sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A luta pela Raposa Serra do Sol continua

O brilhante voto do ministro Ayres Britto talvez não tenha sido abrangente o bastante para convencer alguns ministros do STF a seguirem-no.

É o que quer demonstrar matéria do jornal O Estado de São Paulo, de hoje, com declarações em off de quatro ministros do STF. Ao que parece, alguns ministros criticaram o voto do ministro-relator chamando-o "romântico" e "superficial".

O rescaldo da sessão de quarta-feira, dia 27/08, vem demonstrando que as partes estão armando seus acampamentos de guerra.

Os contrários ao voto do ministro Ayres Britto o estão fazendo através da veiculação em jornais das idéias de diversos intelectuais de direita e das notícias alarmantes dos mesmos argumentos que vinham brandindo, os quais o voto de Ayres Britto poderia ter dissipado. A notícia abaixo tem cheiro dessa artimanha. Outras matérias em jornais de hoje também revelam a preocupação dos contrários em pôr os índios na berlinda, seja como falsos inocentes que ficam garimpando ilegalmene em suas terras (Folha de São Paulo), seja como potenciais traidores da pátria (O Estado de São Paulo). Também o Estado brasileiro está sendo e vai continuar a ser fustigado pela incapacidade de cuidar devidamente da assistência e do desenvolvimento dos povos indígenas. Tudo para criar uma imagem negativa dos índios no Brasil.

Por sua vez, os favoráveis ao voto do ministro-relator, que têm menos poder na mídia, escrevem em Blogs, dão entrevistas e planejam manifestações por várias cidades do Brasil para levar a causa da preservação da homologação contínua da T.I Raposa Serra do Sol a nível de consciência nacional. Só espero que não se invente de fazer manifestações no Exterior!

As opiniões estão formadas de um jeito tal que não adiantam argumentos dissuasórios nesse momento. A não ser que sejam argumentos de um nível superior aos que estão sendo veiculados até agora. Por enquanto, esses argumentos estão dormentes e cada facção está entricheirada, vivendo de suas próprias energias e atirando a esmo.

Assim não dá! A iminência de continuação de conflitos está visível por todos os lados. Se bem que, por enquanto, os militares estejam calados, suas vozes sendo faladas através de interpostos terceiros.

A grande verdade é que a questão indígena é mais complexa do que pensam aqueles que só a penetram superficialmente. Armam visões puramente românticas ou puramente pragmáticas ou puramente cínicas do relacionamento entre o mundo indígena e o mundo não indígena. Uns têm uma visão imanente do relacionamento entre os índios e a terra, outros uma visão colonial. Os que acreditam que a história se faz por confrontos, pacíficos ou violentos, frequentemente só a interpretam pelo que aconteceu ou está acontecendo, sem tentar antecipar o que poderá vir a ser.

De todo modo, a história e as decisões políticas são sempre tomadas no turbilhão dos acontecimentos, os quais nem sempre são bem aquilatados. O fato é que a questão Raposa Serra do Sol está no STF, que é um microcosmo de posições parciais sobre a questão indígena, e será daí que surgirá a saída. Talvez daí venham a surgir novos e brilhantes argumentos conciliadores. Porque, se não assim o forem, qualquer decisão do STF não resolverá a questão a contento das partes litigantes.

O grande problema é que se armou nacionalmente um espírito anti-indigenista impressionante. O anti-indigenismo sempre existiu no Brasil, mas em círculos relativamente pequenos. Ele aumenta em momentos de crise de relacionamento entre a sociedade brasileira e os povos indígenas. Antigamente era porque os índios desafiavam o status quo da sociedade brasileira. Hoje é porque as Ongs indigenistas abriram um flanco de dúvida e perplexidade na atitude mormente positiva que a maioria dos brasileiros tem para com os índios, ao forçar a Funai a posições de radicalização, como no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina, e elevaram os ânimos contrários.

Nesse sentido, a derrubada da homologação de Raposa Serra do Sol tornou-se um ícone do movimento anti-indigenista. Ícone porque a CNA (Conselho Nacional de Agricultura) pouco importa com os arrozeiros de Roraima, algo insignificante entre seus membros poderosos. Roraima e aquelas terras em disputa pesam pouquíssimo no cálculo financeiro e político da CNA. Mas a liberalização das terras indígenas de Raposa Serra do Sol virou o bastião da defesa da "propriedade privada" dos novos senhores rurais brasileiros. Vencer lá significa vencer em todas as partes.

Curiosamente, e, na minha opinião, equivocadamente, este vem sendo o mesmo teor dos argumentos do indigenismo brasileiro. A perda de Raposa Serra do Sol, de qualquer porção dela, é vista como o desastre do indigenismo brasileiro. As Ongs e o Ministério Público tem alardeado isso de forma messiânica. O movimento indígena segue-lhes mansamente. A antropologia chapa-branca brasileira faz coro e dar ares de santificar essa posição.

Falta Política com P maiúsculo para resolver essa parada!

