sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Aryon Rodrigues, o decano da lingüística brasileira solta o verbo contra convênio oportunista

Aryon Rodrigues, o decano da Lingüística brasileira soltou o verbo contra o convênio celebrado em junho deste ano entre o Museu do Índio, o Museu Nacional e o Instituo Max Planck de Psico-Lingüística de Nimega (Holanda).

Está indignado que tal convênio foi feito sem consultar os demais linguistas que vêm estudando línguas indígenas brasileiras há mais de 50 anos (no caso de Aryon) e que só dá oportunidade ao pessoal dos Museus e da Funai.

A Revista da Ciência da SBPC tem prestigiado esse debate, e Aryon não é de baixar a crista.

Leiam a matéria para ficar em dia. É importante e define muito bem os oportunistas que estão tomando conta da Funai.

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15. Ainda as línguas ameaçadas, artigo de Aryon D. Rodrigues

“Qual o benefício que os lingüistas e os antropólogos brasileiros têm podido tirar desse riquíssimo banco de dados lá em Dallas? Nenhum”

Aryon D. Rodrigues é diretor do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB. Artigo enviado pelo autor:

O JC informou em 7/9/07 sobre o que vem sendo feito no Brasil nos últimos 25 anos na documentação das línguas indígenas e mais particularmente no que se refere às mais ameaçadas de desaparecimento, aquelas que hoje contam com menor número de falantes ou cujas comunidades enfrentam situações adversas mais fortes.

Na mesma página o JC noticiou sobre o Projeto Dobes, que foi objeto de acordo entre a Instituto Max Planck de Psicolingüística de Nimega (Holanda) e a Funai, com o objetivo de equipar o Museu do Índio, mantido por esta, para ser o depositário de cópias de dados de línguas brasileiras documentadas pelo Dobes.

Esta notícia ensejou observações críticas minhas e de outros lingüistas brasileiros. Facó Soares, da UFRJ (5/10), mostrou várias e graves impropriedades nos termos daquele acordo e D’Angelis, da Unicamp (18/10), criticou a precipitação da direção da Funai, órgão do Ministério da Justiça, em adotar um programa de documentação lingüística mesmo sem dispor de nenhum lingüista em seus quadros e fez outras observações sobre a impropriedade dessa adoção do Dobes sob patrocínio oficial.

Eu mesmo (JC 21/9) tinha salientado que, embora esse programa se defina como essencialmente voltado para línguas ameaçadas (Dokumentation Bedrohter Sprachen), suas aplicações no Brasil, até o momento (já são sete anos), não foram dirigidas para nenhuma das mais ameaçadas (e também sobre estas não foram consultados os pesquisadores das universidades brasileiras), o que parece pôr em questão ou o acerto das escolhas já feitas, ou o propósito do Dobes, que, como supõe D’Angelis, poderia ser o de uma ampla coleta de dados primários, de línguas ameaçadas ou não, para exploração futura.

Ainda nas páginas do JC fez restrições à aplicação do Dobes no Brasil o professor Chris Sinha da Universidade de Portsmouth, Inglaterra (JC 19/10), o qual tem colaborado com lingüistas da Universidade Federal de Rondônia.

Na edição de 10/9 do JC e-mail saiu um release da Assessoria de Comunicação do Museu Goeldi proclamando que esse museu tem “o maior e mais qualificado grupo de pesquisa em línguas indígenas do país”, o qual eu comentei brevemente, dizendo tratar-se de auto-avaliação que desconsidera tudo o que se tem feito e se faz, nesta área, nas universidades brasileiras e pouco diz com respeito às línguas mais ameaçadas da Amazônia.

Na edição impressa de 21/9 foi publicado escrito de Franchetto, do Museu Nacional/UFRJ, no qual esta pretende, por um lado, defender o Setor Lingüístico do Goeldi e, por outro lado, elogiar o Projeto Dobes, de que foi beneficiária. A esse artigo ofereci breve comentário no JC de 5/10, corrigindo-lhe um equívoco e mostrando a impertinência de outra observação.

