quinta-feira, 21 de agosto de 2008

STF vai julgar caso Caramuru-Paraguaçu dos índios Pataxó

É com o coração na mão que comento a notícia abaixo, postada no Estado de São Paulo, de que o STF vai finalmente se pronunciar sobre a legitimidade ou não de fazendeiros que invadiram e tomaram a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, do povo indígena Pataxó Hãhãhãe e descendentes de diversos outros como os Baenan, os Mongoió e os Kiriri-Supaya.

Essa terra foi demarcada em 1937 pelo estado da Bahia quando ainda era necessário a aceitação dos estados para a demarcação de terras indígenas, um pouco antes do decreto presidencial que transformou as terras indígenas em terras da União e sob a sua responsabilidade.

Os índios Pataxó, bem como os Baenan, Mongoió, Kiriri e outros viviam na região do rio Prado que estava sendo alvo de expansão da lavoura cacaueira. Vide os livros de Jorge Amado que tratam dessa região e da cultura violenta formada desde fins do século XIX.

Já sabedor das mortes que estavam ocorrendo na região o SPI contatou diversos grupos Pataxó e Baenan por volta de 1926 através de um eminente sertanista, Teófilo Cavalcanti, que devotou grande parte de sua vida a esses povos. Depois da Revolta dos Comunistas, em novembro de 1935, o governo começou a perseguir tanto os comunistas quanto seus simpatizantes e outros que nem simpatizantes eram mas que, de algum modo, faziam coisas que iam contra os desígnios das elites locais.

Foi o que aconteceu nesse caso. Em 1937, uma tropa militar do governo da Bahia foi enviada contra os Pataxó agrupados numa aldeia cuja terra indígena estava em processo de reconhecimento e demarcação. O ataque militar provocou a morte de muitos índios e a fuga dos demais, à frente deles o sertanista do SPI. Os Pataxó e demais índios se esparramaram pelo Brasil, alguns foram bater no Paraná. Os que ficaram sobreviveram anos a fio como agregados dos fazendeiros que rapidamente se apossaram daquelas terras, cerca de 54.000 hectares.

Até que, a partir da lei do Estatuto do Índio (promulgada em 1973) e da renovação do indigenismo da Funai, com a entrada de jovens indigenistas, os descendentes dos Pataxó passaram a frequentar a Funai, em Brasília, e apelar por ajuda para seu retorno à terra natal. Aos poucos grupos de diversas partes do país foram retornando. A retomada da primeira aldeia, onde era exatamente o Posto Indígena Caramuru, foi feita por volta de 1978 (que me corrijam os especialistas no caso). Foi uma retomada gloriosa da aliança entre os índios e o indigenismo brasileiro. Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira e outros foram de extrema importância nessa retomada.

Em 1982 a Funai entrou com uma ação requisitando a anulação dos títulos dos fazendeiros invasores. A ação foi bater no STF no mesmo ano. Desde então, essa ação vem sendo passada de mão em mão por diversos ministros do STF sem que nenhuma deles tenha tomado maior providência do que pedir novos dados, novos argumentos, mandar a Funai contratar e pagar peritos agrônomos a custos altíssimos, conforme eu mesmo como presidente da Funai tive que pagar uma segunda prestação de um serviço em 2003.

Quantas vezes os índios Pataxó Hãhãhãe já não foram ao STF, por si mesmos, com a ajuda de políticos de todas as legendas e nada! Eu conversei por diversas vezes com os dois ministros que tiveram essa ação em suas mãos durante minha presidência, o próprio Nelson Jobim e o ministro Eros Grau.

Agora o ministro Eros Grau, cumprindo sua promessa feita a mim em janeiro de 2007, agenda para o dia 3 de setembro a leitura de seu voto no STF. Alguns dias depois da decisão que o mesmo STF fará sobre a manutenção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O que esperar do voto do ministro Eros Grau? Será que ele vai reconhecer os legítimos direitos dos Pataxó e o sofrimento que passaram? O que esperar do STF? Será que a decisão sobre Raposa Serra do Sol vai criar uma jurisprudência que atinja a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu?

O caso dos Pataxó Hãhãhãe é, na minha opinião, o mais dramaticamente injusto de todos os casos da recente história indígena brasileira. Os Pataxó e Baenan foram contatados em 1926, sofreram enormes perdas populacionais, viram seu território reduzido e, ainda por cima, onze anos depois, estavam expulsos das terra que lhes haviam sido consignadas.

O caso Pataxó precisa ser visto à luz da injustiça que lhes foi imposta e também desse sofrimento longo e persistente provocado pelo estado brasileiro, tanto o federal quanto o estadual.

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Ação que tramita há 26 anos pode ter definição

FUNAI contesta concessão de títulos de posse do governo da Bahia em áreas da reserva no Estado


O Estado de São Paulo, por Mariângela Gallucci

O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que vai decidir na próxima semana o conflito em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes, o julgamento servirá de exemplo para outras áreas indígenas do País. A votação poderá basear inclusive o julgamento de uma ação que tramita há quase 26 anos no Supremo sem solução.

Proposta pela FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), a ação pede a anulação de títulos de posse concedidos pelo governo da Bahia em áreas da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, localizada no sul do Estado. O Ministério Público Federal deu um parecer favorável à ação.

De acordo com informações do Ministério Público, a área tem 54 mil hectares delimitados e demarcados como de uso exclusivo dos índios pataxós hã-hã-hãe. A demarcação foi feita com base em uma lei estadual de 1926, mas, de acordo com o Ministério Público, a área foi gradativamente ocupada e arrendada a fazendeiros.

O Ministério Público sustenta que a disputa em torno da propriedade tem provocado conflitos na região, com mortos, feridos e desaparecidos.

Nos últimos anos, líderes dos índios estiveram em Brasília para pedir uma solução para o caso. Uma dessas comitivas veio à capital federal em abril de 1997. Nela estava o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. Na ocasião, ele foi incendiado por jovens de classe média e morreu. O fato teve repercussão nacional e internacional e os jovens foram condenados pelo Tribunal do Júri de Brasília.

Em abril deste ano, o atual relator da ação sobre a reserva indígena na Bahia, ministro Eros Grau, pediu que o processo fosse incluído na pauta de julgamentos do plenário do Supremo. A ação entrou na pauta dos temas relacionados à ordem social. A previsão é de que o julgamento ocorra no dia 3 de setembro.

"As provas decorrentes dos estudos etno-históricos desenvolvidos pela FUNAI e por perícias judiciais convergem para comprovação da ocupação tradicional dos índios pataxó hã-hã-hãe e sua expulsão de parte de seu território, nos municípios de Itajú do Colônia, Camacan e Pau Brasil, no Estado da Bahia", sustentou o Ministério Público no parecer enviado ao STF. "Concluiu-se que a presença dos índios na região é tradicional, tendo sido registrada nos primeiros documentos históricos sobre a ocupação indígena do nordeste brasileiro e permanecendo os índios na região e vinculados a todo seu território tradicional", concluiu.

O julgamento da ação sobre a reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu deverá ocorrer uma semana após o STF definir a demarcação da Raposa Serra do Sol. Os ministros do Supremo estão empenhadíssimos em solucionar o conflito de Roraima. Em maio, Mendes viajou para o Estado com os ministros Ayres Britto e Cármen Lúcia para conhecer a área. Os três ministros realizaram um sobrevôo para avaliar a situação do local.

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