segunda-feira, 25 de junho de 2007

Hélio Bicudo quer se redimir de defender a Vale e ataca a Funai

O advogado católico Hélio Bicudo é conhecido como defensor dos direitos humanos. Foi deputado-federal e vice-prefeito de Marta Suplicy, em São Paulo.

Foi também advogado da Companhia Vale do Rio Doce contra a Funai, alegando que a Funai não atendia as necessidades dos índios Xikrin e Gaviões, por isso é que a Vale estava sendo boazinha e dando dinheiros àqueles índios.

Nessa condição representou contra o Estado brasileiro, especialmente a Funai, na Comissão de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington. Sem pejo. Defendia a Vale de sua obrigação legal de prestar assistência aos índios por ter recebido 411.000 hectares da melhor terra de mineração do Pará.

Agora escreve uma artigo altissonante, novamente contra a Funai. Enaltece o CIMI como defensor dos índios. Alega que os índios -- genericamente -- se suicidam porque não têm terras para morar e são desassistidos. Nem sequer menciona que os índios a quem se refere são os Guarani-Kaiowá e Ñandeva, que vivem no Mato Grosso do Sul, e que são assistidos por quase todo mundo, inutilmente, inclusive o CIMI e outras igrejas.

Por que tanto ódio da Funai tem o ilustre advogado? Servir ao CIMI deste modo?

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O Estado brasileiro e a questão indígena
HÉLIO BICUDO


A QUESTÃO indígena, bem equacionada na Constituição de 1988, pode-se dizer mesmo que se trata de normas modelares a qualificar direitos fundamentais dos naturais da terra, mas, passados quase 30 anos, muito pouco se fez.

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ainda não chegou a seu término. Mesmo aquelas demarcadas estão expostas a invasões por parte de agricultores e, em especial, sujeitas a atividades garimpeiras, que não só roubam o seu patrimônio como poluem as águas fluviais dos territórios indígenas.

O artigo 231, parágrafo 2º da Constituição afirma que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes". E assinala, no seu parágrafo 3º, que o aproveitamento de suas riquezas naturais só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas.

Por outro lado, as cooperativas de garimpeiros, com seus direitos assegurados pelo artigo 174, parágrafos 3º e 4º da Constituição, não têm acesso às terras indígenas, na forma do citado artigo 231, parágrafo 1º.

Os direitos dos índios reconhecidos pela Constituição Federal se inserem dentre os direitos e deveres individuais e coletivos, constituindo-se em direitos fundamentais, segundo o disposto no artigo 5º, parágrafo 2º, "in verbis": "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (grifo nosso) ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

São, na verdade, os dispositivos do artigo 231 da Constituição cláusulas pétreas, que nem sequer podem ser emendadas, na forma do disposto no artigo 60, parágrafo 4, inciso IV, do texto constitucional.

No entanto, não obstante a instituição da Funai como órgão governamental encarregado de implementar esses direitos, assistimos, há anos, ao esquecimento a que são relegadas as comunidades indígenas, abandonadas à sanha dos exploradores de suas riquezas, sem que se lhes dê o direito não só de manterem suas culturas como de prepará-las para possíveis desafios da ganância de terceiros. Crianças indígenas morrem por desnutrição, índios se suicidam por não terem perspectivas de vida digna.

Carecem de tratamento médico e de recursos farmacêuticos. São, muitas vezes, simplesmente eliminados. O orçamento da Funai se esgarça em uso do próprio órgão, permanecendo os índios, em sua maioria, em verdadeira situação de abandono.

As ações que objetivam assegurar direitos indígenas se alargam no tempo, de sorte a que, tomada uma decisão final, a situação fática já se transformou, e o peso da Justiça pende para aqueles que se servem do abandono a que são relegados para aumentar a sua fazenda.

O Cimi tem feito um trabalho importante na defesa do patrimônio das etnias indígenas, muitas vezes denunciando o "não-fazer" da Funai, ingressando com ações judiciais e procurando conscientizar o poder público, para que não perdurem as omissões ora constatadas.

A matéria em questão já foi objeto de apresentações em denúncias encaminhadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que formularam um informe de recomendações ao Estado brasileiro. Desde então (1997), quando a CIDH pôde comprovar omissões estatais que tendiam a deteriorar a vigência dos direitos humanos dos povos indígenas, nenhuma medida foi tomada, e não é por outra razão que internacionalmente há grande preocupação sobre as conseqüências de uma atitude que procura ignorar a situação atual e suas conseqüências futuras.

Não é por outro motivo que a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos está insistindo perante a comissão interamericana para que, na sua sessão que se realizará em Washington, na segunda quinzena de julho, realize uma audiência temática, com o comparecimento dos peticionários, acompanhados, dentre outros, da Unrow Clinic American University, com a presença de representantes do Estado brasileiro, para que se chegue a um consenso sobre a maneira pelo qual o Estado deve atuar para que as violações de direitos fundamentais das nações indígenas não continuem, no sentido de que o atendimento claro e transparente de seus direitos fundamentais, pela forma por que estão inscritos na Constituição, seja afinal cumprido.

HÉLIO BICUDO , 84, advogado e jornalista, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Foi vice-prefeito do município de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

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