quarta-feira, 30 de abril de 2008

Homologação de Raposa Serra do Sol na berlinda

Repórteres que têm acesso aos gabinetes dos ministros do STF estão pessimistas em relação à decisão do ministro Ayres Britto sobre a preservação da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Ontem o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, deu seu parecer sobre uma das ações contra a homologação de RSS. Isso suscitará a decisão do ministro Ayres Britto. Argumentou que o processo de demarcação que levou ao ato presidencial foi integralmente legal, portanto, perfeito. Assim, sugere pela não recepção da tal ação, aberta pelo senador Mozarildo Cavalcanti, e pela permanência do ato homologatório. Essa matéria está na Folha de São Paulo, logo abaixo.

De que valerá esse parecer? Ao que indicam interlocutores do ministro Ayres Britto, não muito.

Parece que o ministro mudou totalmente sua opinião original que confirmou há três anos o ato homologatório presidencial. Por que tal virada de casaca?

Parece que ele se convenceu de que há moradores na região há muitos anos, falam alguns que têm antepassados que para lá vieram desde 1880, e alguns alegam títulos de propriedade de 1910. Será que foi isso que comoveu o ministro Ayres Britto? Será que ele não viu isso na primeira vez que cuidou do caso?

Parece que o ministro Ayres Britto se espantou com os termos da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, promulgado pela ONU em setembro de 2007, sobretudo o Art. 3 que fala no direito à auto-determinação dos povos indígenas por um ato voluntário. Tal artigo foi questão de discussão durante muitos anos. O Brasil terminou aceitando esse artigo com um voto condicionante, lido na própria Assembléia por ocasião da votação. O ministro Britto poderia ter pensado que 145 países, de todas as variações possíveis, da China e Índia (que têm as maiores populações indígenas do planeta, mais de 100 milhões cada uma), passando pela Indonésia e chegando à Finlândia e à Rússia. Todos países com populações indígenas que querem autonomia política e cultural e com muita força e população para tanto. Por que então o Brasil teria medo de que suas populações indígenas se declarassem auto-determinadas e exigissem um estatuto jurídico-político de igualdade? E por que a ONU aceitaria alguma tal demanda, se nem aceita as demandas de povos indígenas tão fortes como os Maitai da Índia, que têm mais de 4 milhões de membros e estão na fronteira com Mianmar?

Um diálogo mais forte com o STF e com as Forças Armadas brasileiras se faz necessário. Se a imprensa não pode fazer isso, que o Executivo ou o Legislativo o faça, sem alarmismo e alardes que só confundem os argumentos e espantam a verdade.

O STF e o Exército têm que saber que o conceito de auto-determinação, mesmo se apresentando nos termos da ONU, vem sendo interpretado diferentemente nos últimos 20 anos por muitos juristas do Direito Internacional. Auto-determinação não implica mais a possibilidade de auto-proclamação do conceito de Nação-Estado, com o quê a ONU poderia recepcionar um pedido de aceitação na comunidade das nações. Portanto, o perigo de um povo indígena, de uma nação indígena autônoma, como já falou Rondon, querer se auto-proclamar nação-estado está longe da realidade prática e mais longe do acatamento jurídico internacional. Auto-determinação tem sentido no interior de uma Nação-Estado, como o Brasil. Daí ter sido aceito por tantos países, até mesmo aqueles que têm muitas reivindicações históricas de separacionismo.

Uma matéria da Folha de São Paulo, assinada por diversos jornalistas, diz que o ministro Britto também se comoveu com a presença de não indígenas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol desde o tempo da ditadura militar, que teria promovido a migração para aquele então território nacional. Acho isso inacreditável. Certamente a questão dos arrozeiros é a parte mais ignominiosa desse affair Raposa Serra do Sol. Sua presença é absolutamente ilegal, imoral e indigna. O ministro Ayres Britto sabe disso e não iria ser persuadido por um argumento desse jaez.

Seja como for, só podemos aguardar para saber o quê dirá o ministro Ayres Britto. Acho que se sua decisão for contrária a RSS, seja por que motivo for, isso irá desencadear uma série de pedidos de revisão de homologações já realizadas anteriormente. Não seria de bom alvitre o ministro fazer isso. Vai bagunçar todo o sistema de demarcação de terras que a tanto custo o Brasil estabeleceu na prática e juridicamente. Em meu artigo publicado segunda-feira, dia 28, em O Globo, em contraposição ao editorial do jornal, alertei para o perigo do ato de desfazimento da homologação.

Para os amigos antropólogos e indigenistas se lembrarem, há pouco mais de dois anos, alertei em entrevista a uma agência de notícias que muitas ações de demarcação estavam sendo contestadas e iriam parar no STF. Alguns pensaram maldosamente que eu estava dizendo que o STF iria barrar as reivindicações dos povos indígenas. Agora estão sentindo a verdade de minhas palavras. Com efeito, o STF tem em suas mãos mais de 100 ações sobre a questão indígena, algumas com mais de 25 anos, como a da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu. Alertei ainda que, eventualmente, o STF iria definir os parâmetros do que constitui o termo "tradicionalidade" ou "tradiconalmente", tal como está no Art. 231 da Constituição Federal. Tradicionalidade é um dos parâmetros que determinam o reconhecimento do direito de povos ou grupos indígenas sobre terras indígenas pela União.

Porém nunca pensei que o STF fosse fazer isso exatamente em relação à T. I. Raposa Serra do Sol, precisamente porque já tinha julgado sua legitimidade.

Por tudo isso, e pelo papel que o Exército está desempenhando nessa questão, especialmente julgando que as terras indígenas em fronteira constituem uma ameaça à soberania nacional, é que temos -- nós antropólogos, indigenistas, a população pró-indigenista brasileira -- que abrir um diálogo sincero e honesto com todas essas forças: o Exército, o STF, os poderes públicos, a Igreja. Não basta argumentar por razões indigenistas, pois essas estão passando ao largo do sentimento da população. É preciso esclarecer que os povos indígenas estão no Brasil, são brasileiros, e que a política indigenista almeja que os índios façam parte da Nação brasileira. Tal como diz o Estatuto do Índio, a política almeja a "integração harmoniosa" na Nação brasileira. A constituição não vai contra isso, como querem alguns exegetas. Ela apenas afirma com clareza que os índios têm direito a manterem seus costumes, línguas e tradições, algo que o Estatuto do Índio certamente nunca supôs o contrário.

As próximas semanas serão muito tensas para os povos indígenas que habitam a T.I: Raposa Serra do Sol, mas também para o indigenismo brasileiro. Cabe a nós nos prepararmos para o que der e vier e saber fazer a hora. O avexados de espírito, por favor, não comecem com a idéia de propor a mudança do Estatuto do Índio e declarar que a Constituição não quer o índio integrado na Nação. Que voltem a ler o conceito clássico de integração tal como explicado por Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira, e não o confunda com assimilação. Pensem no tal conceito de "inclusão social", tão badalado nesse governo, ponham a mão na consciência, e vejam que funciona do mesmo jeito, se não mais determinista, que o conceito de integração.

Vejam as duas matérias direto da Folha de São Paulo:

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Parecer do procurador-geral é favorável a manter demarcação de área em Roraima
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, enviou ao Supremo Tribunal Federal parecer contrário à suspensão do decreto de demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Esse era o passo que faltava para que o ministro Carlos Ayres Britto leve o caso ao plenário do Supremo.

Britto afirmou que pretende disponibilizar seu relatório até o final da semana que vem. A partir de então, caberá ao presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, decidir quando a questão será julgada. "Como o presidente já se mostrou empenhado, é possível que até o final de maio realizemos esse julgamento tão importante."

O parecer trata sobre uma ação popular protocolada em 2005 pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Augusto Botelho (PT-RR), pedindo o cancelamento do decreto editado naquele mesmo ano.

No texto, o procurador-geral afirma que "a alegação de ofensa ao equilíbrio federativo e à autonomia de Roraima está divorciada da realidade". "A área indígena Raposa/Serra do Sol representa pouco mais de 7% do território daquele Estado, que, desde sua criação, conta com a presença de numerosos grupos indígenas, sendo a população em questão ali residente a terceira maior do país."

O governo de Roraima, por sua vez, reclama que 46% do território do Estado já está tomado por reservas indígenas.
O procurador-geral diz que a área não traz risco à soberania nacional. "O risco de abalo à soberania nacional, se presente, haverá de ser eliminado, se for o caso, por mecanismos outros de proteção, sem sacrifício do direito dos povos indígenas."
Na ação, os parlamentares alegaram que a demarcação traria conseqüências "desastrosas" para o Estado.

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STF deve votar contra saída de não-indígenas de reserva
Supremo também vai restringir MPs que mudam texto do Orçamento já aprovado

No caso da Raposa/Serra do Sol, ministros do tribunal argumentam haver cidades inteiras dentro da área demarcada como indígena

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

VALDO CRUZ
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) restringirá a edição de medidas provisórias de créditos extraordinários do Orçamento da União. E tende a modificar o modelo de demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

No caso da reserva, o objetivo é evitar a remoção de não-indígenas. Segundo a Folha apurou, o STF deve criar "ilhas" na reserva, segundo a expressão ouvida no Supremo.

No das MPs, o Supremo avalia que há abuso do Executivo, que recorre ao artifício para modificar o texto do Orçamento aprovado no Congresso.

Ao julgar o modelo de demarcação da reserva, o Supremo deverá deixar claro que, apesar da pressão de setores e ONGs internacionais, as Forças Armadas não sofrerão constrangimento para atuar em território indígena em todo o país, porque a propriedade das reservas é da União.

O Brasil é signatário da "Declaração dos Povos Indígenas" da ONU (Organização das Nações Unidas), de 2007, que assegura o direito dos índios à terra e aos seus territórios. Isso preocupa as Forças Armadas, porque poderia caracterizar um território autônomo dentro do território nacional.

O comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, admitiu publicamente que temia "ameaça à soberania nacional", já que a reserva fica em área de fronteira.

O Supremo dirá que a declaração não é convenção, tratado nem tem força de lei. Trata-se de manifestação política.
A demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol foi feita em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, e homologada já na gestão Lula, em 2005. O Planalto começou a recuar na defesa da demarcação contínua devido à tensão gerada pelo processo de retirada dos não-indígenas da área.

Produtores de arroz, por exemplo, ameaçaram entrar em conflito contra índios e a Polícia Federal para ficar na reserva, e o STF suspendeu as ações de retirada dos não-índios para estudar a questão.

Em reunião com líderes indígenas no Planalto, Lula disse que apóia a demarcação contínua, mas, nos bastidores, torce para que o STF mude a regra. Se houver ônus político, será do Supremo, não do governo.

Na opinião da maioria dos ministros do STF, há argumento jurídico para manter na reserva populações não-indígenas que vivem na área, algumas desde 1880 e outras que foram estimuladas pela ditadura militar de 1964 a aderir à colonização de Roraima. A tendência do STF é reconhecer a legitimidade dessas ocupações. Ministros argumentam que há cidades inteiras dentro da reserva e não faria sentido sua remoção.

Atualmente, dentro da reserva já existem duas áreas de exclusão -dos municípios de Normandia e Uiramatã. Políticos do Estado defendem a criação de mais quatro -vale do Arroz, lago de Caracaranã, vila Surumu e a área da hidrelétrica do rio Cotingo, em construção.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Rikbatsa apreendem material e prendem pescadores

Que os índios tomem a defesa de suas terras em suas mãos, como sua responsabilidade, é um axioma fundamental para a preservação de seus patrimônios e suas riquezas. Não podem só ficar dependendo da Funai e da Polícia Federal.

É claro que os indígenas não têm poder de polícia, mas têm o direito de defender seus bens de usufruto exclusivo. Aliás, a Funai precisa ter seu direito de polícia regulamentado. Existe na Lei que criou a Funai, mas os advogados dizem que precisa ser regulamentada, e só uma lei daria à Funai toda a legitimidade necessária. Quando era presidente do órgão, tentei de todos os jeitos, publiqquei portaria, levei proposta ao Ministério da Justiça para fazerem os termos de um decreto presidencial, sugeri medida provisória, projeto de lei, tudo. Ao final, o projeto de lei não foi feito, e o MJ não quer que a Funai tenha poder de polícia. Entretanto, o IBAMA a tem, por que a Funai não?!.

Nesse ínterim, os Rikbatsa, que vivem em duas terras indígenas na beira do rio Juruena, sabem que têm que ter atitude determinada. Há anos vêm tentando deixar claro para pescadores amadores e profissionais que o trecho que lhes cabe do rio Juruena é deles para uso exclusivo e permanente.

