sábado, 2 de junho de 2007

Kayapó na mídia

A Funai resolveu soltar a notícia que havíamos antecipado no começo desta semana sobre a chegada de um grande grupo de índios Kayapó do sub-grupo Metyktire, o mesmo ao qual pertencem Raoni, Megaron, Jaboti e outros.

Raoni parece que está no Japão para onde foi convidado para passar alguns meses ensinando os jovens japoneses sobre os índios e a Amazônia. Espero que volte logo porque sua presença é importante para manter o bom espírito de convivência com esses seus parentes que chegaram.

A direção da Funai diz que foi uma surpresa a chegada desses índios. Porém, na verdade, sabíamos desse grupo há muitos anos. Inclusive está na nossa Revista Brasil Indígena, com a matéria de todas as indicações de índios autônomos (sem contato).

A surpresa é de serem tantos e a notícia de que teriam vindo escorraçados por ataques de madeireiros e outros. Esta notícia, é claro, vai ser desmentida, por invencionice.

Por tudo, é uma grande notícia, digna de admiração e reflexão. Entre tantos pontos interessantes está o de que Megaron, que parece estar à frente desse relacionamento, ter pedido à Funai para mandar miçangas e ferramentas para agradar aos seus parentes e demonstrar generosidade por parte dos anfitriões. Isto é, são as mesmas coisas que os brancos usaram para fazer o contato original com os demais Kayapó na década de 1950 e com outros índios desde o início do século XX.

Aí é que está a questão indígena. Ela independe das ações e escolhas das pessoas. O que foi feito em outros tempos tem uma lógica própria, nascida do conhecimento pré-antropológico que os indigenistas tinham, mas que se repete agora, desta feita, pela iniciativa dos próprios índios e com os mesmos brindes.

Agora vai ser difícil a alegação que muitos índios usam de que foram atraídos pelos brancos e agora os brancos têm que fazer tudo por eles. Desta vez, foram os índios que atraíram os índios e têm que refletir sobre a relação desse contato e abrir suas mentes para a formulação de novos argumentos.

Ao final, creio que vai ser positivo para os próprios índios. Sairão mais seguros da vida e com um sentido de história mais amplo.

Eis a notícia que saiu no Estado de São Paulo. Tem fantasias nela, que serão corrigidas com o tempo. Idênticas matérias sairam na Folha de São Paulo, no Globo e no Jornal Nacional.

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Encontrados índios da tribo de Raoni isolados há 57 anos


Os mentuktire abandonaram a terra onde moravam, no sul do Pará, e migraram em busca de proteção; não há registros de imagens, mas cantos da tribo foram gravados
Ricardo Brandt

BRASÍLIA - Um grupo de 87 índios kaiapós do qual não se tinha notícia havia 57 anos fez contato há uma semana com índios da mesma etnia, que vivem em comunidade com o homem branco, no norte do Estado de Mato Grosso. Eles abandonaram a terra onde moravam, no sul do Pará, e migraram em busca de proteção.

É o primeiro registro que se tem de uma migração em massa de índios que viviam isolados na selva e que por iniciativa própria buscaram a aproximação com regiões urbanizadas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) acredita que eles foram vítimas de garimpeiros ou madeireiros, que invadiram suas áreas e chegaram a matar alguns deles.

O primeiro contato ocorreu na quinta-feira da semana passada. Segundo o presidente da Funai, Márcio Augusto de Meira, os índios da etnia mentuktire (que é um dos vários subgrupos de kaiapós) são da mesma família dos índios da tribo do cacique Raoni, que desde 1950 passou a viver em comunidade com o homem branco, no norte de Mato Grosso. Nesse processo de contato, parte deles recusou a aproximação e fugiu rumo ao norte.

Desde então, eles viviam isolados no sul do Pará, numa terra indígena já homologada pela Funai chamada Menkragnoti. "Eles foram considerados pelos kaiapós do antigo grupo como desaparecidos, eles achavam que eles tinham morrido vítimas de alguma epidemia", conta Meira. A Funai, apesar de considerar a existência deles, nunca fez contato.

