), seja o jeito que ela vier, provoque um novo vigor no ensino médio público. Esperava-se com essa idéia que a classe média fosse entrar na escola pública, e assim, talvez, levá-lo a uma melhora substantiva, mas agora que há um critério de renda, talvez ela desista da idéia e volte a disputar vagas pela metade que vai sobrar. Isto pode dar um desânimo estranho no sistema educacional brasileiro.

E vocês, alunos e professores, pais e interessados, o que acham dessa nova lei?

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

"Barraco" na Câmara Federal



Ontem, quarta-feira, dia 19/11, a Câmara Federal protagonizou em duas audiências públicas aquilo que os cariocas chamam de "barraco", isto é, gritaria, confusão, bate-boca, quebra-quebra, empurra-empurra entre pessoas que supostamente não deveriam fazer isso: deputados, presidentes de autarquia, representantes indígenas, empresários e funcionários da FUNAI.

Um dos barracos aconteceu na Comissão de Agricultura, onde o presidente da FUNAI foi alvo de duras críticas por parte de deputados de diversos estados, especialmente do Mato Grosso do Sul, mas também do Pará, Mato Grosso, Santa Catarina e Rondônia. Os argumentos foram os mais estapafúrdios possíveis, especialmente o de que a emissão de simples portarias de criação de GTs para identificar terras indígenas levaria à derrocada econômica do estado do Mato Grosso do Sul. Este argumento é de espantar qualquer pessoa racional. Mas há também aquele que diz que essas portarias estão atraindo índios do Paraguai, Bolívia e Argentina para virem morar nas novas terras indígenas a serem demarcadas. Com tais argumentos os fazendeiros perdem a razão.

Mas o problema é mesmo de falta de racionalidade, por um lado, e de falta de estratégia, por outro. A FUNAI, por força de um acordo intempestivo que fez com o Ministério Público Federal, em Dourados, há um ano, criou seis GTs para identificar terras indígenas Guarani no sul do Mato Grosso do Sul. A criação foi alardeada como se a FUNAI viesse a demarcar entre 500.000 e 1.000.000 de hectares naquela região, algo inacreditável. Os fazendeiros levam esse número para 10 milhões de hectares!

O pior é que o líder desses GTs e ideólogo dessa proeza, um antropólogo que há 32 anos vive de fazer consultoria e propostas sobre os índios Guarani, com pouquíssimo resultado a apresentar pelos seus serviços, mal desceu do avião em Campo Grande deu bombásticas entrevistas de que a partir de então os Guarani seriam redimidos de seu sofrimento pela demarcação dessas novas terras. Aí o frenesi foi total. Os Guarani criaram expectativas que evidentemente estão se esvaziando. Os GTs já foram desfeitos e seus membros voltaram às suas cidades dizendo que é impossível trabalhar no Mato Grosso do Sul com tanta resistência.

Mas não era de se esperar??!! E quem vai sofrer com tudo isso? Por certo que não os membros do GT nem a direção da FUNAI, e sim os índios que vão ficar a ver navios e vão ter que esperar mais alguns anos para terem a sua situação fundiária equacionada de outro modo.

O "barraco" nessa audiência chegou ao ponto de um deputado gritar histericamente que a FUNAI deveria ser extinta. Ao que foi vaiado pela audiência presente. Os deputados do PT que estavam defendendo o presidente da FUNAI disseram que os demais deputados estavam massacrando não só a FUNAI, mas também os índios. Enfim, a segurança foi chamada para vigiar se alguma troca de sopapos não iria se instalar. Um outro deputado quer que o presidente Lula emita uma MP para tirar da FUNAI o direito de demarcar terras indígenas e passar essa incumbência para o Congresso Nacional. De graça! E não leva nada...

O segundo "barraco" do dia se deu na Comissão de Trabalho e Administração quando uma assessora do ministro da Saúde estava defendendo a MP que apresenta a proposta de tirar a saúde indígena para colocá-la numa nova secretaria. Um índio Truká, Ailson Santos, que preside o Conselho de Saúde Indígena, fez duras críticas à proposta, e o reprentante Xavante chegou a levantar suspeitas sobre as segundas intenções da proposta, com a criação de diversas funções para novos funcionários. Ao seu lado, o diretor da Funasa que cuida da saúde indígena, Wanderley Guenka, defendia a Funasa veementemente dizendo que desde que ele virou diretor a coisa tinha melhorado muito. O mais impressionante é que o deputado-relator dessa MP declarou-se contrário à proposta dizendo que a digna e tradicional (sic) Funasa deveria manter a saúde indígena!

Ao mesmo tempo, em outra reunião, o ministro Temporão recebia uma comissão de índios que defendia o esvaziamento da Funasa, especialmente os índios ligados à Ong indígena Coiab, de Manaus. Muitos mais índios estariam a favor do ministro Temporão se ao menos ele soubesse com quem conversar e não se deixasse levar pela influência de um grupo bem menor, mas bem articulado com membros do governo. E, por fim, os índios do médio Alto Xingu que haviam prendido 12 funcionários da Funasa desde segunda-feira receberam a notícia de que serão recebidos pelo ministro Temporão na próxima segunda-feira. Esse grupo, com o apoio do ISA, quer a manutenção do convênio da Unifesp com a Funasa até pelo menos junho de 2009.

E agora, o que fará o ministro Temporão?

A situação da saúde indígena está um verdadeiro barraco. Se se fizer uma enquete entre os índios brasileiros vai dar um empate técnico. Simplesmente porque ninguém sabe direito o que pode acontecer.

Porém o ministro Temporão se comprometeu a fazer novas reuniões com os índios para decidir sobre sua participação num GT que deve definir as funções da nova secretaria.

Só esperamos que a presença dos índios seja não só dos eternos representantes de Ongs indígenas, mas que o ministro convide aqueles indígenas que trabalham em suas aldeias em prol da saúde dos seus patrícios.

Não seria mal convidar alguns indigenistas da FUNAI que têm experiência na questão da saúde. Sugiro em especial que se convide José Porfírio de Carvalho, que tem uma imensa experiência em um exitoso programa de saúde indígena entre os Waimiri-Atroari e os Parakanã.
 
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