domingo, 27 de abril de 2008

O que pensa Aldo Rebelo sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol

O deputado Aldo Rebelo, grande figura no Congresso Nacional, possível candidato à prefeitura de São Paulo, membro do Partido Comunista do Brasil, apresenta nessa entrevista em O Estado de São Paulo sua visão da questão Raposa Serra do Sol.

Não dá para deixá-lo falando sozinho. Aldo merece nosso respeito, mesmo tendo uma visão tão simples do processo de demarcação de terras indígenas e da questão da presença dessas terras em nossas fronteiras.

Aldo Rebelo é um nacionalista ferrenho. Nascido em Alagoas, numa fazenda, filho de vaqueiro, fez-se homem por seu próprio mérito. Embora não acredite na ideologia americana do self-made man, Aldo vê o Brasil como um país que, nas frechas de um sistema de classes rígido, quase de castas, pode haver oportunidades para aqueles que sabem fazer a hora e se alçar no panorama nacional, tanto político como econômico.

Aldo leu seu Casa Grande e Senzala, seu Raízes do Brasil, seu O Povo Brasileiro, seu Formação do Brasil Colonial, seu Formação Econômica do Brasil, seu A Revolução Burguesa no Brasil, esses grandes livros de análise e de esperança no Brasil, respectivamente de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes.

Aldo não acredita mais em revolução comunista, como acreditava antes, mas acredita no Brasil como um país que um dia trará igualdade e felicidade para seu povo, sendo esse povo protagonista de sua história. Eis as bases fundamentais do pensamento do deputado Aldo Rebelo.

No que eu concordo em 90%. Porém, os 10% que faltam são essenciais para uma compreensão melhor do que é o Brasil e do que ele poderá vir a ser. Nesse sentido, redimir a história do Brasil em relação aos povos indígenas é essencial, é o primeiro grande passo para o Brasil ter um encontro consigo, abrir todo seu potencial de grande nação, e esse trabalho começa com a garantia das terras indígenas que podem ser obtidas, resgatadas e consignadas como de direito pleno aos povos indígenas concernentes.

O deputado Aldo Rebelo é um homem corajoso, fala o que pensa, não teme ser identificado como um homem anti-indígena. Ele se declara pró-brasileiro! Mas falta-lhe a compreensão superior da formação do Brasil como povo e como cultura. Grande leitor que é, ele precisa ler alguns livros essenciais sobre a história dos povos indígenas. Assim, poderá vir a compreender que os povos indígenas foram fundamentais na formação do povo brasileiro, mas continuam sendo, aqueles que sobreviveram como tais, e que querem se manter como povos com culturas específicas. Eles contribuem na defesa e proteção do meio ambiente (apesar de alguns indígenas venderem madeira) e eles contribuem como exemplos de povos diferenciados que vivem em nosso país, falando 180 línguas distintas, detendo 13% do território nacional e sendo reconhecido pelos demais brasileiros como os "primeiros brasileiros".

Os povos indígenas são brasileiros pela constituição brasileira, mas o são também por afinidade e por amor, por lealdade e por vontade própria. Seus territórios em fronteiras não põem em perigo a soberania nacional. Se assim pensa a maioria dos militares brasileiros, o diálogo entre eles e os índios tem que ocorrer. Imediatamente!

A entrevista do deputado Aldo Rebelo vem a seguir.


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'O Exército não pode desterrar os não-índios'

Para Aldo, União não pode simplesmente declarar extinção de municípios e solucionar conflito com exclusão de uma das partes

Rui Nogueira

No debate em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o alagoano José Aldo Rebelo de Figueiredo, 52 anos, é uma voz imbuída do espírito de José Bonifácio (1763-1838), o patriarca da independência que propunha a “intransigência na causa, mas com flexibilidade nos caminhos”. Aldo Rebelo (PC do B), deputado representante de São Paulo desde 1991 na Câmara, deve ser o paulista por adoção política que mais conhece a reserva indígena e que mais andou pela calha do Amazonas.

Consolidou, por isso, um caminho que, a grosso modo, passa ao largo do nacionalismo alarmista e da antropologia paternalista. Nesta entrevista, ele pede que se protejam os índios da reserva demarcada em abril de 2005 pelo presidente Lula, mas que não se use o Exército para “desterrar” os não-índios como se eles fossem menos brasileiros que os demais brasileiros. A Operação Upakaton 3, da Polícia Federal, para retirar do 1,7 milhão de hectares os não-índios, está suspensa até que o Supremo Tribunal Federal (STF) tome uma decisão sobre o assunto.