Para minha surpresa, veio comentar minhas intervenções não outro lingüista, mas o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional (JC de 19/10), aliás esposo de Franchetto (que também é antropóloga), procurando defender o Dobes e também o Instituto Max Planck de Psicolingüística (que ainda não tinha sido objeto de crítica) e procurando desviar o foco da questão e confundir os leitores, chamando a atenção para sua própria importância de grande e reconhecido pesquisador em contraste com o meu “tom acrimonioso”, com o “desconhecimento de Facó” e com o “foco inusitado do Prof. Chris Sinha”, e insinuando tratar-se, em nossos casos, de meros “conflitos acadêmicas por espaço e por recursos”.

Pior ainda: insinuou que nós, que temos reservas quanto à adequação do Dobes para a pesquisa científica das línguas indígenas no Brasil ou para a documentação urgente das línguas mais ameaçadas, ou quanto à legitimidade da adoção do Dobes por uma instituição governamental que não tem nenhum conhecimento científico sobre as línguas, mas que tem o poder legal de autorizar ou negar o acesso de pesquisadores às áreas indígenas, que nós estaríamos associados a um “mix de lingüística e evangelismo que caracteriza o Summer Institute of Linguistics”.

A essa grave ofensa respondemos tanto eu (JC de 19/10), como Facó Soares (JC de 22/10). Eu lembrei que a responsabilidade pela introdução daquela organização missionária no Brasil, sob o pretexto de modernizar a pesquisa das línguas indígenas, foi inteira e exclusivamente de um antropólogo do Museu Nacional mediante acordo firmado em 1959.

Aí começou o “mix de evangelismo e lingüística” de que Fausto tem tanto conhecimento e com o qual maliciosamente quer confundir os lingüistas das Universidades brasileiras.

Leiam-se, a propósito, as palavras do guru dos antropólogos do Museu Nacional: “Em 1959 ocorreu um fato novo e de conseqüências tão significativas, que só ele daria para marcar profundamente esse decênio. Trata-se do convênio assinado com o Summer Institute of Linguistics, mediante o qual passou a operar no Brasil, associado ao Setor Lingüístico do Museu Nacional, uma equipe de pesquisadores altamente qualificados para o desempenho cabal da tarefa proposta, isto é, a coleta de materiais que permitem o estudo de todas as línguas faladas no Brasil, segundo os melhores padrões da Lingüística moderna”. (L. de Castro Faria, Antropologia – escritos exumados, Niterói: EDUFF, 1998, p. 41).

Veja-se, nesse texto de Castro Faria, que é salientada a coleta de materiais, tal como agora, no caso do Dobes, o objetivo é a documentação de dados primários, portanto a coleta de materiais. E Fausto está tão bem informado sobre isso, que acrescenta que a organização evangélica aqui introduzida há meio século pelo Museu Nacional “detém um dos maiores bancos de dados de línguas do mundo em Dallas, Texas”.

(Qual o benefício que os lingüistas e os antropólogos brasileiros têm podido tirar desse riquíssimo banco de dados lá em Dallas? Nenhum. Entenda-se, então, a inquietação de D’Angelis quanto à efetiva acessibilidade do novo banco de dados na Europa.)

Há 50 anos não só o Museu Nacional foi procurado pelo SIL, mas também o Museu Paulista, então dirigido pelo antropólogo Herbert Baldus, e o Serviço de Proteção aos Índios, cujo setor de estudos e pesquisas era dirigido pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Nenhum destes dois aceitou a proposta do SIL, só Castro Faria do Museu Nacional a aceitou.

(Que sirvam também as palavras de Castro Faria acima transcritas para desmentir a informação falsa propalada internacionalmente por Denny Moore, do Museu Goeldi, atribuindo a Darcy Ribeiro a introdução do SIL no Brasil – K. Brown, ed., Encyclopedia of Languages & Linguistics, 2nd ed., Oxford: Elsevier, 2006, p. 117).

Agora, em sua carta, Fausto revela o que até então ainda não sabíamos: o acordo Funai-Max Planck Institute “agora inclui também a UFRJ-Museu Nacional e o MCT-Museu Goeldi”!

Foram a UFRJ e o Ministério da Ciência e Tecnologia induzidos a entrar ou aderir ao acordo feito com a Funai? Ou foram feitos outros acordos de que não temos conhecimento? E é por isso que no texto do acordo com a Funai aparecem como consultores do diretor do Museu do Índio a dra. Bruna Franchetto do Museu Nacional e o dr. Sebastian Drude do Museu Paraense Emílio Goeldi?

