sábado, 20 de setembro de 2008

Conversa com Aritana e Raoni sobre saúde indígena


De volta ao Rio, ao passar por Brasília quinta e sexta-feira.

Na sexta-feira fui à Funai a convite de diversos índios do Alto Xingu. Aritana, o grande cacique do povo Yawalapiti, Tabata, do povo Kuikuro, Sapain, grande pajé dos Kamayurá, Yanakulá, um líder e administrador da Associação dos Povos do Alto Xingu, e mais alguns jovens, estavam reunidos na sala da Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas. Queriam saber minha visão sobre a mudança que está para ocorrer na assistência à saúde indígena. Estavam particularmente preocupados com a possibilidade da municipalização da saúde indígena. Querem que a questão indígena continue a ser uma obrigação do governo federal!

A conversa foi animada e descontraída. Lembramos dos tempos que passei no alto Xingu, nos últimos kuarup. Aritana estava esguio e bem disposto, mas com um semblante preocupado, concentrado em nossa conversa. Sapain, que tem contato com muitas pessoas na sociedade carioca, prometeu que ia trazer Ivo Pitanguy para o próximo Kuarup. As moças da Funai se alvoroçaram. Sobre a questão da saúde, disse a todos que achava que o fato do ministro Temporão ter proposto a saída da Funasa da saúde indígena era um gesto de coragem dele e um momento de oportunidade para os índios participarem do novo modelo a ser criado. Por enquanto está tudo só em proposta.

Há um projeto de lei que estabelece a criação de uma nova Secretaria e alguns cargos de confiança, e há uma justificativa sobre a necessidade de transferir a saúde indígena para essa Secretaria.

Há também uma portaria ministerial que cria um Grupo de Trabalho para tratar da criação da nova Secretaria. Estão incluídos funcionários do MS, da Fundação Oswaldo Cruz e pronto. Mas onde está a Funai e por que os índios não foram convidados a participar?

É surpreendente que, nessa altura da questão indígena brasileira, a participação dos índios tenha diminuído nos órgãos públicos. A Funai, que no meu tempo tinha dois coordenadores indígenas e que eu planejava aumentar para cinco, hoje só tem um. Na Funasa, ninguém, só nas instâncias propriamente indígenas e nas Ongs indigenistas. Ao se criar uma profusão de conselhos indígenas, deixa-se de lado a participação dos índios nas instâncias de decisão. É o que está acontecendo no CNPI onde os índios participam mas suas idéias não encontram repercussão nos órgãos federais.

Portanto, é preciso que os índios estejam participando desse GT que vai criar o novo modelo de saúde. Quem seriam os índios, me perguntaram? Creio que deveriam ser aqueles cujas participações no modelo anterior tenham sido as mais bem sucedidas. Exatamente para poderem ajudar a apontar os erros metodológicos e buscar novas soluções.

Disse aos caciques xinguanos que eles deveriam buscar uma audiência com o ministro Temporão para falar-lhe isso. Cláudio Romero, ao lado, imediatamente se prontificou a abrir caminho para isso. Disse-lhes também que deveriam convidar outros índios, como Raoni Txukarramãe, Aniceto Xavante, Damião e outros.

Ao me despedir disse-lhes que iria almoçar com Raoni e iria conversar com ele sobre isso. De fato, pouco depois estava conversando com Raoni, Azelene, Ubirajara, Patxon, Rosane e outros. Ao lado, conversei também com Paulo Pankararu, que hoje é coordenador de Direitos Indígenas da Funai.

Raoni continua firme aos 82 anos. Está bem e sorridente, mas tem um ar pensativo. Sabe que alguma coisa importante sobre a saúde pode acontecer, tal como em 1999, e quer ter parte numa melhora. Sabe o quanto seu povo e os demais povos indígenas sofreram com a incapacidade da Funasa em prover uma assistência à altura.

Eis a oportunidade indígena, disse-lhe. Falei-lhe de minha conversa anterior com Aritana e Tabata. Ele então se dispôs a procurá-los na Funai para irem conversar com o ministro Temporão.

A presença de grandes e venerandas lideranças indígenas é importante não somente para os índios, em sua relação com o Estado e a sociedade brasileiros, como também para o movimento indígena em si. Eles têm que ser reconhecidos por aqueles mais jovens que detêm um discurso moderno e sociológico, mas carecem de experiência vivida com o mundo mais complexo da sociedade brasileira.

Desejo que a presença dessas lideranças faça uma diferença com o ministro Temporão. Ele tem que se sensibilizar pela questão indígena não só por causa dos problemas administrativos, que sei que foram os motivos principais da proposta que fez em conjunto com o Ministério do Planejamento, mas especialmente pela necessidade dos povos indígenas. Ele tem que saber que sem a participação efetiva e equilibrada dos índios nada pode ser realizado com dignidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

É revigorante saber que essas lideranças estão preocupadas, também, com a questão indígena fabricada em BSB. Tenho perdido o contanto com Brasília, mas não como minha comunidade,nessa nova fase de minha vida e tenho percebido um certo distanciamento dos "indios viajantes" com suas boas intenções em relação ao que pensam e ou sentem os índios das aldeias, na operacionalização dessas políticas geradas nos gabinetes brasilienses (seja de políticos seja de Ongs) e referendados por índios que estão mais próximos (economicamente, politicamente) dele. A sinfonia de ataques ( orquestrada em MS pelo "nosso" governador) aos direitos indígenas, parece que ter mudado de estratégia se comportando agora como a vovózinha de chapeuzinho vermelho e, é preciso estarmos alertas sobre seus passos rumo ao "diálogo" com a Funai.

 
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