Eis que, esses dias apreenderam diversos barcos grandes, bem motorizados, com muitos apetrechos de pesca semi-profissional. Apreenderam o material e prenderam as pessoas que dele faziam uso. Agora querem uma conversa série com Polícia, Funai, Ibama, Ministério Público e outras instituições que tratam da questão.

Têm toda a razão. Não estão para brincadeira.

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Sete pescadores são reféns de índios no norte de MT

TV Centro América

CUIABÁ - Sete pescadores da região de Juara estão sendo mantidos reféns por índios da etnia rikbakrsa na aldeia Pé do Mutum, na comunidade indígena Japuíra, a 708 quilômetros de Cuiabá. De acordo com o chefe da Funai de Juína, Antônio Carlos Ferreira de Aquino, que é responsável também pelas comunidades indígenas de Juara, os pescadores estão no local desde domingo por volta de meio-dia.

Conversamos com eles (os índios) via rádio. Parecem estar nervosos, pintados e dizem estar armados com arco e flecha
- Conversamos com eles (os índios) via rádio. Parecem estar nervosos, pintados e dizem estar armados com arco e flecha - afirmou o chefe da Funai de Juína ao site da TV Centro América.

Os índios decidiram manter os pescadores reféns porque eles foram pescar na área indígena com seis barcos, sendo quatro com motor.

- Os indígenas nos disseram que os pescadores levaram redes e grande material de pesca, o que caracteriza pesca predatória. Não fomos autorizados pelos índios a ir até o local. Eles querem conversar pessoalmente com autoridades da Secretaria de Meio Ambiente, Polícia Federal, Casa Civil e Funai de Brasília - explicou Antônio Carlos.

Na região onde os pescadores são mantidos reféns moram cerca de 800 índios rikbaktsas. O chefe da Funai diz que a última vez que eles mantiveram pessoas reféns foi em 2002, quando garimpeiros entraram na área deles sem ser autorizados e ficaram no local três dias.

Acredito que ninguém foi agredido fisicamente, mas não sei se os pescadores estão sendo ameaçados
- Já estou enviando a documentação para Cuiabá e Brasília para que os representantes dos órgãos que eles exigiram estejam aqui o mais rapidamente. Só depois disso, eles dizem que vão liberar os reféns - disse Antônio Carlos por telefone.

O presidente da Associação Indígena Rikbaktsa, Paulo Henrique Skiripi, disse que vai até o local para averiguar de perto a situação.

- Acredito que ninguém foi agredido fisicamente, mas não sei se os pescadores estão sendo ameaçados. O fato é que não vamos liberar os reféns até que conversemos com as autoridades de Cuiabá e Brasília pessoalmente - disse Paulo Henrique Skiripi - Nós queremos que nos respeitem mais, estamos protegendo nossa área. Já havíamos falado que não era para entrar na nossa comunidade para pescar. Há placas informando isso. O rio Juruena está ficando escasso. Precisamos tomar uma providência - completou.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

RADICALISMO X ALARMISMO: opiniões em O Globo

Além da matéria postada abaixo desta, o jornal O Globo publicou hoje um editorial chamado RADICALISMO contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Publicou também uma opinião contrária, chamada ALARMISMO, dada pelo presente autor, defendendo a homologação da referida Terra Indígena.

Vale a pena ler as duas e compará-las. Contribuem para o grande debate da atualidade e para o esclarecimento sobre as posições antagônicas.

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RADICALISMO

EDITORIAL, O GLOBO
28/4/2008

O multifacetado governo Lula, parte dele formado por alguns sultanatos ideológicos, controlados por grupos políticos que há tempos atuam no PT e cercanias, formalizou em 2005 a constituição da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, em terras contínuas. Foi uma vitória de um desses sultanatos, o dos indigenistas radicais. No outro lado, o dos derrotados, ficaram agricultores que cultivam arroz naquelas terras, parte dos índios, os que vivem dessas fazendas, e o governo de Roraima, cuja área territorial passará a ter metade sob o controle de tribos, considerando a já existente e ampla reserva Ianomâmi. Caso o desejo dos indigenistas oficiais seja de fato realizado, Roraima perderá receita tributária e deverá se inviabilizar como estado da Federação, sendo forçado a voltar à condição de território, dependente de repasses do governo federal.

Não fosse a providencial decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação deflagrada pela Polícia Federal para retirar arrozeiros e índios da Raposa Serra do Sol, e com isso reabrindo a questão da constituição da reserva - se em terras contínuas ou bolsões, como é mais sensato -, teria havido uma onda de violência na região de dimensões imprevisíveis.

O assunto tem grande capacidade de mobilização. O comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, chegou a avançar o sinal da disciplina quando, numa palestra pública no Clube Militar, no Rio, fez duras críticas à política indigenista do governo.

Mesmo o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), vai contra a posição do Ministério da Justiça e da Funai, a favor da reserva contínua. Ele chegou a defender a exclusão de pelo menos quatro áreas da Raposa Serra do Sol, para Roraima não ser inviabilizado economicamente: o vale dos plantadores de arroz, o local da hidrelétrica do Rio Cotingo, em construção, a Vila do Surumu e a estrutura turística do Lago Caracaranã.

Não fosse suficiente essa argumentação contra o indigenismo radical, a reserva ainda fica em área de fronteira. Logo, também faz sentido a preocupação de militares.

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ALARMISMO


Mércio P. Gomes
Antropólogo e ex-presidente da Funai

Por mais inverossímil que pareça, o STF poderá levar a Nação brasileira a um retrocesso sem precedentes na história do indigenismo nacional. As declarações proferidas por alguns ministros antecipam uma grave mudança na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, desmembrando-a em “ilhas” para acomodar sete arrozeiros que nela penetraram ilegalmente alguns anos atrás. A justificativa para tal ato seria o perigo à integridade territorial brasileira pela existência de terras indígenas nas nossas fronteiras e pela presença ostensiva de Ongs na Amazônia.

Do lado militar, o chefe do Comando Militar da Amazônia prossegue em franca campanha de atemorização nacional pela presença de terras indígenas em fronteiras, de estrangeiros na Amazônia e da possibilidade de entrarmos em guerra contra algum inimigo fronteiriço ou internacional.

O alarme reverbera na opinião pública. Ninguém parece se lembrar do papel dos índios na história brasileira, especialmente na inclusão de Roraima ao território nacional. Esquecem os militares de um de seus maiores patronos, o Marechal Rondon, que escreveu, em 1910, que os índios "são nações autônomas, com as quais o Brasil deve ter relações de amizade".

Quem era Rondon? Um venda-pátria, ou um dos maiores patriotas que a Nação já teve? Para Rondon os povos indígenas são parte essencial da Nação brasileira. Chama-os de nações no mesmo sentido que o Canadá chama seus povos indígenas de First Nations, isto é, Primeiras Nações. Será que o Canadá põe em perigo sua soberania ao chamar seus povos indígenas de nações?

Nunca na história brasileira o nosso território sofreu perda para outro país, muito menos por causa dos índios. Ao contrário, foi pela aliança de alguns povos indígenas com os portugueses que partes substantivas do nosso território passaram a pertencer ao que hoje é o território nacional.

Todos que almejam ver um Brasil digno e respeitado têm que começar respeitando os povos indígenas, os primeiros brasileiros. O STF não pode voltar atrás na homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não só pelo ato já realizado, mas pelo que a homologação representa como ato jurídico que oficializa o reconhecimento do Estado e da Nação sobre as terras indígenas. Nos últimos cem anos, 600 segmentos do território nacional foram reconhecidos como terras indígenas e todas elas pertencem integral e constitucionalmente à União brasileira.

Ministro Dulci diz que quem fala sobre política indigenista são os índios

A matéria que saiu no jornal O Globo, de domingo, dia 27 de abril, pegou algumas pessoas do governo de calças curtas.

O ministro Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência, que tem em sua pasta o relacionamento do governo com as Ongs, não gostou da matéria. Disse que quem tem que falar sobre a política indigenista são os índios. Isso é verdade, mas não totalmente. Nós brasileiros, sejamos antropólogos ou não, também temos direito e dever de acompanhar como estão indo as coisas públicas, e política indigenista é res publica, da república.

De qualquer modo, os índios têm muito que falar sobre suas vidas. E o ministro certamente poderá ouvir muito dos índios. Se sair do seu gabinete, ele verá o quanto está deficiente a atuação dessa política indigenista dominada pela Ongs.

O que precisa ser dito é que a questão indígena precisa urgentemente de uma mirada séria por parte do governo. Não é só uma questão da ineficácia atual, do domínio das Ongs neoliberais sobre a Funai, sobre a Funasa e até sobre MEC, na questão educacional.

A questão é bem mais profunda. Os povos indígenas querem ter um novo protagonismo em suas vidas. Querem ter suas terras garantidas, uma economia saudável, um programa de saúde dedicado, uma educação bicultural respeitosa. Querem entender como conviver com os não indígenas e ao menos tempo manterem-se e participarem como culturas e sociedades autônomas no mundo brasileiro.

A FUNAI, uma nova FUNAI, com as obrigações de saúde e educação de volta, com um indigenismo renovado, com bases rondonianas, escoimada de interesses espúrios que vicejam na desgraça, é o que se precisa. Qualquer outra ação governamental dará resultados parciais e a questão indígena continuará em crise.

Eis a matéria do dia, no Globo Online. Para os leitores de O Globo a matéria é mais completa.

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ONGs: CPI votará quebra de sigilo de dirigentes responsáveis por política indigenista do governo

O Globo Online

BRASÍLIA - Principais responsáveis pela execução da política indigenista do governo, as ONGs que recebem repasses federais para atuar em aldeias da Amazônia estão na mira de investigações que correm simultaneamente no Ministério da Justiça e no Congresso. No próximo dia 6, a CPI das ONGs deve votar a quebra do sigilo bancário e fiscal dos dirigentes de três entidades que teriam desviado verbas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para assistência às tribos. É o que mostra treportagem de Bernardo Mello Franco e Demétrio Weber na edição desta segunda-feira em 'O Globo'.

A presença crescente das entidades junto aos índios, noticiada no domingo pelo 'Globo', preocupa a Secretaria Nacional de Justiça, que prepara um conjunto de regras para disciplinar a atuação das ONGs na floresta.

Está comprovado que a quantidade de desvios entre essas ONGs é muito alta. A maioria delas não está preparada para executar os programas do governo.

Segundo o presidente da CPI das ONGs, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), as entidades ligadas à política indigenista ocupam o segundo lugar no ranking de irregularidades no terceiro setor - atrás apenas das fundações universitárias. Autor dos três requerimentos para investigar fraudes em convênios com a Funasa, ele promete submeter os pedidos ao plenário na próxima sessão da CPI, em 6 de maio.

- Está comprovado que a quantidade de desvios entre essas ONGs é muito alta. A maioria delas não está preparada para executar os programas do governo. São entidades que não têm nada a ver com a questão indígena e desconhecem a realidade das tribos. Há evidências de que o resultado dessa política de repasses ao terceiro setor é ruim - afirma Colombo.

O secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, defende as entidades:

- Quando é preso um empresário corrupto, não se pode criminalizar o empresariado brasileiro. Quando há problemas com uma ou outra ONG, não significa que a maioria não tenha contribuição efetiva a dar aos povos indígenas.

Sem citar nomes, Dulci rebateu as críticas à política indigenista:

- Quem tem que falar sobre essas coisas são os povos indígenas. Avançamos nos últimos anos, mas há muito a fazer.

Leia a reportagem completa em "O Globo' nesta segunda-feira

Governo repassa milhões para ONGs e está ausente das aldeias

Dispersa em vários órgãos do governo, e alvo das críticas do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, que a chamou de "lamnetável, para não dizrer caótica", a política indigenista está entregue a ONGs e não consegue atender os 740 mil índios em todo o país. Com a ausência do Estado nas aldeias, proliferam a criação de organizações, muitas arrancando para si vultosas quantias do orçamento destinado à saúde indígena; outras interessadas em catequizar e evangelizar esses povos. Foi o que mostrou reportagem de Maria Lima, Evandro Éboli e Chico de Gois na edição deste domingo de 'O Globo'. Há no meio militar receio de que entidades ligadas a ONGs estrangeiras estejam de olho não só nos índios, mas na riqueza florestal e mineral da Amazônia. (Entenda o conflito na reserva Raposa Serra do Sol)

A política indigenista brasileira não funciona na prática
- A política indigenista brasileira não funciona na prática - diz o ex-presidente da Funai Mércio Pereira Gomes, que ocupou o cargo em quase todo o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e em parte do segundo.