É apenas nessa qualidade superficial de consultoria ao diretor do Museu do Índio que estão comprometidos a UFRJ e o MCT, ou, como dão a entender as palavras de Fausto, tanto aquela Universidade, como o Ministério da Ciência e Tecnologia também firmaram compromisso com o Instituto Max Planck de Psicolingüística?

Fausto informa também que ele próprio já participou do Dobes “como consultor de um dos projetos entre 2001 e 2006”. Terá, então, a Fundação Volkswagen, a financiadora do Dobes, aceito como consultor o esposo da pesquisadora principal e seu colega de departamento?

Terão sido procurados pela fundação outros consultores brasileiros e de que instituições (por exemplo, para a língua Sateré-Mawé a lingüista D. Franceschini, antes da Ufam, agora da UFU, que há cerca de dez anos pesquisa essa língua e dá assistência a programas educacionais dos seus falantes, ou para a língua Kaxinawá o lingüista Aldir de Paula da Ufal, que há mais de dez anos é o assessor da CPI-Acre para as línguas da família Pano)?

Quero deixar claro que durante os sete anos em que tem havido no Brasil projetos Dobes nenhum lingüista deste país questionou a legitimidade desses projetos, pois se entende que é direito de qualquer pesquisador tanto definir e justificar o modelo de pesquisa que se propõe desenvolver, como buscar fundos em instituições de fomento.

Embora muitos de nós observássemos a inadequação do Dobes para as situações de línguas indígenas realmente ameaçadas de extinção, considerávamos e consideramos legítima, em princípio, a decisão de pesquisadores que optavam dedicar-se a línguas em outras condições. Se agora levantamos a voz, certamente não foi por inveja, nem por disputa das verbas da Fundação Volkswagen, que é tudo o que insinua o escrito de Fausto.

Levantamos a voz e protestamos agora contra a decisão de um órgão da administração pública brasileira, do Ministério da Justiça, um órgão sem competência lingüística, de ter assinado um acordo internacional com uma instituição sediada na Holanda, o Max-Planck Institut für Psycholinguistik, adotando o Projeto Dobes para documentação das línguas indígenas ameaçadas em nosso país – justamente o órgão que tem a atribuição oficial de aprovar ou rejeitar as propostas de pesquisa em áreas indígenas.

Como resposta a mim, R. Guiradello-Damian, a lingüista do projeto Dobes para a língua Trumai do Alto Xingu, publicou no JC de 22/10 longo escrito procurando justificar o Dobes e também o inglês ELDP (Endangered Languages Documentation Project, que não foi objeto de minhas observações) e sua participação no primeiro.

Curiosamente, Guirardello confirma a inconsistência entre o nome desses programas e a atuação efetiva deles, ao dizer: “Ao contrário do que afirma Rodrigues, a proposta do Programa Dobes, assim como do Programa ELDP, nunca foi de documentar ‘as línguas mais imediatamente ameaçadas de extinção’.”

O mais recente avanço dos promotores do Programa Dobes no Brasil, à revelia dos lingüistas brasileiros atuantes nas nossas Universidades, terá sido a inclusão desse programa na agenda social do Governo Federal, como se vê pela seguinte nota agora publicada pelo órgão de divulgação do Museu do Índio (No Museu, ano II, nº 20): “O Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas Brasileiras, um dos destaques da Agenda Social do Governo Lula, pretende, sob a coordenação do Museu do Índio/Funai, documentar e fortalecer 20 línguas indígenas. Os trabalhos serão desenvolvidos, sob a coordenação da profª Bruna Franchetto, em conjunto com diversas instituições acadêmicas e científicas, entre elas: Museu Nacional/UFRJ, Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT e o Instituto Max Planck para Psicolingüística, sediado em Nijmegen, Holanda.”

Portanto, o Projeto Dobes, representado pelo Instituto Max Planck para Psicolingüística de Nijmegen, Holanda, e agora incorporado ao Museu do Índio da Funai, já foi incluído na Agenda Social do Governo Lula, sob a coordenação da antropóloga Bruna Franchetto, do Museu Nacional!

E sem nenhuma consulta aos pesquisadores especializados em línguas indígenas em mais de dez Universidades brasileiras, que correm o risco de ver as prioridades da pesquisa científica e a formação de novos pesquisadores subordinada a critérios políticos e administrativos.

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