segunda-feira, 4 de junho de 2007

Maraiwatsede na mídia

Vejam essa matéria, em continuidade à matéria da Carta Capital sobre a relação entre o CIMI, a Funai e a Igreja Católica.

O autor é Felipe Milanez, que foi jornalista da Funai no período de outubro de 2005 a março de 2007. Ele foi um dos responsáveis por diversas matérias que sairam na Revista Brasil Indígena e ganhou muita experiência com os povos indígenas e conhecimento dos vários atores que fazem parte dela.

O caso Maraiwatsede é exemplar de vários períodos históricos do relacionamento entre a Igreja e os povos indígenas. O líder Damião Paradzané sintetiza todo o sentimento xavante em relação ao papel dos salesianos na região do sudeste do Mato Grosso.

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Nem tão católicos
A história da associação de militares e salesianos contra uma tribo xavante


Por Felipe Milanez

Quando ainda era um menino de 8 anos, Damião Paradzané levou quase um mês para receber a notícia de que o pai, Ru'waê, tinha falecido. Morador de um internato comandado por freiras e padres, no fim de 1966, ele mal sabia onde estava. Damião e toda a aldeia haviam sido despejados de uma área em Mato Grosso pelos militares. As terras foram entregues a um grupo de posseiros, com apoio da missão salesiana de São Marcos.

Na mesma hora em que soube da morte do pai, o índio descobriu que mais 170 nativos da aldeia haviam morrido nas duas primeiras semanas após a transferência. Ele foi um dos 50 sobreviventes de uma fulminante epidemia de sarampo. Desestruturado pela mortandade, levou 40 anos, numa longa diáspora por diversas terras indígenas do território xavante, para conseguir reorganizar o grupo e retornar à terra onde nasceu, Marãiwatséde.

Até falar com CartaCapital, na terça-feira 8, Damião não sabia da visita de Bento XVI ao Brasil. Mas mandou um recado. "Ele precisa pagar pelo que a Igreja fez com o meu povo", afirmou. "E a gente vai cobrar. Como a Igreja ajudou no passado pra expulsar índio pra São Marcos, agora precisa ajudar a gente a voltar", completa.

Quando esteve na Itália nos anos 1990, convidado por deputados italianos, na negociação com a petrolífera Agip para ceder a fazenda Suiá-Missu à União, o cacique não conseguiu ser recebido por ninguém do Vaticano. Como o Estado comandado pela Igreja é acionista da empresa italiana, que comprou as terras na década de 80, Damião achava que poderia sensibilizar a cúpula episcopal e obter apoio no processo fundiário, em curso até hoje.

A transferência forçada, o líder indígena sabe como poucos, foi armada pela ditadura. A Igreja não é a única responsável pela truculência, mas foi a ação dos padres que deixou as cicatrizes mais profundas na cultura dos xavante. Associada ao Estado, a Igreja oferecia missões evangelizadoras como depósito dos índios. "A gente não perdeu nossa cultura, mas tinha que fazer os rituais escondido", relembra.

Desde agosto de 2004, o grupo vive na Terra Indígena Marãiwatséde, ao norte do Mato Grosso, próximo do Tocantins. Mesmo tendo sido homologada em 1998, a área estava de tal maneira tomada por posseiros que os índios não podiam nem chegar perto. E ainda está. Dos 165 mil hectares, eles conseguiram retomar menos de 40 mil. Uma ação na Justiça, decidida no início do ano, determinou a reintegração de posse para os índios, condenando os posseiros a sair e a reflorestar a área. Mas, até o momento, não foi executada. A questão era considerada a mais importante na política indigenista do ex-presidente da Funai Mércio Gomes. O atual presidente, Márcio Meira, visitou a aldeia neste mês.

O reflexo da situação em que vivem está nas crianças. Entre as 280 com menos de 12 anos, 67 apresentavam um grave estado de desnutrição no fim de 2006. No ano passado, 17 morreram de fome. Em 2007, houve duas mortes. Há 50 mulheres grávidas, e Damião teme pela falta de água. "Poço não funciona, e no riacho tá cheio de veneno agrícola e sujeira."

O cacique xavante não nutre ódio pela Igreja, e é político nessa questão, apesar de muitos na aldeia, como a ex-mulher Carolina, não suportarem a presença cristã. "O único que nos ajuda é o padre Zacarias. Mas ele faz isso por peso na consciência, porque estava presente na época das mortes, viu tudo, e nos acompanhou por todo esse tempo. Mas só ele, ninguém mais", lamenta o índio.

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