Além da Funai, as ações do governo para os índios estão espalhadas pelos ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente.

Na Saúde, por exemplo, 51 ONGs cuidam dos indígenas, mas 26 delas foram trocadas, desde 2007, por irregularidades. Algumas são suspeitas até mesmo de desviar recursos. No início do mês, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) editou portaria tornando mais rígida a contratação dessas organizações. As novas regras passam a valer em 1º de junho.

O atual presidente da Funai, Márcio Meira, empregou o antropólogo Paulo Santilli, irmão de Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (Isa), que realiza trabalhos para a fundação. Seu trabalho é fazer a demarcação física da terra indígena, com abertura de picadas, fixação de placas e marcos nas áreas.

- O critério foi a competência. Não há qualquer relação com o fato de ser irmão do Márcio Santilli, que só vim a conhecer recentemente - disse.

O advogado Aloizio Azanha, que também foi do Isa, atua como assessor na Diretoria de Assuntos Fundiários. Márcio Meira negou que qualquer um dos três tenha ligação com organizações não-governamentais.

Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?!
- Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?! - diz.

Hoje, a Funai administra 488 reservas indígenas ou 105,6 milhões de hectares, o equivalente a 12% do território brasileiro. Outras 201 áreas estão na fila para também se tornar reservas homologadas. Com isso, 15% das terras do país serão destinadas aos índios. O índio Teuê Camaiurá, do Parque Nacional do Xingu, desistiu de buscar ajuda na Funai. Conta que ao lado do parque, em Mato Grosso, há um posto da Funai que está caindo aos pedaços, e que a presença do órgão na aldeia quase não existe.

Um exemplo de ONG que tem despertado a suspeita de militares sobre sua atuação é a Jovens Com Uma Missão (Jocum), criada em 1960 pelo californiano Loren Cunningham. Tem bases em todo o Brasil e em dezenas de países. A principal fica em Porto Velho, responsável pela catequização e assistência a 16 tribos da Amazônia. Mike Bunn cuida do programa de rádio e aviação. A rádio da ONG tem uma estação em cada aldeia onde atua. As antenas de Porto Velho despertaram a atenção dos órgãos de segurança. O missionário Reinaldo Ribeiro e a esposa, Bráulia, são os responsáveis pela base de Porto Velho. Ele diz que a ONG atua na região há mais de 20 anos:

- Mas não nos envolvemos em conflitos por demarcação.

Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas
Márcio Meira considera que a política indigenista do país é um sucesso. Ele também defende a atuação das ONGs nas reservas.

- Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas - disse Meira.

As bases da política indigenista do governo, segundo o presidente do órgão, ainda têm como ponto central a política de estado lançada pelo Marechal Rondon em 1910, ou seja, há quase cem anos.

- O foco central é que os índios sejam protegidos e sobrevivam. O índio precisa viver. Então vem dado certo, na medida que o índio está sobrevivendo e a população indígena, crescendo substancialmente. Para isso, o mais importante é que sejam protegidos e suas terras, garantidas - disse Márcio Meira.

Mércio Gomes concorda com a crítica do general Augusto Heleno de que a política indigenista é caótica.

- Concordo. Acho a política indigenista brasileira uma das melhores do mundo, mas está sendo conduzida de maneira caótica. O general prestou um grande serviço à nação ao alertar para o perigo da ameaça à soberania, mas apontou o rifle para o lado errado. A culpa não é dos índios, mas do Estado, que não fortalece o Ibama, a Funai e o próprio Exército, órgãos que devem proteger a Amazônia.

domingo, 27 de abril de 2008

Ongs dominam a política indigenista brasileira

O jornal O Globo traz hoje uma longa reportagem, como principal manchete de capa e com três páginas, sobre a atuação desastrada da política indigenista brasileira, sobre os disfuncionamentos da Funai, Funasa e outros órgãos federais, e sobre a presença avassaladora das Ongs nos órgãos indigenistas.

Como trata de assuntos em que eu próprio sou entrevistado, deixo para os leitores sua avaliação.

A matéria abaixo saiu no Globo Online, a matéria completa está no jornal dominical, o qual não pude inserir nesse Blog.

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Política indigenista: governo repassa centenas de milhões para ONGs e está ausente das aldeias

O Globo Online

BRASÍLIA - Dispersa em vários órgãos do governo, e alvo das críticas do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, que a chamou de "lamnetável, para não dizrer caótica", a política indigenista está entregue a Organizações Não-Governamentais (ONGs) e não consegue atender os 740 mil índios em todo o país. Com a ausência do Estado nas aldeias, proliferam a criação de organizações, muitas arrancando para si vultosas quantias do orçamento destinado à saúde indígena; outras interessadas em catequizar e evangelizar esses povos. É o que mostra reportagem de Maria Lima, Evandro Éboli e Chico de Gois na edição deste domingo de 'O Globo'. Há no meio militar receio de que entidades ligadas a ONGs estrangeiras estejam de olho não só nos índios, mas na riqueza florestal e mineral da Amazônia.

A política indigenista brasileira não funciona na prática

- A política indigenista brasileira não funciona na prática - diz o ex-presidente da Funai Mércio Pereira Gomes, que ocupou o cargo em quase todo o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e em parte do segundo.

Além da Funai, as ações do governo para os índios estão espalhadas pelos ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente.

Na Saúde, por exemplo, 51 ONGs cuidam dos indígenas, mas 26 delas foram trocadas, desde 2007, por irregularidades. Algumas são suspeitas até mesmo de desviar recursos. No início do mês, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) editou portaria tornando mais rígida a contratação dessas organizações. As novas regras passam a valer em 1º de junho.

O atual presidente da Funai, Márcio Meira, empregou o antropólogo Paulo Santilli, irmão de Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (Isa), que realiza trabalhos para a fundação. Seu trabalho é fazer a demarcação física da terra indígena, com abertura de picadas, fixação de placas e marcos nas áreas.

- O critério foi a competência. Não há qualquer relação com o fato de ser irmão do Márcio Santilli, que só vim a conhecer recentemente - disse.

O advogado Aloizio Azanha, que também foi do Isa, atua como assessor na Diretoria de Assuntos Fundiários. Márcio Meira negou que qualquer um dos três tenha ligação com organizações não-governamentais.

Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?!

- Não há ninguém de ONG na Funai. E se houvesse, qual seria o problema?! - diz.

Hoje, a Funai administra 488 reservas indígenas ou 105,6 milhões de hectares, o equivalente a 12% do território brasileiro. Outras 201 áreas estão na fila para também se tornar reservas homologadas. Com isso, 15% das terras do país serão destinadas aos índios. O índio Teuê Camaiurá, do Parque Nacional do Xingu, desistiu de buscar ajuda na Funai. Conta que ao lado do parque, em Mato Grosso, há um posto da Funai que está caindo aos pedaços, e que a presença do órgão na aldeia quase não existe.

Um exemplo de ONG que tem despertado a suspeita de militares sobre sua atuação é a Jovens Com Uma Missão (Jocum), criada em 1960 pelo californiano Loren Cunningham. Tem bases em todo o Brasil e em dezenas de países. A principal fica em Porto Velho, responsável pela catequização e assistência a 16 tribos da Amazônia. Mike Bunn cuida do programa de rádio e aviação. A rádio da ONG tem uma estação em cada aldeia onde atua. As antenas de Porto Velho despertaram a atenção dos órgãos de segurança. O missionário Reinaldo Ribeiro e a esposa, Bráulia, são os responsáveis pela base de Porto Velho. Ele diz que a ONG atua na região há mais de 20 anos:

- Mas não nos envolvemos em conflitos por demarcação.

Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas
Márcio Meira considera que a política indigenista do país é um sucesso. Ele também defende a atuação das ONGs nas reservas.

- Com a sociedade civil de parceira, é possível compartilhar a gestão para melhor atender os povos indígenas - disse Meira.

As bases da política indigenista do governo, segundo o presidente do órgão, ainda têm como ponto central a política de estado lançada pelo Marechal Rondon em 1910, ou seja, há quase cem anos.

- O foco central é que os índios sejam protegidos e sobrevivam. O índio precisa viver. Então vem dado certo, na medida que o índio está sobrevivendo e a população indígena, crescendo substancialmente. Para isso, o mais importante é que sejam protegidos e suas terras, garantidas - disse Márcio Meira.

Mércio Gomes concorda com a crítica do general Augusto Heleno de que a política indigenista é caótica.

- Concordo. Acho a política indigenista brasileira uma das melhores do mundo, mas está sendo conduzida de maneira caótica. O general prestou um grande serviço à nação ao alertar para o perigo da ameaça à soberania, mas apontou o rifle para o lado errado. A culpa não é dos índios, mas do Estado, que não fortalece o Ibama, a Funai e o próprio Exército, órgãos que devem proteger a Amazônia.

O que pensa Aldo Rebelo sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol

O deputado Aldo Rebelo, grande figura no Congresso Nacional, possível candidato à prefeitura de São Paulo, membro do Partido Comunista do Brasil, apresenta nessa entrevista em O Estado de São Paulo sua visão da questão Raposa Serra do Sol.

Não dá para deixá-lo falando sozinho. Aldo merece nosso respeito, mesmo tendo uma visão tão simples do processo de demarcação de terras indígenas e da questão da presença dessas terras em nossas fronteiras.

Aldo Rebelo é um nacionalista ferrenho. Nascido em Alagoas, numa fazenda, filho de vaqueiro, fez-se homem por seu próprio mérito. Embora não acredite na ideologia americana do self-made man, Aldo vê o Brasil como um país que, nas frechas de um sistema de classes rígido, quase de castas, pode haver oportunidades para aqueles que sabem fazer a hora e se alçar no panorama nacional, tanto político como econômico.

Aldo leu seu Casa Grande e Senzala, seu Raízes do Brasil, seu O Povo Brasileiro, seu Formação do Brasil Colonial, seu Formação Econômica do Brasil, seu A Revolução Burguesa no Brasil, esses grandes livros de análise e de esperança no Brasil, respectivamente de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes.

Aldo não acredita mais em revolução comunista, como acreditava antes, mas acredita no Brasil como um país que um dia trará igualdade e felicidade para seu povo, sendo esse povo protagonista de sua história. Eis as bases fundamentais do pensamento do deputado Aldo Rebelo.

No que eu concordo em 90%. Porém, os 10% que faltam são essenciais para uma compreensão melhor do que é o Brasil e do que ele poderá vir a ser. Nesse sentido, redimir a história do Brasil em relação aos povos indígenas é essencial, é o primeiro grande passo para o Brasil ter um encontro consigo, abrir todo seu potencial de grande nação, e esse trabalho começa com a garantia das terras indígenas que podem ser obtidas, resgatadas e consignadas como de direito pleno aos povos indígenas concernentes.

O deputado Aldo Rebelo é um homem corajoso, fala o que pensa, não teme ser identificado como um homem anti-indígena. Ele se declara pró-brasileiro! Mas falta-lhe a compreensão superior da formação do Brasil como povo e como cultura. Grande leitor que é, ele precisa ler alguns livros essenciais sobre a história dos povos indígenas. Assim, poderá vir a compreender que os povos indígenas foram fundamentais na formação do povo brasileiro, mas continuam sendo, aqueles que sobreviveram como tais, e que querem se manter como povos com culturas específicas. Eles contribuem na defesa e proteção do meio ambiente (apesar de alguns indígenas venderem madeira) e eles contribuem como exemplos de povos diferenciados que vivem em nosso país, falando 180 línguas distintas, detendo 13% do território nacional e sendo reconhecido pelos demais brasileiros como os "primeiros brasileiros".

Os povos indígenas são brasileiros pela constituição brasileira, mas o são também por afinidade e por amor, por lealdade e por vontade própria. Seus territórios em fronteiras não põem em perigo a soberania nacional. Se assim pensa a maioria dos militares brasileiros, o diálogo entre eles e os índios tem que ocorrer. Imediatamente!

A entrevista do deputado Aldo Rebelo vem a seguir.


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'O Exército não pode desterrar os não-índios'

Para Aldo, União não pode simplesmente declarar extinção de municípios e solucionar conflito com exclusão de uma das partes

Rui Nogueira

No debate em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o alagoano José Aldo Rebelo de Figueiredo, 52 anos, é uma voz imbuída do espírito de José Bonifácio (1763-1838), o patriarca da independência que propunha a “intransigência na causa, mas com flexibilidade nos caminhos”. Aldo Rebelo (PC do B), deputado representante de São Paulo desde 1991 na Câmara, deve ser o paulista por adoção política que mais conhece a reserva indígena e que mais andou pela calha do Amazonas.

