quinta-feira, 17 de abril de 2008

Jornalista defende Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Sobre Raposa Serra do Sol, faço minhas, nesse momento, as palavras do articulista da Folha de São Paulo, Jânio de Freitas

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JANIO DE FREITAS

Uma visão sem reservas
Conflitiva é a presença de não-índios nas áreas indígenas, e não a demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol

A OFENSIVA CONTRA a efetivação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, passados já três anos de sua homologação e dezenas de outros para que fosse homologada, funda-se mesmo é na velha concepção que há 500 anos trata o índio como ser desprezível e exterminável, ainda hoje aquém dos seres beneficiados pelo recente modismo de defesa da vida animal.

Os argumentos que unem, agora, alguns magistrados do Supremo Tribunal Federal à idosa oposição do Exército às reservas indígenas não são mais convincentes do que os opostos aos Villas Bôas, por mais de 20 anos, na criação da Reserva do Xingu, e aos defensores de outras áreas para os sobreviventes do extermínio.

O próximo presidente do STF, Gilmar Mendes, é objetivo: "A reserva contínua é muito conflitiva. Prefiro discutir o modelo alternativo, de ilhas de reserva indígena. O que não pode é você criar um Estado e depois criar uma reserva que tenha 50% ou 60% do seu tamanho [do Estado]".

A antropologia já deu todas as respostas à sempre repetida pregação, em todos os casos de projetos de reservas, de divisão das áreas necessárias à sobrevivência biológica e cultural do indígena em vida tribal. Conflitiva, porém, não é a continuidade ininterrupta de Raposa/Serra do Sol ou de qualquer reserva, é a presença de ocupantes não-indígenas das áreas indígenas.

Ocupantes, quase sem exceção, por invasões ou por compra a invasores de terras da União e do respectivo Estado. Para extração ilegal de madeiras nobres, desmatamento para pastagens e agricultura extensiva como soja e arroz, entre outras, e para garimpo e várias explorações minerais.

Demarcada no governo Fernando Henrique e homologada no governo Lula, a área para Raposa/Serra do Sol não ocupa 50% ou 60% do Estado de Roraima. É um recanto no extremo norte, não se interpõe na fluência do território estadual, habitado por 20 mil índios, e cobre apenas 1,67 milhão de hectares em 22,430 milhões de hectares. Logo, 7,4% do território. Mas, de qualquer modo, ainda que uma reserva ocupe metade de território estadual, para preservar riquezas em bens naturais e em vidas humanas, por que não deveria existir? Ainda mais em um país do tamanho brasileiro?

A perda de parte de um Estado não é necessariamente negativa e tampouco seria novidade. O ministro Gilmar Mendes é natural do ex-Mato Grosso, hoje dividido quase meio a meio em dois novos Estados. Goiás gerou, com quase metade, o também recente Tocantins. Roraima, Rondônia, Amapá são outros desmembramentos. A rigor, todos os limites provêm de seccionamentos territoriais, por diferentes motivos. E não há dúvida de que, do ponto de vista administrativo, as dimensões dos Estados do Norte e do Centro-Oeste foram um dos motivos da permanente insuficiência dos governos para provê-los, no mínimo, do fundamental.

A oposição do Exército considera que a reserva expõe a fronteira a invasões e à perda de soberania do Brasil sobre parte do seu território. Se o único trecho da fronteira norte, para não falar das fronteiras oeste e noroeste, aberto a invasores fosse o correspondente a Raposa/Serra do Sol, ainda assim o argumento seria frágil. Porque o Brasil não cede sua soberania ao conceder uma reserva indígena, assim como não o faz com reservas florestais e marinhas. Reservas não impedem nem desobrigam as Forças Armadas de zelarem, como possam, pelas fronteiras e pelo território. Não têm podido muito, ou têm podido muito pouco, mas não por causa de reservas próximas ou em fronteiras.

Uma reserva é menos fechada à entrada de militares do que as inúmeras propriedades privadas, inclusive estrangeiras, que percorrem o território brasileiro nas fronteiras. E não são vistas como portas abertas a invasões. Não são habitadas por indígenas. Há propriedades fundiárias, mesmo estrangeiras, que ocupam municípios. Não são áreas indígenas. Então, não há problema de descontinuidade territorial, de soberania, de tamanho da área -não há problema, ponto. Há 500 anos.

4 comentários:

Dimas Mendes Jr. disse...