O STF é, apesar de jurídica, uma corte política. Quer dizer, ela serve para dirimir questões quando essas questões não podem ser resolvidas pelos argumentos e confrontações pacíficas. Portanto, o STF é quem vai resolver essa grande questão nacional, sobrepujar as diferenças. Para isso, o que não pode acontecer no STF é os ministros decidirem seus votos por argumentos falaciosos, alguns dos quais o voto de Ayres Britto já rebateu com grande clareza. Por exemplo, a questão da soberania nacional em relação à presença de terra indígena em faixa de fronteira me parece que foi habilmente rebatida. A ilegitimidade das fazendas de arroz é patente, mas não a de velhos moradores, com fazendas centenárias em alguns pontos da região. Se bem que a maioria dessas pessoas aceitou os termos de indenização e se retirou amigavelmente. A disputa entre facções indígenas precisa ser equacionada antropologicamente, mas sem usar de índios mamelucos como intermediários, como é o caso de um tal José Brazão, que é índio Baré, do rio Negro, e que se faz de líder dos índios contrários ao CIR. Nesse aspecto os índios não querem tocar, na expectativa de que, uma vez resolvida a questão, eles se entenderão por si mesmos.

Enfim, o pedido de vista suspendeu a questão mas não a disputa.

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Ministros divergem de relator e admitem idéia de reduzir reserva

O Estado de São Paulo, por Felipe Recondo e Mariângela Galucci, de Brasília

Consultados pelo 'Estado', 4 dos 11 ministros mostraram-se propensos a fazer ressalvas ao voto de Ayres Britto

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consultados pelo Estado adiantaram ontem que podem diminuir a área destinada à reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para deixar livres para as Forças Armadas as faixas de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. A demarcação permaneceria da forma contínua, como determinou o governo, mas o tamanho da reserva seria reduzido.

A decisão nesse sentido contrariaria o voto do relator da ação, contra a demarcação, ministro Carlos Ayres Britto, que manteve a delimitação da reserva nos moldes originais. Quatro dos 11 ministros se mostraram propensos a fazer ressalvas ao voto de Britto, que foi classificado por um colega de "romântico" e visto por outros como superficial - mesmo tendo 108 páginas. Para que sejam feitas alterações na reserva são necessários 6 votos. Os demais membros do Supremo preferiram não se pronunciar, mesmo reservadamente.

Os ministros que atenderam à consulta do Estado analisam que, da forma como foi feita a demarcação, a soberania do País estaria comprometida. Um deles disse que o voto, se mantido, é um "passo para o separatismo" de índios e brancos.

Isso porque os índios que ocupam a região têm parentes dos dois lados da fronteira (no Brasil e na Venezuela) e trafegam livremente para os dois lados. Nem mesmo a determinação do governo de que batalhões do Exército sejam instalados na área convence esses ministros. Um deles, que esteve em Roraima, afirmou que o Exército se vê obrigado a fazer convênios com índios para que tenham a entrada nas terras facilitada.

DECLARAÇÃO

A preocupação desses ministros é reforçada com a assinatura pelo Brasil da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas (ONU). Por esse documento, os índios podem decidir livremente sua condição política, têm liberdade para estabelecer relações com povos do outro lado da fronteira e dispõem de autonomia para decidir assuntos internos.

Apesar de o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ter declarado que a presença dos índios não atrapalha a ação dos militares na fronteira, os integrantes do Supremo se mostraram sensíveis aos argumentos de parte do Exército, contrária à demarcação.

Em seu voto, o relator da ação foi duro ao tratar dessa suposta ameaça à soberania do Brasil. Ele classificou como tentativa de desviar o foco da discussão o argumento de que a ocupação pelos índios poderia atentar contra a soberania nacional.

"Não é por aí que se pode falar de abertura de flancos para o tráfico de entorpecentes e drogas afins, nem para o tráfico de armas e exportação ilícita de madeira. Tampouco de perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio de foco ou cortina de fumaça para minimizar a importância do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazônia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras", afirmou Ayres Britto durante o julgamento.

O relator foi o único dos 11 membros do Supremo a votar na sessão de quarta-feira. Depois do voto de Ayres Britto, o ministro Carlos Alberto Direito pediu vista do processo, o que adiou o julgamento para data indeterminada. O regimento do STF determina que o processo deve ser devolvido para a retomada do julgamento em até 20 dias, mas esse prazo pode ser descumprido.

SOBERANIA

Na retomada do julgamento, Direito será o primeiro dos ministros a suscitar a preocupação com a soberania do País e deve abrir a divergência em relação ao voto do relator.

Apesar de admitirem a possibilidade de manter a demarcação contínua, alguns ministros afirmaram ser necessário descobrir que terras eram ocupadas pelos índios à época da demarcação. Se ficar evidenciado que determinadas faixas não eram ocupadas pelos índios, admitiram dois ministros, podem propor a exclusão dessa extensão de terra da reserva demarcada.

De acordo com um dos ministros - que conhece a região -, as terras ocupadas pelos arrozeiros não seriam povoadas pelos índios e por isso não haveria razão para que fossem integradas à reserva.

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