Cantos e sinais
Nos últimos meses, os kaiapós da tribo de Raoni, chamada Capoto/Jarina, informaram à Funai que índios desconhecidos chegaram próximo de seu território e emitiram sons e sinais, mas sem fazer qualquer contato visual.

Na quinta-feira da semana passada, jovens índios da terra de Capoto/Jarina avistaram numa mata próxima à aldeia dois índios que fizeram contato. Eram os mentuktires que consideravam desaparecidos. "Eles falaram que os dois índios estavam assustados, mas como falam o mesmo dialeto pediram ajuda", explicou o presidente da Funai.

Entre sexta-feira e domingo, chegou o restante do grupo que acampou a cerca de um quilômetro da aldeia de Capoto/Jarina. Segundo os relatos passados pelos índios à Funai, eles estão muito assustados, mas também emocionados com o reencontro de seus parentes. "Desde o final de semana eles estão dançando e cantando", disse Meira.

Os contatos são feitos apenas por alguns caciques da Capoto/Jarina. O principal interlocutor tem sido o cacique Megaron Txucarramãe, que mora na aldeia mas é também o administrador regional da Funai, na cidade de Colíder - cidade mais próxima da área. O local está isolado para evitar que eles sejam vítimas de doenças, como a gripe.

Peregrinação
Os relatos são de que o grupo caminhou por cinco dias, cerca de 100 quilômetros, até chegar à terra de Capoto/Jarina. Vieram homens, mulheres e crianças. O grupo era de 86 pessoas, mas uma mãe índia que estava grávida teve uma criança na quarta-feira, já no acampamento. "Não sabemos se podem chegar mais índios, ou mesmo se parte deles ficou na antiga aldeia", explicou Elias Bigio, da Coordenação de Grupos de Índios Isolados da Funai. "É um fato completamente inusitado."

Para facilitar a aproximação e como mostra de boa receptividade, Megaron solicitou à Funai que enviasse miçangas coloridas, facões e machados para oferecer aos índios, pois são objetos de alto prestígio entre os kaiapós.

Os índios que viviam completamente isolados, sem mesmo ter contato com outras tribos, têm a mesma fisionomia que os kaiapós da aldeia de Capoto/Jarina. São altos e usam cabelos longos até a cintura e alguns deles usam botoque - ornamento feito de madeira, em forma redonda, introduzido no lábio inferior. Como os mentuktire da tribo de Raoni, cantam os mesmos cantos, pintam os corpos de preto e vermelho e vivem da caça e da pesca.

Preocupação
A preocupação da Funai agora é que esses índios não sofram com a presença do branco, que podem levar doenças desconhecidas para seus organismos. Por isso, o órgão determinou o isolou de toda a área - inclusive da aldeia que já vive em comunidade - para evitar contágio. Para o local só é possível o acesso de avião. "São os próprios índios que nos informarão quando e como poderemos oferecer algum tipo de assistência", explicou o presidente da Funai.

Apesar de os mentuktires não terem chegado ao contato com o homem branco, os índios da aldeia de Capoto/Jarina são considerados um risco, devido aos hábitos, costumes e até mesmo às doenças que adquiriram após a aproximação com as áreas urbanas.

Um indigenista da Funai chegou nesta sexta-feira a Colíder para ir até Capoto/Jarina acompanhar a aproximação dos índios. Ele, porém, terá que esperar a liberação por parte dos próprios índios para se deslocar ao local. Será o primeiro homem branco a ver o grupo. Até agora, apenas os kaiapós da tribo de Raoni puderam vê-los.

Os kaiapós são 7 mil ao todo no País. Boa parte deles vivem nessa região. Na aldeia de Capoto/Jarina, por exemplo, vivem hoje cerca de 500 índios, segundo a Funai. Atualmente existem 68 referências na Funai de povos indígenas vivendo em isolamento no País. A maior parte deles são grupos pequenos. O último registro que se teve de contato com um grupo desses ocorreu há três anos, mas era uma aldeia de 25 índios.

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