terça-feira, 24 de julho de 2007

Parque do Xingu inaugura Centro Cultural na aldeia dos Kuikuro

Meses de junho, julho e agosto são os mais felizes em aldeias indígenas. Há fartura de peixe e caça, os produtos das roças estão no seu auge ou não foram consumidos de todo, as aldeias se visitam mutuamente, as principais festas e festivais são promovidos.

A matéria abaixo fala da inauguração de um Centro Cultural na aldeia dos índios Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu. Fala também do filme, na verdade, do re-make de um filme feito em 1984, por Washington Novaes, conceituado jornalista goiano, das aldeias do Parque, onde ele encontra abrigo.

O filme foi feito em julho e agosto do ano passado. Um dos ponto altos é a filmagem do Kuarup que aconteceu na aldeia dos Mehinaku. É onde alguém, acho que da BBC de Londres, levou uns judocas para lutar com os xinguanos. Foram jogados para o alto e sofreram baitas vaias.

Na ocasião, era presidente da Funai e dei uma entrevista sobre o assunto das mudanças culturais. Novaes se preocupa em preservar as culturas do Parque do Xingu, mas sabe que as novidades tecnológicas chegaram de vez, e que cabe aos índios fazerem suas escolhas.

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Sessão audiovisual mostra Xingu em duas épocas

Pedro Biondi

O Xingu de hoje e o Xingu de ontem – mais precisamente, de duas décadas atrás

Os cerca de 300 habitantes da aldeia e os convidados assistiram ao primeiro episódio da série de documentários Xingu – A Terra Ameaçada, do jornalista Washington Novaes, que já havia retratado a região em uma série de documentários veiculada em 1985. Também foi exibido DVD com dois dos trabalhos artísticos do Coletivo Kuikuro de Cinema, formado por jovens da aldeia.

Em seu vídeo, com veiculação prevista para domingo (29) na TV Cultura de São Paulo, Novaes retrata as mudanças por que passaram os quatro povos – Kuikuro, Mentuktire, Panará e Waurá – visitados nas gravações da série original, Xingu – A Terra Mágica.

Mostra a chegada da TV, das motos, dos tratores e dos poços artesianos. Contrapõe, também, o Kuarup de 2006 ao que havia presenciado em 1984. Na edição do ano passado, a festa de celebração dos mortos teve presença maciça de jornalistas, turistas e até lutadores trazidos pela rede pública britânica BBC para enfrentar os guerreiros locais na luta huka-huka.

O chefe Aritana, um dos líderes dos Yaualapiti, prestigiou o evento audiovisual na aldeia amiga. Ele aparece lutando no vídeo da década de 80. “Quando ele [Novaes] voltou, mostrou, muita coisa está sendo deixada de lado”, aponta, em entrevista à Agência Brasil. “A rapaziada não está mais apresentando sua homenagem. Estão um pouco assim vergonhando. Essa [exibição] que ele filmou agora, bem diferente. Meu olho, né? Veja essa diferença.”

O jornalista conta o que constatou: “Eles ainda têm aquele tempo que escorre mais devagar, mas com muitas transformações”. Em várias aldeias, diz, quase todas as casas têm antena parabólica, e quando têm combustível para o gerador os moradores vêem Jornal Nacional, novela, jogo de futebol... Além disso, acrescenta, os jovens gostam de dançar forró e de jogar bola.

“Mas talvez a transformação mais profunda seja que não havia dinheiro nas aldeias, não tinha monetarização na cultura”, comenta Washington Novaes. Para ter as tecnologias e produtos dos brancos, foi preciso produzir dinheiro – fazendo apresentações fora, recebendo direitos de filmagem ou vendendo adornos.

“Os velhos dizem que os jovens não querem mais viver do modo tradicional. Querem passar o tempo inteiro fazendo artesanato, e não vão, por exemplo, cultivar as roças para produzir comida. E não querem aprender os cantos, as danças relacionadas ao mundo dos espíritos”, observa. Ele lembra também que, agora, muitos velhos recebem aposentadoria.

Nas produções exibidas, os cineastas kuikuro mesclam narrativas tradicionais, humor, ficção e referências a pessoas da comunidade. Imbé Gikegü – Cheiro de Pequi explora lenda segundo a qual a fruta passou a ter o cheiro atual após ser passada no sexo de uma mulher.

Também segue em tom ora mítico, ora cotidiano a história de adultério, com um jacaré, das duas mulheres do protagonista Maricá – nome, por sinal, de um dos diretores da peça audiovisual, filho do chefe Tabata. Tímidas no contato com os forasteiros, as mulheres exibem humor ferino na tela, e a platéia gargalha quando elas se referem ao órgão sexual masculino. O curta-metragem foi premiado em festival no Canadá.

No documentário Nguné Elü – O Dia em que a Lua Menstruou, resultado de uma oficina da ONG Vídeo nas Aldeias, o foco vai para os rituais no Ipatse por ocasião de um eclipse. Numa espécie de “fala-povo”, os Kuikuro entrevistados procuram lembrar narrativas tradicionais sobre a Lua, que tem um lugar central na cosmologia (concepção de mundo) desses índios.

A sessão da noite de sábado, com pipoca, foi a céu aberto. E ela assistiu a tudo lá do alto, com sorriso crescente.

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