Consolidou, por isso, um caminho que, a grosso modo, passa ao largo do nacionalismo alarmista e da antropologia paternalista. Nesta entrevista, ele pede que se protejam os índios da reserva demarcada em abril de 2005 pelo presidente Lula, mas que não se use o Exército para “desterrar” os não-índios como se eles fossem menos brasileiros que os demais brasileiros. A Operação Upakaton 3, da Polícia Federal, para retirar do 1,7 milhão de hectares os não-índios, está suspensa até que o Supremo Tribunal Federal (STF) tome uma decisão sobre o assunto.

Qual é a essência do problema do conflito em Roraima, na reserva Raposa Serra do Sol?

Nós reduzimos o problema a um duelo de pontos de vista sobre se a demarcação contínua é certa ou errada. O certo é que a situação expõe razões que, se consideradas isoladamente, deformam o todo. O que nós queremos? Impor uma derrota aos índios que reivindicam a demarcação contínua? Queremos derrotar os que defendem a demarcação em reservas ilhadas? Simplesmente não corresponde à verdade dizer que há ali, na região, apenas meia dúzia de arrozeiros. Quem já esteve lá, e eu estive lá mais de uma vez, e quem leu o relatório da Comissão Externa da Câmara (leia abaixo) sabe e viu como foram construídos aqueles municípios dos não-índios em Roraima. Tem gente que chegou lá no século 19 e no início do século passado.

O sr. tem falado em “erro geopolítico” e “paroxismo” envolvendo a política da demarcação da reserva.Explique.

Se não conseguimos julgar uma política com antecedência, devemos, então, julgá-la pelas conseqüências. E a conseqüência do que está acontecendo em Roraima é a instalação de um grave conflito entre populações do mesmo País.

O sr. acha que o Exército está sendo usado para fins políticos?

O Exército pode dar proteção a participantes de uma conferência internacional, no Rio, por exemplo, contra o crime organizado. Mas o Exército não pode ser usado para proteger as populações indígenas brasileiras e, ao mesmo tempo, desterrar populações não-índias e igualmente brasileiras. Pior: o Exército costuma ser barrado quando quer entrar numa reserva.

Isso é paradoxal. E a questão geopolítica?

Há populações na região da Reserva Raposa do Sol que vivem ali muito antes de parcela das populações indígenas que atravessaram as fronteiras vindas de guerras tribais do Caribe. Creio que devemos receber e acolher essas populações indígenas juntamente com as populações indígenas que já existiam no Brasil. Mas devemos acolher, também, os brasileiros não-índios que ali chegaram há muitos anos e ali construíram suas vidas. Como é que nós podemos simplesmente, em um processo de demarcação, declarar a extinção desses municípios, que é o caso do município de Normandia, que é de 1904, Pacaraima e mesmo Uiramutã. O de Uiramutã, nós (os parlamentares) conseguimos retirar da lista de extinção em meio a uma negociação difícil. As pessoas tinham ali as suas raízes, a sua infância, suas famílias, sua história. A prefeita de Uiramutã me contou que o avô dela chegou ali em 1908. Como é que nós vamos promover o desterro dessa população? A decisão embute um erro geopolítico. Quem não considera isso um problema grave não está considerando o conjunto do problema. Nós não podemos buscar a solução para o conflito com a exclusão de uma das partes.

Os índios ainda são vítimas de uma incompreensão generalizada da sociedade branca?

Ainda que algumas pessoas não gostem de ouvir o que vou dizer, o certo é que o índio, no imaginário da sociedade brasileira, tem uma imagem positiva. As nossas cidades não estão cobertas de monumentos a exterminadores de índios, como estão as cidades norte-americanas. Não temos um herói como Buffalo Bill. Quando eu era menino, lembro que nos desfiles da escola havia sempre um grupo que desfilava representando os índios do País. Eu desfilava com orgulho, apesar de ser um pouquinho mais branco, nesse grupo que representava os índios.

Mas é comum ouvir que os dias de hoje continuam a refletir o início de uma história de colonização, de 500 anos atrás.

Essa é uma visão pessimista e derrotista do nosso processo histórico. Sou mais otimista, sem deixar de ver que a nossa história é carregada de erros e deformações, mas também é cheia de virtudes e acertos. É claro que ainda há incompreensões para com a população indígena, mas também há incompreensões para com as populações não-indígenas, caboclas, miscigenadas que vivem, no caso da reserva Raposa Serra do Sol, em áreas próximas às dos índios.

O que é, então, uma decisão minimamente justa para esse caso?

A responsabilidade da Nação, do Estado, dos intelectuais deve ir no sentido de compatibilizar a proteção e segurança das populações indígenas com a mesma proteção e segurança a conceder às população não-indígenas.

O sr. trata índios e não-índios como brasileiros, mas a antropologia pensou a demarcação como modo de preservar o diferente.

Eu sou tributário da minha formação marxista, da luta pela igualdade. Hoje, há uma grande parcela da esquerda que, depois de capitular diante das dificuldades para transformar o mundo, dedica mais esforço a cultuar e a reforçar a diferença, em vez de buscar a igualdade. Sei que isso tem peso muito grande na formação das opiniões sobre, por exemplo, convivência étnica. Mas a realidade em Roraima não se manifesta assim, eu sei porque vi, percorri toda aquela calha da fronteira, entrei nas áreas indígenas.

O sr. viu o quê?

Fui a uma reserva ianomâmi, perto de um pelotão de fronteira do Exército, e visitei uma maloca. Me deparei com umas 50 famílias convivendo dentro de um ambiente fechado, de penúria. Muitos fogos dentro da maloca para as famílias assarem bananas e mandiocas, muita poluição, muita fuligem, um ambiente com incidência muito grande de doenças infecciosas. Até tuberculose. Fui recepcionado por uma moça de uma organização não-governamental, a ONG Urihi. Perguntei por que não se puxava do pelotão água e luz para dentro da comunidade indígena, o que daria mais conforto à população. A moça da ONG disse que não, que isso ia deformar o modo de vida dos índios. Nessa visita, o comandante militar que estava comigo não pôde entrar na área indígena. Um grupo de crianças jogava futebol, e eu joguei um pouco com elas. Comentei com a moça da ONG: “Pelo menos o futebol é um fator de integração, pois todos torcemos pela mesma seleção.” A moça me respondeu: “Não. O senhor torce pela seleção brasileira, e os índios torcem para a seleção deles.” Nada mais falei e nada mais perguntei.

Isso é sintoma do quê?

Vi que havia ali uma incompreensão. Em outro município, perto do Pico da Neblina, as ONGs barraram, com a ajuda do Judiciário, uma construção do Exército. Só depois que a decisão foi revogada na Justiça é que o Exército pôde fazer a obra.

Há mesmo índios que querem conviver com os não-índios?

Uma parcela dos antropólogos defende, com razão, que a cosmogonia dos índios, a visão de seu surgimento e da evolução do universo, é incompatível com a convivência com os brancos e seus costumes. O problema em Roraima é que os índios já estão, de certa forma, integrados. As meninas índias de 15, 16 anos não querem viver mais da pesca, da coleta, não querem andar pela floresta com roupas tradicionais. A aspiração é ter uma vida social, vestir-se como se veste um adolescente. O isolamento para essas pessoas é uma ameaça, é a perda da possibilidade dessa convivência. A cosmogonia tem valor para as populações que não tiveram contato com os não-índios.

É alarmista falar da cobiça internacional sobre a Amazônia?

As manifestações em favor da submissão da Amazônia a uma espécie de tutela internacional só podem causar repulsa aos brasileiros com um mínimo de dignidade. As declarações e os estudos cobiçando a Amazônia são reais, desde o século 17. Dom Pedro 2º, numa carta à Condessa de Barral, já explicava por que não atendeu ao pedido de um conterrâneo meu, o então deputado Tavares Bastos, para abrir a calha da Amazônia à navegação estrangeira. Se fizesse isso, disse dom Pedro, iríamos ter protetorados na Amazônia iguais ao que foram criados na China pelas potência estrangeiras. Sabia o que estava em jogo.

Qual é o desconforto objetivo que a demarcação contínua da Raposa do Sol provoca no Exército?

O desconforto vem das restrições e das campanhas que se fazem dentro e fora do País contra a presença das Forças Armadas nas áreas indígenas.No caso da reserva Raposa do Sol, se a demarcação incluir os 150 quilômetros da terra que corre junto à fronteira da Guiana e da Venezuela, a ação do Exército fica muito dificultada, a fronteira não poderá ser vivificada. A melhor forma de controlar uma região fronteiriça é construir municípios na área, povoá-la, preenchendo-a com a presença de brasileiros índios e não-índios, gente que trabalhe, produza, que gere atividade econômica, política, social e cultural.

sábado, 26 de abril de 2008

Procurador federal se defende de acusações da revista VEJA

A revista VEJA publicou na semana passada uma matéria em que acusa de farsa o seqüestro que os Cintas-Largas teriam feito em janeiro deste ano de um procurador federal de Rondônia e de um representante da ONU. A matéria é cabeluda e traz informações dúbias sobre o papel do referido procurador. Acusa-o inclusive de conivência com a exploração e o tráfico de diamantes. Não sei se o seqüestro foi falso ou não, mas a salvação dos seqüestrados, esta sim, foi orquestrada.

A matéria abaixo é a defesa do procurador em entrevista dada em Porto Velho. Ele fala que vai processar a revista. Aliás, sob esse aspecto de colocar notícias de dúbia comprovação, a VEJA é useira contumaz. Eu mesmo fui vítima de uma matéria da VEJA baseada em um dossiê fabricado por um ex-diretor de administração da Funai. Espero que o procurador Reginaldo Pereira da Trindade consiga reparar o estrago feito pela revista em sua imagem.

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Procurador esclarece denúncias da Veja e mostra que fontes da revista foram processadas pelo MPF

Ele anunciou que a revista será processada por danos morais e para que lhe conceda um direito de resposta. Existe a possibilidade de um inquérito criminal para apurar os fatos


RUBENS COUTINHO, jornal eletrônico Tudo Rondônia

O procurador da República Reginaldo Pereira da Trindade reuniu a imprensa na manhã desta sexta-feira na sede do Ministério Público Federal em Porto Velho para desmentir enfaticamente o conteúdo da reportagem da revista Veja desta semana, que o acusa de omissão e até de conivência com a exploração de madeira e diamantes em terras indígenas em Rondônia, além de, supostamente, ter participado de uma farsa para forjar um falso seqüestro pelos índios cintas-largas.

Durante a coletiva, ele anunciou que a revista será processada por danos morais e para que lhe conceda um direito de resposta. Também adiantou que existe a possibilidade de um inquérito criminal para apurar os fatos.

Com relação ao “seqüestro”, Reginaldo esclareceu que estava a serviço do MPF quando compareceu à reserva Roosevelt, em dezembro de 2007, em companhia do comissário da Organização das Nações Unidas David Martins. O objetivo da visita era conversar com índios sobre projeto da ONU para capacitar os indígenas a lutarem por seus direitos em âmbito internacional. “Fui à reserva na condição de convidado da ONU em missão oficial do Ministério Público Federal”.

Logo no início da reunião, o índio Marcelo Cinta-Larga anunciou que Reginaldo e o comissário da ONU ficariam retidos na aldeia até que um representante do Governo fosse à reserva negociar antigas reivindicações da comunidade.
O procurador explicou que pelo menos 100 índios estavam presentes à reunião de dezembro de 2007 e praticamente todos se manifestaram pela permanência forçada dele e do comissário da ONU. “Uns se manifestaram de forma branda, outros foram mais incisivos”, acrescentou.

O clima de tensão só foi amenizado – segundo Reginaldo – quando ele e David Martins se pronunciaram e disseram que estavam ali na condição de amigos dos índios, não de inimigos. Mesmo assim, foi mantido o propósito inicial anunciado por Marcelo Cinta-Larga e todos foram retidos na aldeia contra a vontade, inclusive um motorista da prefeitura de Espigão do Oeste, que teve as chaves do carro apreendidas pelos índios.

O trabalho de Reginaldo na aldeia se estenderia de sábado a terça-feira, por isso, de acordo com o que explicou à imprensa, deixou toda sua bagagem na cidade de Espigão do Oeste. Os índios concordaram em mandar buscar as malas do procurador e liberar sua esposa que o acompanhava na reserva. Nesse aspecto, segundo Reginaldo, a mulher foi a única que permaneceu voluntariamente na reserva porque se recusou a abandoná-lo.

Os índios só concordaram em entregar as chaves do carro e liberar o procurador e o representante da ONU após a chegada do presidente da Funai, Márcio Meira.