Qual é a essência do problema do conflito em Roraima, na reserva Raposa Serra do Sol?

Nós reduzimos o problema a um duelo de pontos de vista sobre se a demarcação contínua é certa ou errada. O certo é que a situação expõe razões que, se consideradas isoladamente, deformam o todo. O que nós queremos? Impor uma derrota aos índios que reivindicam a demarcação contínua? Queremos derrotar os que defendem a demarcação em reservas ilhadas? Simplesmente não corresponde à verdade dizer que há ali, na região, apenas meia dúzia de arrozeiros. Quem já esteve lá, e eu estive lá mais de uma vez, e quem leu o relatório da Comissão Externa da Câmara (leia abaixo) sabe e viu como foram construídos aqueles municípios dos não-índios em Roraima. Tem gente que chegou lá no século 19 e no início do século passado.

O sr. tem falado em “erro geopolítico” e “paroxismo” envolvendo a política da demarcação da reserva.Explique.

Se não conseguimos julgar uma política com antecedência, devemos, então, julgá-la pelas conseqüências. E a conseqüência do que está acontecendo em Roraima é a instalação de um grave conflito entre populações do mesmo País.

O sr. acha que o Exército está sendo usado para fins políticos?

O Exército pode dar proteção a participantes de uma conferência internacional, no Rio, por exemplo, contra o crime organizado. Mas o Exército não pode ser usado para proteger as populações indígenas brasileiras e, ao mesmo tempo, desterrar populações não-índias e igualmente brasileiras. Pior: o Exército costuma ser barrado quando quer entrar numa reserva.

Isso é paradoxal. E a questão geopolítica?

Há populações na região da Reserva Raposa do Sol que vivem ali muito antes de parcela das populações indígenas que atravessaram as fronteiras vindas de guerras tribais do Caribe. Creio que devemos receber e acolher essas populações indígenas juntamente com as populações indígenas que já existiam no Brasil. Mas devemos acolher, também, os brasileiros não-índios que ali chegaram há muitos anos e ali construíram suas vidas. Como é que nós podemos simplesmente, em um processo de demarcação, declarar a extinção desses municípios, que é o caso do município de Normandia, que é de 1904, Pacaraima e mesmo Uiramutã. O de Uiramutã, nós (os parlamentares) conseguimos retirar da lista de extinção em meio a uma negociação difícil. As pessoas tinham ali as suas raízes, a sua infância, suas famílias, sua história. A prefeita de Uiramutã me contou que o avô dela chegou ali em 1908. Como é que nós vamos promover o desterro dessa população? A decisão embute um erro geopolítico. Quem não considera isso um problema grave não está considerando o conjunto do problema. Nós não podemos buscar a solução para o conflito com a exclusão de uma das partes.

Os índios ainda são vítimas de uma incompreensão generalizada da sociedade branca?

Ainda que algumas pessoas não gostem de ouvir o que vou dizer, o certo é que o índio, no imaginário da sociedade brasileira, tem uma imagem positiva. As nossas cidades não estão cobertas de monumentos a exterminadores de índios, como estão as cidades norte-americanas. Não temos um herói como Buffalo Bill. Quando eu era menino, lembro que nos desfiles da escola havia sempre um grupo que desfilava representando os índios do País. Eu desfilava com orgulho, apesar de ser um pouquinho mais branco, nesse grupo que representava os índios.

Mas é comum ouvir que os dias de hoje continuam a refletir o início de uma história de colonização, de 500 anos atrás.

Essa é uma visão pessimista e derrotista do nosso processo histórico. Sou mais otimista, sem deixar de ver que a nossa história é carregada de erros e deformações, mas também é cheia de virtudes e acertos. É claro que ainda há incompreensões para com a população indígena, mas também há incompreensões para com as populações não-indígenas, caboclas, miscigenadas que vivem, no caso da reserva Raposa Serra do Sol, em áreas próximas às dos índios.

O que é, então, uma decisão minimamente justa para esse caso?