CARO PROFESSOR,
COMO LIDAR COM ESSA QUESTÃO SEM OBSERVARMOS, PELO MENOS NESTE CASO, A RELEVÂNCIA CLARA DA QUESTÃO POLÍTICA QUE ENVOLVE O CASO. PARECE CLARO QUE CERTAS ARTICULAÇÕES DE CUNHO NADA ANTROPOLÓGICO, IRÃO DEFENIR A SITUAÇÃO. A MEU VER, A VISÃO DO ANTROPOLÓGO NÃO DEVERIA IMISCUIR-SE DEMASIADAMENTE, PRIMEIRO PARA PRESERVAR A PRÓRPIA DISCIPLINA QUE TEM COMO OBJETO A ETNOGRAFIA/ ETNOLOGIA DOS POVOS EM QUESTÃO, E SEGUNDO POR QUE O FATO PEDE UMA ABORDAGEM A MEU VER MENOS SUBJETIVA E MAIS PRAGMÁTICA, LEVANDO EM CONTA AS ESPECIFICIDADES DO CASO. DA MESMA FORMA QUE A ANTROPOLOGIA TEVE QUE ENCONTRAR MEIOS DE DAR CONTA DA INTERPRETAÇÃO E SOLUÇÃO DE PROBLEMAS ESPECÍFICOS NOS QUAIS A METODOLOGIA E OS MODELOS ESTRANGEIROS NÃO SE ENCAIXAVAM, PARECE QUE O DILEMA POSTO PELO CASO CONCRETO, PÕE A POLÍTICA - ENQUANTO CIÊNCIA E MÉTODO - NA BERLINDA. NÃO ACHA?
OBRIGADO PELA ATENÇÃO.

Mércio P. Gomes disse...

Prezada animal político, A antropologia é uma ciência social cujos membros se esforçam o possível e o impossível para compreender seu objeto de estudo. Para isso, procura se identificar com esse objeto e o trata como sujeito cognoscente com quem se entra em diálogo. Por conseqüência, o antropólogo termina se identificando com seu Outro de tal forma que passa a lutar por ele. Daí é que, na questão indígena, os antropólogos vão além da objetividade e passam a vivenciar sua pesquisa e defender os interesses dos seus interlocutores. No Brasil a antropologia tem sido assim desde Curt Nimuendaju e não há como fugir a esse modelo. No caso Raposa Serra do Sol, a defesa do caso passa por cima de sutilezas que poderiam ser contestadas. Eis o que o STF está para fazer: realçar essas sutilezas de interpretação e decidir sobre a sua justiça. Abraço, Mércio

Dimas Mendes Jr. disse...

OI PROFESSOR,
O QUE SE PODE ESPERAR DO STF, SE OS EGRÉGIOS MINISTROS AO TENTAREM SALIENTAR AS SUTILEZAS A QUE VOCÊ SE REFERE, TEM COMO PARÂMETROS UMA NOÇÃO DISTINTA DA DOS ANTROPÓLOGOS OU DAS PESSOAS QUE INDEPENDENTEMENTE DE SUA OPINIÃO PARTICIPAM ATIVAMENTE DA QUESTÃO? NA VERDADE UMA DAS PRIMEIRAS LIÇÕES NA FACULDADE DE DIREITO É A DISTINÇÃO QUE SE FAZ ENTRE VERDADE REAL E VERDADE PROCESSUAL. UM PROCESSO TEM POR OBJETIVO ENCONTRAR RESPOSTA À UM LITÍGIO, UMA QUESTÃO JURÍDICA, O QUE EMPOBRECE E REDUZ PERIGOSAMENTE A QUESTÃO NA QUAL SE INSERE O DEBATE. É POR ISSO QUE LHE ESCREVI QUESTIONANDO A IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA EXATAMENTE NESTE MOMENTO. UMA COISA SÃO OS "SELVAGENS DA FLORESTA", OUTRA COISA BEM DIFERENTE SÃO OS SELVAGENS DE BRASÍLIA , NÃO ACHA?
UM ABRAÇO E OBRIGADO PELA ATENÇÃO.

Dimas Mendes Jr. disse...

EU DE NOVO...
SE HOUVER A POSSIBILIDADE E O INTERESSE SERIA MOTIVO DE HONRA TER SUA VISITA NO MEU BLOG. SOU ESTUDANTE DA ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLITICA DE SÃO PAULO E ME INTERESSO POR QUESTÕES QUE POSSIBILITEM A INTERDISCIPLINARIDADE DA HERMENÊUTICA E PRA MIM JÁ É DE UMA VALIA INDESCRITÍVEL PODER CONVERSAR COM ALGUÉM DO SEU GABARITO.
UM ABRAÇO

WWW.OANIMALPOLITICO.BLOGSPOT.COM

 
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