“Ao contrário do que diz a revista Veja, não houve farsa, maquinações ou conchavos. Ficamos aquele tempo todo na aldeia contra a nossa vontade. O motorista do carro teve as chaves apreendidas pelos índios. Mesmo que os índios nos liberassem, como poderíamos voltar à cidade nos embrenhando pela mata ?”, questionou o procurador.

Reginaldo Trindade entregou aos jornalistas cópia da carta do motorista confirmando que teve as chaves do carro confiscadas pelos índios e que estas só foram liberadas após as negociações com o presidente da Funai.

SEM VIOLÊNCIA
O procurador reafirmou o que já havia dito quando foi liberado pelos índios: em nenhum momento houve violência contra ele. “Não houve propriamente um seqüestro na acepção própria da palavra, mas ficamos lá contra a nossa vontade, porque não nos deixaram sair”.

Quanto à acusação de omissão ou de conivência com a exploração de madeira na terra dos Suruí, Reginaldo também entregou documentos à imprensa com despacho de 10 de agosto de 2005 onde ele oficia ao Ibama e à Polícia Federal e a outros órgãos de fiscalização ambiental para que atuassem com rigor para impedir a atividade criminosa por parte dos índios.

Reginaldo esclareceu ainda que, antes de se reunir por duas vezes com os Suruí, os índios já haviam decidido que manteriam a exploração de madeira até que o Governo Federal atendesse uma pauta de reivindicações da comunidade indígena. Os Suruí deixaram claro que se a pauta fosse atendida, eles mesmos impediriam a exploração da madeira.
“Ao contrário do que diz a revista, que só publicou fragmentos do meu pronunciamento, tentei convencer os índios a paralisarem a atividade, argumentando que isso seria muito mais simpático junto ao Governo na negociação dos interesses deles”, acrescentou.

Ainda de acordo com o procurador, numa dessas reuniões ele expressou claramente que se a atividade criminosa continuasse, o Ministério Público Federal não teria o poder para conter a ação do Ibama, da Polícia Federal e da Funai, e que nada impediria que os índios sofressem autuações e prisões. “Nunca houve acordo, conchavos ou negociatas, omissão ou conivência com a exploração. As medidas para coibir tal atividade foram tomadas antes e depois das reuniões cujas gravações foram divulgadas pelo site da revista de forma fragmentária e descontextualizadas”.

Na época, por iniciativa do procurador, foi proposta a criação de uma comissão formada pelo MPF, Funai e lideranças indígenas para discutir as reivindicações dos Suruí, mas Reginaldo condicionou sua proposição à paralisação da exploração.

Sobre os vídeos exibidos pela revista em seu site, Reginaldo ressaltou que se trata apenas de um fragmento, e que a parte em que ele se declara frontalmente contra a exploração da madeira foi omitida pela revista.”A reportagem extraiu fragmentos de minha fala nas reuniões e distorceu a realidade, chegando à conclusão absurda de que haveria conivência com uma atividade criminosa”.

Para Reginaldo Pereira da Trindade, a má-fé com que agiu a revista se tornou ainda mais evidente e grave porque os repórteres de Veja ouviram o motorista da equipe que ficou retida em Roosevelt, este falou que os índios haviam tomado as chaves de sua mão e não publicaram nada. “Será que para a reportagem não seria relevante este fato, de que as chaves foram tomadas ?”, questiona o procurador.

Ele disse ainda que um dos repórteres de Veja lhe mandou duas perguntas por escrito para subsidiar a elaboração da matéria. “Encaminhei de volta - e no mesmo dia 17 laudas com absoluta boa fé e honestidade, mas não aproveitaram nada”.

Reginaldo Pereira da Trindade acredita que houve uma maquinação, uma conspiração para lançar nódoa na sua honra. “Não digo isso especulando, digo com provas”.

Algumas fontes que a revista usou para elaborar a reportagem – três funcionários da Funai - foram processadas pelo Ministério Público Federal e acabaram transferidas de Cacoal para outros estados porque, segundo Reginaldo, em vez de defender os índios, faziam era explorá-los. Esses servidores, ainda de acordo com o procurador, não tinham condições éticas de exercer suas atividades, pois estavam saqueando a tribo Suruí. Os três foram afastados pelo juiz federal de Ji-paraná e, posteriormente, transferidos do município. “Esses são as fontes da revista Veja para elaborar sua reportagem sensacionalista, fantasiosa, inverídica”.

Por último, Reginaldo afirmou que interessa a muitas pessoas do Estado acuá-lo, lembrou que foi vítima de pedido de suspeição junto ao Tribunal Regional Eleitoral e que o MPF já processou mais de quinhentas pessoas envolvidas em improbidade administrativa e corrupção de toda ordem.

Procurador Mário Lúcio Avelar suspende licenciamento de 5 PCH no Mato Grosso

A semana inteira continuou tomada por notícias e comentários sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e as declarações do general Heleno Ribeiro. O artigo postado abaixo da postagem atual trata dessa questão. Uma versão menor será publicada pelo jornal O Globo.

Amanhã o jornal O Globo vem com uma grande matéria sobre política indigenista, também a propósito das declarações do general. Comentá-la-emos.

Hoje a Folha de São Paulo trouxe, em sua página de Opinião, artigos do sociólogo Hélio Jaguaribe, de um lado, defendendo o fim das terras indígenas em fronteira e falando que os "etnólogos" querem criar um "jardim antropológico" para expor os povos indígenas; e de outro, a antropólogo Manuela Carneiro da Cunha e a advogada Ana Valéria de Araújo, que consideram toda essa celeuma um repeteco sem sentido e preconceituoso da direita brasileira antiindígena. Ambas as argumentações estão eivadas de equívocos, de simplificações e de detratações mútuas. De qualquer modo, a posição do sociólogo e membro da Academia Brasileira de Letras é de clara má fé e incontível falta de conhecimento.

Mudando de assunto por um instante, a matéria abaixo trata de um ponto que vai retomar com muita força nos próximos meses: o licenciamento socio-etno-ambiental de hidrelétricas na bacia do rio Juruena.

O estado do Mato Grosso resolveu se conceder a capacidade, o direito e a legitimidade de dar licença a empresas de energia para construir pequenas centrais hidrelétricas (PCH), que têm uma força de menos de 30 MW, nos rios que passam pelo estado. O órgão estadual de meio ambiente, a SEMA, deu um monte de licença para essas empresas, cada qual fazendo uma PCH do jeito que quer. Imaginem o estrago ambiental!

Acontece que algumas dessas PCHs irão afetar o bem-estar de algumas populações indígenas, e as empresas não estão nem aí. A FUNAI tenta intervir por alguns meios, mas a coisa rola à sua revelia. O Ministério Público, através de seu corajoso procurador Mário Lúcio Avelar, entrou com uma ação no Tribunal Regional Federal e ganhou a suspensão de instalação de cinco tais empreendimentos. Agora, o governador Maggi, que protege os investimentos de todos os tipos em seu estado, vai estrilar.

O procurador Avelar tem toda razão. Vai daqui o nosso apoio. Hidrelétrica que de algum modo afeta terra indígena tem que ter o licenciamento da FUNAI, se é que devemos seguir as leis desse país. A questão indígena é matéria de jurisdição federal e a FUNAI é órgão responsável pela questão.

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Ministério Público suspende 5 licenças para construção de PCHs em MT

Jornal eletrônico Só Notícias

O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso conseguiu, no Tribunal Regional Federal, uma determinação para suspender as licenças de instalação de cinco empreendimentos do complexo hidrelétrico Juruena. Perto das cabeceiras do rio que forma o Tapajós e que abriga um dos maiores parques nacionais, dez Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e duas usinas têm previsão de gerar 300 MW. Ao todo, a seqüência de empreendimentos (em diferentes etapas de licenciamento) vai ocupar 287 quilômetros do rio Juruena entre Campos de Julio e Sapezal.

Embora o Juruena seja um rio federal, cercado por terras indígenas direta e indiretamente impactadas, o licenciamento tem sido conduzido pelo Estado. Esta, no entanto, é apenas uma das ilegalidades do complexo Juruena apontadas pelo MPF.

A ação civil pública relata que tudo começou em 2002. "O órgão estadual de meio ambiente ilicitamente suprimiu a possibilidade da Funai de intervir no processo de licenciamento no instante em que se definia a viabilidade ambiental de empreendimentos capazes de causar intenso e extenso impacto ambiental em terras indígenas", escreveu o procurador Mario Lucio Avelar.

Segundo a ação, enquanto o órgão ambiental solicitava estudos ambientais complementares, os empreendedores pediam a renovação das licenças de instalação. Mas por causa do descumprimento das condicionantes das licenças anteriores, a Fema notificou-os sobre a impossibilidade de atendê-los. Na época, a Funai havia julgado insuficientes os estudos antropológicos feitos para as populações das terras indígenas Enawenê Nawê, Myky, Nambiquara, Tirecatinga, Paresí, Juininha, Utiariti, Erikbaktsa e Japuíra.

O MPF sustenta que, por tudo isso, a Sema "violou a Constituição Federal e as normas ambientais que disciplinam o licenciamento quando da aprovação dos processos de avaliação ambiental das obras do complexo hidrelétrico do Juruena ao deixar de exigir o estudo de impacto ambiental (e o respectivo relatório) por parte dos empreendedores; ao conceder as licenças ambientais sem a necessária análise do componente antropológico pela área técnica da Funai; ao investir-se de competência que não possui para licenciar obras e atividades capazes de causar impacto ambiental, econômico, social e cultural sobre povos e terras indígenas; e ao descumprir o preceito constitucional que exige autorização do Congresso Nacional para o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas".

sexta-feira, 25 de abril de 2008

APELO AO STF PELOS POVOS INDÍGENAS

Apelo ao STF pelos povos indígenas


Mércio P. Gomes
Antropólogo e ex-presidente da Funai


Por mais inverossímel que pareça, o STF está elaborando os argumentos que poderão conduzir a Nação brasileira a um retrocesso sem precedentes na história do indigenismo nacional. As indicações são diversas, mas as mais evidentes são as declarações dadas por alguns dos seus eminentes ministros. Tais declarações são produto da suspensão liminar do processo de desintrusão que estava ocorrendo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja homologação, realizada há precisamente três anos, requeria a retirada dos não indígenas daquela terra. Se esses argumentos se firmarem, talvez a T.I. Raposa Serra do Sol venha a sofrer um desmembramento de sua integridade territorial para satisfazer a permanência de alguns seis arrozeiros que lá penetraram ilegalmente na década de 1990. As justificativas para um tal ato do STF estariam em um suposto perigo à integridade territorial brasileira pela existência de terras indígenas nas fronteiras do Brasil com outros países sulamericanos, na presença ostensiva de Ongs influenciando os povos indígenas com o intuito de os fazerem independentes, e, enfim, em uma afronta a uma frágil soberania nacional.

Enquanto isso, no outro lado da questão indígena, as Ongs indigenistas, que estão dirigindo o movimento indígena nacional, praticam a ilusão de que quanto mais pressão puserem sobre o Governo Federal, o STF e o Congresso Nacional, mais essas entidades irão condescender em atender suas reivindicações.

Santa irresponsabilidade, santa e terrível alienação!

Não bastassem as declarações do ministro Carlos Ayres Britto, que vem sendo o relator de todas as ações pertinentes a essa homologação, do ministro Eros Grau e do ministro Gilmar Mendes, para citar só esses três que chegaram a falar sobre o assunto, o general Augusto Heleno, do Comando Militar da Amazônia, prossegue na sua campanha de demonstrar seu receio sobre as terras indígenas em fronteiras, sobre as Ongs e sobre a possibilidade de guerra no Brasil e mais precisamente na Amazônia.

Por sua vez, os jornais põem em suas manchetes e em seus editoriais notícias e comentários alarmistas, sem abrir espaço para argumentações mais ponderadas, calçadas na história e na antropologia nacionais. Evocam o tamanho da T.I. Raposa Serra do Sol, evocam a presença de terras indígenas em nossas fronteiras, evocam a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas como elementos perigosos para a soberania brasileira.

Não querem se lembrar da importância dos povos indígenas na história brasileira, no papel dos índios de Roraima na inclusão desse território no território brasileiro. Esquecem os militares de um de seus maiores patronos, o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que disse, em 1910, que os índios "são nações autônomas, com as quais o Brasil deve ter relações de amizade".

Quem era Rondon? Um anti-patriota, ou um dos maiores patriotas que a Nação já teve? O que queria dizer Rondon? Que o Brasil deveria ser dividido em pequenas nações?!