A responsabilidade da Nação, do Estado, dos intelectuais deve ir no sentido de compatibilizar a proteção e segurança das populações indígenas com a mesma proteção e segurança a conceder às população não-indígenas.

O sr. trata índios e não-índios como brasileiros, mas a antropologia pensou a demarcação como modo de preservar o diferente.

Eu sou tributário da minha formação marxista, da luta pela igualdade. Hoje, há uma grande parcela da esquerda que, depois de capitular diante das dificuldades para transformar o mundo, dedica mais esforço a cultuar e a reforçar a diferença, em vez de buscar a igualdade. Sei que isso tem peso muito grande na formação das opiniões sobre, por exemplo, convivência étnica. Mas a realidade em Roraima não se manifesta assim, eu sei porque vi, percorri toda aquela calha da fronteira, entrei nas áreas indígenas.

O sr. viu o quê?

Fui a uma reserva ianomâmi, perto de um pelotão de fronteira do Exército, e visitei uma maloca. Me deparei com umas 50 famílias convivendo dentro de um ambiente fechado, de penúria. Muitos fogos dentro da maloca para as famílias assarem bananas e mandiocas, muita poluição, muita fuligem, um ambiente com incidência muito grande de doenças infecciosas. Até tuberculose. Fui recepcionado por uma moça de uma organização não-governamental, a ONG Urihi. Perguntei por que não se puxava do pelotão água e luz para dentro da comunidade indígena, o que daria mais conforto à população. A moça da ONG disse que não, que isso ia deformar o modo de vida dos índios. Nessa visita, o comandante militar que estava comigo não pôde entrar na área indígena. Um grupo de crianças jogava futebol, e eu joguei um pouco com elas. Comentei com a moça da ONG: “Pelo menos o futebol é um fator de integração, pois todos torcemos pela mesma seleção.” A moça me respondeu: “Não. O senhor torce pela seleção brasileira, e os índios torcem para a seleção deles.” Nada mais falei e nada mais perguntei.

Isso é sintoma do quê?

Vi que havia ali uma incompreensão. Em outro município, perto do Pico da Neblina, as ONGs barraram, com a ajuda do Judiciário, uma construção do Exército. Só depois que a decisão foi revogada na Justiça é que o Exército pôde fazer a obra.

Há mesmo índios que querem conviver com os não-índios?

Uma parcela dos antropólogos defende, com razão, que a cosmogonia dos índios, a visão de seu surgimento e da evolução do universo, é incompatível com a convivência com os brancos e seus costumes. O problema em Roraima é que os índios já estão, de certa forma, integrados. As meninas índias de 15, 16 anos não querem viver mais da pesca, da coleta, não querem andar pela floresta com roupas tradicionais. A aspiração é ter uma vida social, vestir-se como se veste um adolescente. O isolamento para essas pessoas é uma ameaça, é a perda da possibilidade dessa convivência. A cosmogonia tem valor para as populações que não tiveram contato com os não-índios.

É alarmista falar da cobiça internacional sobre a Amazônia?

As manifestações em favor da submissão da Amazônia a uma espécie de tutela internacional só podem causar repulsa aos brasileiros com um mínimo de dignidade. As declarações e os estudos cobiçando a Amazônia são reais, desde o século 17. Dom Pedro 2º, numa carta à Condessa de Barral, já explicava por que não atendeu ao pedido de um conterrâneo meu, o então deputado Tavares Bastos, para abrir a calha da Amazônia à navegação estrangeira. Se fizesse isso, disse dom Pedro, iríamos ter protetorados na Amazônia iguais ao que foram criados na China pelas potência estrangeiras. Sabia o que estava em jogo.

Qual é o desconforto objetivo que a demarcação contínua da Raposa do Sol provoca no Exército?

O desconforto vem das restrições e das campanhas que se fazem dentro e fora do País contra a presença das Forças Armadas nas áreas indígenas.No caso da reserva Raposa do Sol, se a demarcação incluir os 150 quilômetros da terra que corre junto à fronteira da Guiana e da Venezuela, a ação do Exército fica muito dificultada, a fronteira não poderá ser vivificada. A melhor forma de controlar uma região fronteiriça é construir municípios na área, povoá-la, preenchendo-a com a presença de brasileiros índios e não-índios, gente que trabalhe, produza, que gere atividade econômica, política, social e cultural.

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