quarta-feira, 25 de junho de 2008

Morre Ruth Cardoso


A antropóloga e ex-primeira dama, Ruth Leite Cardoso, faleceu ontem, em sua casa, vítima de arritmia cardíaca. Ruth Cardoso, como era chamada no meio antropológico, se destacou sobretudo por seu trabalho sobre a aculturação dos japoneses em São Paulo, além de ser uma professora muito querida entre seus alunos. No meio político, conhecida como Dona Ruth, ela foi responsável pela criação do programa de governo Comunidade Solidária, que buscava envolver a sociedade civil nos trabalhos de assistência a comunidades carentes.

Nesse Blog foi postado em outubro do ano passado uma entrevista de Ruth Cardoso ao jornal Folha de São Paulo na qual ela defende as Ongs da saúde indígena diante da campanha que estava sendo feito contra elas. Ruth achava que a saúde indígena deveria ficar com a Funasa nos moldes atuais, isto é, pelo processo de terceirização. Ela ainda achava que não era propriamente dever direto do Estado prover saúde aos índios. O modelo de terceirização lhe parecia conveniente, apenas ponderava que deveria haver metas bem definidas a cumprir, junto com uma cobrança rigorosa e fiscalização. Foi por sua intervenção que, por um simples decreto presidencial, a saúde indígena passou da Funai para a Funasa, em 1999.

Lembro-me de Ruth por ocasião da reunião que nós antropólogos fizemos em abril ou maio de 1978, na USP, para definir nossa estratégia de lutar contra o projeto de emancipação dos índios que o governo Geisel estava propondo apresentar como um simples decreto. A reunião teve a presença de muitos antropólogos da USP, Unicamp, PUC-SP, Museu Nacional, Santa Catarina e outras universidades. Foi o início de uma campanha nacional que juntou todos os antropólogos, agregou novos simpatizantes, como o advogado Dalmo Dallari, e teve a presença carismática de Darcy Ribeiro, que voltava do exílio. Naquela reunião, alguns antropólogos, especialmente Roberto Cardoso de Oliveira e Roque Laraia, tinham a opinião de que se deveria negociar com o governo, mas Ruth Cardoso foi veemente na defesa da estratégia de se opor a esse projeto governamental.

Hoje discutir emancipação é algo fora de lugar. Muitos procuradores, juristas e antropólogos consideram que a Constituição de 1988 e o Código Civil tornaram sem efeito a tutela do Estado para com as populações indígenas, isto é, emanciparam os povos indígenas, mesmo aqueles que não têm conhecimento adequado do sistema cultural e jurídico da sociedade brasileira. Por sua vez, algo ainda mais poderoso está sendo aberto para os povos indígenas: o poder de auto-determinação. Porém, naquela época era importantíssimo ser contra esse projeto, pois o que estava por trás era a intenção de retirar pura e simplesmente, abruptamente, a tutela do Estado, deixar os índios sem proteção estatal, vulneráveis às injunções de seus inimigos, transformá-los em cidadãos liberais sem maiores explicações e, conseqüentemente, propiciar a abertura das terras indígenas para o mercado através de sua regularização parcelada como propriedade privada.

Ruth Cardoso era uma pessoa marcante entre seus colegas da USP e no meio antropológico, bem como entre os políticos com quem conviveu durante os muitos anos de vida política de seu marido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

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