Não, nada disso. Rondon propôs à Nação brasileira que os povos indígenas deveriam ser respeitados como coletividades autônomas, que ele honorificamente chama de nações! Vejam bem, nações não no sentido de estados soberanos, mas no sentido iluminista do termo, o qual engloba o sentimento de povo, cultura, territorialidade e autonomia política interna. No mesmo sentido que o Canadá chama seus povos indígenas de First Nations, isto é, as Nações Primeiras. Será que o Canadá é irresponsável a ponto de pôr em perigo sua soberania ao chamar seus povos indígenas de nações?

Os militares brasileiros têm muito de que se orgulhar pela Pátria grande que têm e que eles têm como dever defendê-la. Após cinco séculos de colonização e formação de um povo novo, o brasileiro, a presença de 225 povos indígenas, falando 180 línguas distintas, espalhados na imensidão do território nacional, é a demonstração viva e conceitual do quanto o Brasil é um país especial, extraordinário e único no mundo.

Temer que os povos indígenas levem o País a algum tipo de desmembramento de seu território é algo inacreditável. Nunca aconteceu isso em nossa história. Ao contrário, foi pela aliança de alguns povos indígenas com os portugueses que partes substantivas do nosso território passaram a pertencer ao Reino de Portugal, pelos Tratados de Madri (1759) e de São Idelfonso (1798), e que, com a Independência, passaram ao Brasil. O impressionante Pantanal matogrossense, para dar um exemplo, pertence ao Brasil por causa da aliança espontânea dos Kadiwéu, antes chamados de Guaicuru, com os portugueses. Aliás, com esse povo indígena Portugal fez o único tratado de paz e amizade em toda sua história, o que ocorreu em 1791, no Rio de Janeiro.

O Brasil é o que é e tem o território que tem por causa do bom relacionamento dos estados português e brasileiro com os povos indígenas que viviam no limiar das terras pretendidas por cada um desses estados. Este é o sentido dado por Rondon em sua frase magistral.

Apelo para os ministros do STF para abrirem suas mentes para a realidade superior dos interesses estratégicos do Brasil. O interesse maior do Brasil é ser uma Nação de primeiro mundo em um futuro próximo. Não é uma república de bananas, com medo de ONU, Ongs e OEA. A paranóia que vem tomando conta da opinião pública, por causa de declarações de arrozeiros, editoralistas, militares e políticos menores, não pode tomar conta das mentes dos nossos ministros.

Por sua vez, chega do movimento indígena ser dominado por Ongs sem nenhuma responsabilidade com os interesses maiores do País ! Essas Ongs só pensam nos seus interesses próprios e em levar os índios a seguirem seus ditames. Basta ao estado brasileiro fortalecer seu órgão indigenista, a Funai, para que essa influência esmaeça e desapareça em pouco tempo.

Todos que almejam ver o Brasil respeitado por sua soberania política e econômica, com uma cultura respeitada no mundo, com um povo alegre, digno e igualitário, têm que se unir aos povos indígenas e chamá-los, por atitudes de diálogo e amizade, a integrar a grande Nação brasileira. Num sentido capital, o STF não pode voltar atrás na homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não só pelo mérito do ato realizado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, mas pelo que o ato de homologação representa como ato jurídico que oficializa o reconhecimento do Estado e da Nação sobre as terras indígenas. A demarcação e a homologação de terras indígenas, nos últimos cem anos, reconheceram 600 segmentos do território nacional como terras indígenas as quais, mesmo sendo de usufruto exclusivo dos povos indígenas, fazem parte essencial e constitucional da União brasileira.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Projeto de Lei busca refrear atuação de Ongs na Amazõnia

Apesar de já ter comentado ontem sobre o Projeto de Lei enviado pelo Ministério da Justiça para a Casa Civil, o qual visa regulamentar a atuação das Ongs na Amazônia, hoje o jornal O Estado de São Paulo traz a notícia mais completa. Há comentários do ministro Tarso Genro e do secretário de Justiça, Romeu Tuma. Parece que eles entendem do riscado.

As Ongs terão que fazer requerimento para os ministérios da Justiça e da Defesa para poderem atuar na Amazônia. Vai dar chiadeira geral. Vão apelar para a Europa e Estados Unidos para que essa legislação não passe.

Tudo isso advém das declarações do general Augusto Heleno, que criticou a política indigenista brasileira por ser "lamentável e caótica". O general não tem razão quanto aos princípios da política indigenista brasileira, que, guiada pelo Estatuto do Índio, não tem nada disso. Porém, tem razão quanto à sua prática atual, que, para todos os fins, está lamentável e caótica.

Se considerarmos que a política indigenista brasileira atual está sendo regida pela Funai, Funasa, MDS, MinC, MMA, MPOG, Casa Civil, Secretaria-Geral, TCU, CGU, Ministério Público, governos dos estados e dos municípios, Ongs e as diversas igrejas, e inclusive o Exército, aí sim, a coisa está mesmo caótica. Os índios estão num miserê sem fim, correndo no mato sem cachorro, apelando para todos sem encontrar guarida de nenhum. Só os espertos, individualmente e não coletivamente, é que se dão bem, especialmente os aliciados pelas Ongs.

Estou aguardando que a próxima ação do Ministério da Justiça será o fortalecimento da Funai ou a criação de um órgão que agregue todos os recursos que estão pulverizados por aí. Agregue ao menos Funai e Funasa sob uma só direção e filosofia de trabalho. Crie a Carreira Indigenista, abra Concurso Público para preencher um novo quadro de servidores, estabeleça um Instituto de Indigenismo, e submeta todas as ações indigenistas do Estado a esse novo órgão.

Essa resposta tem que vir como consequència de toda a celeuma e discussões que foram feitas nessa semana que passou.

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ONGs só atuarão na Amazônia com autorização expressa da Defesa

Governo também vai criar um estatuto específico para regulamentar o trabalho dessas entidades em todo o País

Vera Rosa, O Estado de São Paulo

O Planalto vai fechar o cerco às organizações não-governamentais (ONGs), na tentativa de coibir a biopirataria, a influência internacional sobre os índios e a venda de terras na floresta amazônica. A primeira ação de controle consta do projeto da nova Lei do Estrangeiro, que está na Casa Civil e será enviado ao Congresso até junho. Se a proposta for aprovada, estrangeiros, ONGs e instituições similares internacionais, mesmo com vínculos religiosos, precisarão de autorização expressa do Ministério da Defesa, além da licença do Ministério da Justiça, para atuar na Amazônia Legal. Sem esse procedimento, o “visitante” do exterior terá seu visto ou residência cancelados e será retirado do País.

Preparado pela Secretaria Nacional de Justiça, o projeto prevê multas que vão de R$ 5 mil a R$ 100 mil para os infratores. A ofensiva não pára aí: além dessa iniciativa, o governo alinhava estatuto específico para regulamentar a atuação das ONGs em todo o País. O alvo são organizações que atuam em terras indígenas, reservas ecológicas e faixas de fronteira. Trata-se de instituições que, apesar do endereço doméstico, são patrocinadas por dólares, euros, libras e outras moedas fortes.

SOBERANIA

“Grande parte dessas ONGs não está a serviço de suas finalidades estatutárias”, diz o ministro da Justiça, Tarso Genro. “Muitas delas escondem interesses relacionados à biopirataria e à tentativa de influência na cultura indígena, para apropriação velada de determinadas regiões, que podem ameaçar, sim, a soberania nacional.”

O estatuto vai revisar o licenciamento de um grupo de ONGs que cuidam de questões ambientais, mas não apenas na Amazônia. Sua confecção está a cargo de um grupo de trabalho formado por integrantes do Ministério da Justiça, que há quatro meses estuda o assunto ao lado de técnicos da Advocacia-Geral da União (AGU), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Controladoria-Geral da União (CGU).

“Ninguém aqui quer espionar ONGs”, afirma o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior. “Mas também não queremos que organizações de fachada, disfarçadas de ONGs, espionem o território brasileiro e prejudiquem nossa soberania. Não vamos aceitar testa-de-ferro de ação internacional.”

Pelos cálculos dos militares, existem no Brasil 250 mil ONGs e, desse total, 100 mil atuam na Amazônia. Outras 29 mil engordam o caixa com recursos federais, que somente em 2007 atingiram a cifra de R$ 3 bilhões.

O governo admite não ter controle de quem compra terras na região. Pior: como a floresta amazônica é uma exuberante reserva de carbono, há estrangeiros de olho nesse tesouro, que, segundo estudo publicado na revista científica Environmental Research Letters, está na casa de 80 bilhões de toneladas e corresponde a quase um terço do estoque mundial.

Na semana passada, ao escancarar o descontentamento com a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, comandante militar da Amazônia, fez um alerta: contou que ONGs internacionais estimulam índios a lutar pela divisão do território. Heleno definiu a política indigenista do governo de Luiz Inácio Lula da Silva como “lamentável, para não dizer caótica”, mas foi logo enquadrado pelo Planalto.

Tuma Júnior disse que o governo faz um “mapeamento” da Amazônia para impedir, por exemplo, a venda de terras da União, a bioprospecção e a apropriação de conhecimentos indígenas por indústrias estrangeiras de cosméticos. Nessa tarefa, o Ministério da Justiça tem entrado em contato com governadores, prefeitos e cartórios.

“Não temos interesse em criminalizar as ONGs”, insistiu o secretário nacional de Justiça. “O que queremos é reconhecer as organizações sérias, separar o joio do trigo e dar mais condições de trabalho para aquelas instituições que agem dentro da lei.”

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ongs criticam projeto de lei do ministro Tarso Genro

Ontem o ministro Tarso Genro deu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em que disse que estava mandando à Casa Civil do governo um projeto de lei regulamentando a presença de Ongs na Amazônia.

O projeto de lei quer que as Ongs preencham uma série de requisitos para terem direito a trabalhar na Amazônia. Os principais seriam a declaração de sua origem, suas fontes de recursos, suas intenções e ações e a aceitação pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Defesa. Isto é, as Ongs passariam pelo crivo desses dois ministérios.

É claro que as Ongs iriam chiar. A matéria abaixo é a primeira chiadeira, que sai pela voz do representante da Conservation International, uma Ong norte-americana que tem muito dinheiro e que tem relações com diversos povos indígenas, sem falar de suas associações com outras Ongs para projetos de conscientização e de denúnicas.

Até agora, nem o ISA, nem a ACT, nem o CTI, que recebem dinheiro da USAID e de outras fontes internacionais, se manifestaram. Têm influência dentro do governo diretamente, especialmente no Ministério do Meio Ambiente e agora da própria Funai.

Não sei exatamente qual a intenção do Ministério da Justiça nessa proposta. Segundo o porta-voz da Conservation International, é simplesmente para fazer média com o Ministério da Defesa, diante das manifestações acérbicas do general Augusto Heleno Ribeiro.

Custo a crer que seja por isso. Mas também não tenho tanta convicção de que o ministro Tarso tem a dimensão da presença de Ongs na Amazônia e dentro do governo. Nem sei se ele sabe que as Ongs estão tomando conta da Funai e que só têm diálogo com os índios "onguizados". Recentemente esteve em Brasília, por uma semana, uma comitiva de 42 Kayapó. Ficaram jogados pelos corredores da Funai, dormindo no auditório e no próprio ônibus que os trouxe. Não foram recebidos nem pelo presidente nem por qualquer diretor. Estavam bravos e pediram a saída do presidente em documento que foi levado ao ministro Tarso Genro por uma assessora sua.

Raposa Serra do Sol e sua homologação, o papel das Ongs na Amazônia e entre os povos indígenas, o discurso dos militares, como bastião do nacionalismo brasileiro, a tibieza da Funai -- estão são os grandes assuntos em pauta atualmente. Os jornais estão procurando dicas para se aprofundarem nesses temas. O Estado de São Paulo saiu à frente e tem feito matérias muito interessantes, por intermédio do jornalista Roldão Arruda, sempre sob um viés irônico, de quem olha de cima e toca lira.

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ONGs reagem à intenção de restringir sua atuação
Diretor de entidade internacional acredita que governo tenta encobrir
o principal problema, que é a ‘falta de governança’ na Amazônia

Roldão Arruda

Causou estranheza entre as organizações não-governamentais o anúncio de que o governo pretende enviar ao Congresso um projeto de lei regulamentando a ação dessas instituições na Amazônia. De acordo com o diretor da ONG internacional Conservação Ambiental, Paulo Gustavo Prado, o anúncio, feito pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, “parece uma bravata destinada a ocultar a questão principal: a ausência do governo na Amazônia”.

Veja mapa de todas as reservas do País

O ministro falou pela primeira vez sobre o projeto em entrevista ao Estado, publicada na edição de ontem. Ele disse que há cerca de duas semanas encaminhou à Casa Civil uma proposta de regulamentação da presença das ONGs na Amazônia Legal. O propósito seria impedir a ação de organizações que não cumprem as finalidades que anunciam, mas trabalham a serviço de “interesses relacionados à biopirataria”.

Segundo as ONGs, estaria havendo uma sobreposição de propostas. Seus representantes lembraram que o assunto está sendo tratado no Congresso pela CPI das ONGs; e que os parlamentares discutem um anteprojeto de lei destinado a regulamentar a ação dessas organizações em todo o País.

“A iniciativa do governo não demonstra preocupação com a Amazônia, mas sim o interesse em mostrar que é nacionalista e está ao lado do Exército”, disse Prado, da Conservação Internacional - numa referência direta à polêmica entre o governo e o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo o general, a retirada dos não-índios da reserva deixa a fronteira norte do País mais exposta a interesses internacionais, que seriam representados pelas ONGs.

“O maior problema da Amazônia não são as ONGs, mas a ausência do governo, a falta de governança”, disse Prado. “Se tivesse mais presença do Estado na região, não haveria necessidade desse terrorismo ensandecido que volta e meia aponta o dedo para as ONGs.”

Para os representantes de ONGs ouvidos pelo Estado, o governo não só pode como deve ter meios de controle sobre as entidades - para verificar quais agem de maneira correta ou não. O que eles criticam é o ataque generalizado, que lança suspeita sobre todas.

“Existem ONGs na Amazônia que fazem mais pela biodiversidade e pelas populações locais do que o próprio governo”, disse Prado. Ele é diretor de política ambiental da Conservação Internacional - que atua em 44 países, desenvolvendo projetos científicos de conservação ambiental, com a participação de universidades e institutos de pesquisa. No Brasil, onde chegou em 1989, atua no Pará, Amapá e Amazonas.

“Agimos dentro da legalidade e com transparência, com vários acordos de cooperação no Brasil e no exterior”, afirmou Prado. “Todos os nossos projetos estão disponíveis para ser consultados e analisados. Não temos nenhum problema em mostrar o que fazemos.”

Prado observou que pode estar em curso uma nova “onda terrorista contra o terceiro setor” - provocada pelo debate entre o representante do Exército e o governo a respeito da terra Raposa Serra do Sol. “Essas ondas surgem de acordo com humores e relâmpagos da política nacional”, afirmou. “Curiosamente não vejo a mesmo preocupação com a situação das terras ocupadas de forma ilegal na Amazônia, nem contra os garimpos ilegais.”

Na entrevista ao Estado, o ministro da Justiça disse que, pela proposta do governo, toda instituição, religiosa ou não, que atuar na Amazônia terá analisada sua origem e finalidade. “Vamos confrontar com aquilo que elas fazem em outros países e seus vínculos empresariais e governamentais”, disse.

Ainda segundo Tarso, “essas instituições só poderão entrar na Amazônia após receber licença específica dos Ministérios da Justiça e da Defesa”. Ele também disse que existem ONGs “que prestam serviço social e comunitário importante e as que encobrem suas finalidades.”

terça-feira, 22 de abril de 2008

Acre, um estado especial para os povos indígenas


O Acre é um estado especial por muitos motivos.

O maior é que um enclave da cultura nordestina no meio da Amazônia. É bastante diferente do Pará e do Amazonas. Mantém esse espírito apesar da entrada de imigrantes vindos do sul do Brasil. Foi esse espírito que deu um Chico Mendes e uma Marina Silva.

O segundo maior é que vem tratando a questão indígena de um modo muito especial.

Praticamente os índios do Acre estão prescindo da atuação da Funai, a não ser para garantir a demarcação e a defesa de suas terras. Os índios falam português bem, conhecem o mundo ao seu redor, e mantêm suas tradições. Além do mais, conseguem produzir uma economia interna melhor que a maioria dos povos indígenas no resto do país.

Nas últimas administrações do PT, desde Jorge Viana e prosseguindo com Binho Marques, os índios vêm usufruindo de atitudes muito positivas. Uma secretaria de assuntos indígenas é comandada por um índio.

Lembremos que até 1978 os povos indígenas do Acre eram desconhecidos pela Funai. Viviam no meio da população rural, no meio dos seringais ou na periferia das cidades. Foi um indigenista excepcional, José Porfírio de Carvalho, que abriu o primeiro escritório da Funai em Rio Branco e começou o processo de garantir as populações indígenas a assumirem suas condições indígenas, diferenciadas das condições dos demais brasileiros. Foi ele que demarcou a primeira terra indígena. Junto com jovens antropólogos e indigenistas, como Terry Aquino e Luiz Macedo, começou o processo de reconhecimento dos povos indígenas e demarcação de suas terras. Hoje quase todas as terras indígenas estão demarcadas e garantidas.

A matéria abaixo trata do II Fórum de Povos Indígenas promovido pelo Governo do Estado do Acre.

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Termina nesta segunda-feira o II Fórum dos povos indígenas

Documento será enviado às autoridades estaduais como resultado do encontro

Diego Pintro, Rose Farias e Viviane Teixeira, Agência de Notícias do Acre


Mais de 45 representantes das 35 comunidades indígenas do Acre participam do II Fórum dos Povos Indígenas, desde o último sábado, 19. O evento encerra nesta segunda-feira 21. Na abertura do encontro, o governador Binho Marques destacou a importância da autonomia indígena na construção de um plano para que o governo financie projetos nas áreas de educação, saúde e produção.

O empoderamento, segundo Binho Marques, faz com que as pessoas coloquem em prática a autonomia, capacidade e riqueza cultural. A cada ano o Governo do Estado se reúne com as lideranças indígenas para avaliar o que foi desenvolvido ao longo do ano anterior e traçar novas metas para o ano seguinte. O maior desafio do encontro de trabalho deste ano é fomentar a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Comunitário para as comunidades indígenas.

O II Fórum faz parte da programação da Semana do Índio, realizada pelo Governo do Estado, através da Assessoria dos Povos Indígenas e instituições parceiras, com a proposta de articular estratégias de políticas públicas de sustentabilidade para os povos indígenas, a partir da troca de conhecimentos, da identificação das temáticas prioritárias e da definição de critérios práticos e integrados entre os diversos atores sociais. Durante os três dias do Fórum, foram trabalhados os eixos temáticos: garantia de segurança alimentar, fortalecimento e valorização cultural e serviços básicos de qualidade para todos.

De acordo com o assessor indígena do governo, Francisco Pinhanta, o mais importante é participação efetiva das comunidades no processo de discussão das políticas indígenas. "Somente assim as políticas terão sustentabilidade", ressaltou. O representante do povo Yawanawa, Joaquim Tahska, disse que a realização do Fórum demonstra a sensibilidade do Governo do Estado na busca de diálogo aberto, visando garantir a execução das políticas públicas voltadas à população indígena do Acre.

Semana indígena - A Semana do Índio começou na última sexta-feira, 18, e termina nesta terça, 22, com a realização de uma mesa redonda, às 15 horas, no Auditório da Biblioteca da Floresta Marina Silva. O tema será Educação Indígena: Avanços e Perspectivas Futuras.

Além da mesa redonda, a Biblioteca realiza, às 18 horas, no Espaço Povos da Floresta, a abertura da Exposição das Publicações Indígenas da Mostra de Vídeos dos Realizadores Indígenas, que segue até o dia 04 de maio. A exposição é resultado de uma parceria entre a Biblioteca da Floresta e a Comissão Pró-Índio do Acre. Os vídeos apresentados mostrarão um pouco do modo de vida, cultura, crenças e tradições das populações tradicionais.

Jogos Indígenas da Bahia. Pataxó ganham maioria das modalidades


Mesmo em meio a indefinições e confusões, mesmo com o Núcleo de Apoio em questão, os Pataxó de Coroa Vermelha sabem como se divertir e como se apresentar ao público de Porto Seguro sua vida e o melhor de si. Estão sempre de bom humor, como bons bahianos que são.

Os Jogos Indígenas da Bahia ocorreram esses dias com muita comemoração. Representantes de todos os povos indígenas da Bahia estiveram disputando partidas de futebol, arco e flecha, cabo de guerra, canoagem, natação, etc.

Eis a notícia do jornal A Tarde, Salvador, com correspondentes em Porto Seguro.

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JOGOS INDÍGENAS: PATAXÓS CONQUISTAM A MAIORIA DAS VITÓRIAS

Joa Souza | Agência A TARDE

PEDRO IVO RODRIGUES, SUCURSAL EUNÁPOLIS

Apesar de os resultados oficiais dos Jogos Indígenas da Aldeia Pataxó Coroa Vermelha não terem sido divulgados ainda, sabe-se que os donos da casa venceram o maior número de provas. Os jogos, contudo, não têm um caráter competitivo, mas de integração entre povos indígenas.

Nas modalidades de corrida rústica, corrida com tora, arco e flecha, arremesso de tacape, futebol, canoagem, natação, entre outras já realizadas, os pataxós obtiveram maior número de vitórias, seguidos pelos kiriris, pataxós hã-hã-hães e tupinambás.

Para Aratimbó Pataxó, 32 anos, primeiro colocado na modalidade arremesso de tacape, a emoção de ter se destacado nos Jogos Indígenas deste ano se soma à experiência adquirida com a tradição de sua tribo.

“Como já fui campeão brasileiro, sentia-me preparado para esta prova, mas o que mais me traz satisfação é representar o meu povo. Porém, espero que surjam outros campeões, porque tudo é passageiro e acho que ninguém deve se envaidecer por uma vitória, pois novos vencedores vão surgindo com o tempo.

O clima de união entre as nações indígenas é muito grande e isso acaba contagiando aquelas pessoas que não são índias”, afirmou.

Eduardo Kiriri, 34 anos, que fez parte da equipe vencedora das modalidades futebol e corrida com maracá, disse que os kiriris sonhavam em poder participar dos Jogos Indígenas e que se sentiram honrados por terem sido convidados para se apresentar nas competições na Coroa Vermelha.

Plano de Carreira Indigenista ressurge com crise de Raposa Serra do Sol

Parece que o Plano de Cargos e Carreira Indigenista ganhou um novo fôlego essa semana. A notícia abaixo confirma que houve uma breve negociação entre o MPOG e representantes dos servidores da Funai, e que chegaram a um termo de 30 dias para ver se alcançam um consenso sobre o possível Plano. Só espero que não seja mais um blefe do MPOG.

É um pequeno passo para se avançar. Melhor do que estava antes, quando o Plano tinha sido descartado e os servidores da Funai iriam entrar na vala comum dos servidores.

Isto poderá dar nova força à Funai para resistir às incursões da Ongs dentro dela e fora dela. O Documento Final apresentado pelos índios e Ongs que estavam na semana Brasil Indígena nem ao menos mencionava a Funai. Já se a dava como favas contadas.

As intervenções do presidente Lula, do Ministro Tarso Genro, do ex-ministro Márcio Thomas Bastos, até do Supremo Tribunal Federal serão fundamentais para que o PCCind seja aceito pelo Ministério do Planejamento.

Estou aqui a torcer por essa possibilidade. A crise de Raposa Serra do Sol pode ter despertado o governo para a importância de uma Funai forte.

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Funai: negociação reaberta

Foram reabertas as negociações entre servidores e governo para a criação do Plano de Cargos e Carreira Indigenista (PCCIn).

Por enquanto, neste momento, os servidores da Funai seguem lotados no PGPE até que as negociações do PCCIn sejam encerradas. A categoria solicitou a instalação de uma agenda emergencial capaz de concluir essas negociações em até trinta dias.

O primeiro encontro foi marcado para o próximo dia 29. Na oportunidade, os servidores devem apresentar sua proposta ao governo. Uma outra reunião deve ser marcada em seguida para que o governo apresente seu parecer.

A expectativa é de que na terceira reunião os pontos de consenso sejam firmados.

O secretário de RH, Duvanier Ferreira, chegou a apresentar o esboço de uma proposta que cria uma carreira de desenvolvimento social, mas os servidores a rejeitaram imediatamente por não contemplar as obrigações constitucionais do Estado brasileiro com os povos indígenas.

Para os representantes dos servidores o encontro trouxe avanços, já que o governo concordou em renegociar o PCCIn. O prazo de 30 dias para que estas discussões sejam concluídas também foi comemorado.

domingo, 20 de abril de 2008

Documento Final do Brasil Indígena ignora a FUNAI. Porém funcionários e índios resistem


Quinta-feira, dia 17 de abril, antes das demonstrações que os mais de 500 índios acampados na Esplanada dos Ministérios fizeram, e que resultaram na audiência que tiveram com o Presidente Lula, a organização do movimento soltou um Documento Final, muito bem escrito, que aborda quase todas as questões que estão na preocupação dos índios.

Tudo, menos a Funai, nem para o bem, nem para o mal. Nem ao menos no item que trata de demarcação de terras indígenas! É como se não houvesse Funai!

Ou os índios que participaram do Brasil Indígena ignoram a Funai ou os redatores do Manifesto não dão a mínima.

De todo modo, pegou mal para a Funai.

Porém não é assim que está acontecendo no órgão. Os funcionários e muitos povos indígenas estão querendo a sua renovação. O governo não pode deixar as coisas como estão, pois, caso contrário, as crises vão aumentar.

Abaixo o Documento Final do Brasil Indígena, para sua apreciação

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ABRIL INDÍGENA 2008.
Documento Final do V Acampamento Terra Livre.


Nós, 800 lideranças representando os mais de 230 povos indígenas das distintas regiões do Brasil, nos reunimos em Brasília, de 15 a 17 de abril, por ocasião da mobilização indígena nacional, o Abril Indígena – Acampamento Terra Livre 2008, para analisar a situação dos nossos direitos, partilhar as nossas realidades, demandas e aspirações, bem como para unificar as nossas reivindicações e exigir, mais uma vez, do Poder Público a efetivação dos nossos direitos, justamente no vigésimo aniversário da Constituição Federal.

A nossa Carta Magna reconhece o caráter multiétnico e pluricultural do Estado brasileiro, portanto, o nosso direito ao tratamento diferenciado, na perspectiva da autonomia dos nossos povos.

Depois de analisarmos a situação dos nossos direitos e da política indigenísta nacional constatamos que continuamos a ser vítimas da discriminação, do preconceito e da intenção, explícita ou velada, de nos extinguir enquanto povos, com uma identidade diferenciada, fincada em espaços territoriais necessários para a nossa sobrevivência física e cultural, com organização social própria.

Contudo, fazemos parte do Estado Nacional, que depois da colonização européia se implantou sobre os territórios ocupados milenarmente por nossos povos e ancestrais.

O Estado brasileiro tem se mostrado incapaz de conviver e oferecer tratamento diferenciado aos nossos povos. O Governo tem feito esforços significativos, mas continua submetido à pressão de interesses econômicos e políticos que sempre mandaram neste país, criando situações que acarretam a grave crise no atendimento da saúde indígena e da violência contra os povos indígenas.

O Legislativo, dominado por esses setores, ao invés de regulamentar os nossos direitos, reconhecidos há 20 anos pela Constituição Federal, tem sido palco de intensa disputa com o propósito de restringir nossos direitos.

No Judiciário embora tenham sido registrados importantes decisões de mérito favoráveis aos nossos direitos, tais como a prioridade assegurada para apreciação dos processos de interesses indígenas, adotada pela primeira vez, em 2006, na gestão da Ministra Ellen Gracie, várias decisões liminares tem revelado compreensões limitadas sobre a aplicação das normas constitucionais, processuais e de proteção e promoção dos nossos direitos estabelecidos pela comunidade internacional, no âmbito da Organização das Nações Unidas.

Após vinte e cinco anos de tramitação reconhece-se o esforço do Ministro Eros Grau indicar para o julgamento definitivo o caso envolvendo a nulidade dos títulos imobiliários incidentes na terra tradicionalmente ocupada pelo povo Pataxó Hã-hã-hãe, no estado da Bahia. Esperamos que na gestão do futuro ministro Gilmar Mendes na presidência do Supremo atenções dessa natureza, que denotam sensibilidade para os direitos indígenas prossigam e sejam ampliadas para os demais órgãos do poder judiciário por intermédio do Conselho Nacional de Justiça.

Contudo, nos surpreende e deixa preocupados a recente decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) em medida cautelar requerida pelo estado de Roraima, de acordo com o voto do Ministro Carlos Ayres Brito, suspendendo atividade da administração pública federal destinada a garantir os direitos constitucionais dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingarikó e Patamona, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esta decisão liminar do Supremo é inédita, por possibilitar que os invasores continuem usurpando o direito territorial dos povos indígenas, agindo com violência e com atos flagrantemente criminosos, que colocam em questão a convivência social, o Estado de Direito e a autoridade do Governo brasileiro.

Além destes casos e tantos outros que tramitam na justiça brasileira, destaca-se mais uma vez a necessidade do STF julgar o mandado de segurança contra a homologação da demarcação da Terra Indígena Ñanderu Marangatú, no estado do Mato Grosso do Sul, tradicionalmente ocupada pelo povo Kaiowá Guarani, cujo relator é o Ministro Cezar Peluso. Lembramos ainda da ação originária No. 442, da Terra Indígena Nonoai, no Rio Grande do Sul, que há 22 anos encontra-se para julgamento.

Diante deste quadro, os nossos povos mostram-se indignados e dispostos a lutarem, se necessário sacrificando a própria vida, para termos garantidos os nossos direitos. Dessa forma, exigimos do Governo brasileiro respostas urgentes e de relevante impacto, de caráter emergencial, mas sobretudo permanente e estruturante, às demandas apresentadas por nós nos últimos cinco anos e que pouco foram atendidas. Reafirmamos, porém, atenção especial às seguintes reivindicações e propostas.

1. Empenho na criação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), envolvendo a sua base parlamentar na urgente tramitação e aprovação do Anteprojeto de Lei acordado entre o Governo e o movimento indígena no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista.

2. Comprometimento na tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, mantendo coerência com o acordado na Comissão Nacional de Política Indigenísta, no sentido de garantir a participação plena dos povos e organizações indígenas na discussão do mérito do Projeto correspondente, impedindo que temas contemplados no Substitutivo aos PLs 2057/91, 2160/91 e 2169/92 e seus apensos sejam tratados em leis específicas, como se pretende em relação ao Projeto de Lei nº 1.610, de 1996, cujo inteiro teor foi extraído do Capítulo sobre pesquisa e lavra de minérios em terras indígenas, já aprovado pelo Senado Federal e ora submetido à apreciação de uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados.

3. Reformulação urgente da política de saúde voltada aos povos indígenas, garantindo o fim da dizimação em curso que vitima os povos indígenas no Mato Grosso do Sul e Vale do Javari, dentre tantos, aonde são registrados altos índices de doenças endêmicas e epidêmicas como a dengue, desnutrição, malária, tuberculose, hepatite, hanseníase e conseqüente alta mortalidade infantil. Este quadro, onde é clara a precariedade ou falta total de atendimento, tem provocado elevados índices de morte por desassistência.

A Funasa, órgão responsável pela saúde indígena, até hoje não tem se estruturado para oferecer um serviço à altura das nossas necessidades. São crônicos os problemas de demora na liberação de recursos e de medicamentos, de por si já escassos, a falta de profissionais, de infraestrutura e condições de trabalho nos pólos-base, postos de saúde e Casas do Índio, para as ações preventivas e curativas. A centralização retirou autonomia financeira e de gestão aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI`s) e os índios são discriminados na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Este quadro tende a se agravar com a partidarização da saúde indígena, a terceirização e municipalização do atendimento e o desrespeito ao controle social exercido pelos Conselhos Distritais. Diante tudo isso reivindicamos: 1) a Revogação da Portaria 70, que institui a centralização da aquisição de insumos em Brasília e da Portaria 2656 que normatiza a municipalização da saúde indígena; 2) garantia da automomia política, administrativa e financeira dos DSEIS; 3) a permanência da saúde indígena no âmbito federal; 4) a criação de um fundo distrital; 5) reconhecimento e legalização das categorias de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISANS); 6) valorização dos pajés, parteiras e da medicina tradicional indígena; 7) humanização das Casas do Índio (CASAI`s); 8) aprimoramento do controle social através da formação e capacitação dos conselheiros indígenas; 8) garantia da referência e contra-referência na média e alta complexidade.

4. Demarcação e regularização de todas as terras indígenas, garantindo a sua devida desintrusão e proteção, para conter quaisquer tipos de invasões que ameaçam a integridade física e cultural dos nossos povos bem como a riqueza natural e da biodiversidade existente nos nossos territórios. Esses atos formais de reconhecimento dos nossos direitos territoriais devem ser necessariamente acompanhados de políticas de sustentabilidade dos nossos povos.

Destacamos as graves ameaças contidas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, principalmente através de projetos de infraestrutura como usinas siderúrgicas, grandes empreendimentos industriais e comerciais e a Transposição das águas do Rio São Francisco que atinge cerca de 26 territórios indígenas da região nordeste, as Usinas do Rio Madeira, do Estreito e Belo Monte, na região norte, o Complexo Hidrelétrico do Rio Tibagi, que atinge várias terras indígenas no sul do país e as pequenas e grandes hidrelétricas nos Rios Juluena e Kuluene, no Mato Grosso, que afetarão mais de 20 comunidades indígenas.

Destacamos a urgente necessidade da garantia da integridade das terras Guarani, particularmente do Morro dos Cavalos, e dos povos Kaingang, Guarani, Xetá e Xocleng, também no sul do país.

Destacamos o impacto ambiental e social que a construção de usinas de álcool trarão para as comunidades indígenas no Pantanal, Mato Grosso do Sul.

Destacamos ainda a necessária e urgente conclusão da desintrusão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, observando que não existe divisão entre as comunidades, tratando-se de uma falsidade fabricada principalmente por seis arrozeiros invasores, beneficiário de isenção tributária do Estado de Roraima até 2018, em detrimento dos direitos de 18.992 de cidadãos indígenas. É também urgente a desintrusão da Terra Indígena Maraiwatsedé, para o retorno do povo Xavante a seu território tradicional.

Ressaltamos que a demarcação e regularização das Terras Indígenas na faixa de fronteira em nada compromete a integridade e soberania do Brasil, pelo contrário é a extrema violência dos invasores que ameaça e compromete a segurança do país nessas regiões, como ficou demonstrado nas últimas semanas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Constatada a morosidade do Estado no atendimento destas demandas, reafirmamos a nossa disposição de proceder a ocupar os nossos territórios.

5. Adoção de medidas urgentes para conter o processo de violência e criminalização a que estão sendo submetidos os nossos povos, organizações e lideranças, muitas das quais são presas de forma arbitrária ou assassinadas a mando de fazendeiros e outros invasores das terras indígenas, como acontece com freqüência na região Nordeste e no Mato Grosso do Sul. Só em 2007 foram assassinados 92 líderes indígenas. Destacamos a impunidade dos envolvidos nos assassinatos do líder Truká Adenilson e seu filho Jorge, em Pernambuco, do líder Ortiz Lopes Kaiowá Guarani e da rezadeira Xureté Kaiowá Guarani, e de lideranças nos Estados do Ceará e Maranhão, casos até hoje não esclarecidos. Repudiamos e exigimos o fim da violência policial, o confinamento e a criminalização do povo Cinta Larga. É preciso punir os responsáveis pelos crimes cometidos contra os povos indígenas.

6. Implementação de uma política de educação escolar indígena de qualidade, específica e diferenciada, que garanta condições para o ensino fundamental e médio completo nas nossas aldeias, e o acesso dos jovens indígenas ao ensino superior, considerando os nossos reais interesses e aspirações, em áreas como a saúde, direito e educação. Concretamente reivindicamos: 1) a criação de um Fórum Permanente de Educação Indígena; 2) a criação do Conselho de Educação Escolar Indígena; 3) a criação de uma secretaria específica de educação escolar indígena para tratar dos recursos destinados a educação escolar indígena; 4) formação de professores indígenas nas Universidades Federais e Estaduais; 5) apoio aos estudantes do ensino superior, através de bolsas de estudos, garantia de casas de estudantes indígenas, programa específicos e diferenciados, além do sistema de cotas; 6) que o MEC restabeleça convênios com as organizações indígenas e não governamentais, ouvidas previamente os povos e comunidades indígenas; 7) criação de um Subsistema de Educação Escolar Indígena; 8) realização da Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena; 9) reconhecimento dos títulos de estudantes indígenas formados no exterior; 10) efetivação dos professore indígenas pelo Estado.

Conquistamos com muita luta nossos direitos na Constituição que agora completa 20 anos, mas o Estado brasileiro não está cumprindo com seu dever de torná-los realidade.

Contra as falsas acusações de que atrapalhamos o projeto econômico em curso, afirmamos claramente que nós, povos indígenas, com base em nossas próprias histórias, valores e culturas, temos muito a contribuir com o desenvolvimento sustentável do país, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e de um Estado verdadeiramente pluriétnico e democrático no Brasil.

Brasília, 17 de abril de 2008.
 
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