terça-feira, 3 de abril de 2007

Entrevista de Carlos Moreira Neto

Entrevista com Carlos Moreira I()

Carlos de Araújo Moreira Neto é o nosso maior etnohistoriador desde Herbert Baldus. É também um grande mestre e amigo dos grandes indigenistas dos últimos trinta anos. Nesta entrevista concedida à Funai, em setembro de 2005, na ocasião do lançamento do seu livro sobre a política indigenista do Império, que, como tese de doutorado foi usada por todos os antropólogos que passaram a estudar os índios do ponto de vista etnohistórico (e muitos nem reconhecendo sua influência e pioneirismo, como sói acontecer na academia brasileira), ele analisa a política indigenista brasileira dos últimos quarenta anos com candor e sabedoria.
Por causa da estrutura desse Blog, a entrevista está dividida em duas partes, sendo a segunda parte colocada logo embaixo.
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Emoção marca lançamento do livro de Carlos de Araújo Moreira Neto
Por Isabel Heringer (CGAE/Funai)

Na última sexta-feira, dia 30 de setembro, a solenidade de lançamento do livro O Índio e a Ordem Imperial, de Carlos de Araújo Moreira Neto, emocionou convidados e servidores da Funai. Em discurso sobre o homem que foi seu professor e inspirador na paixão pelas causas indigenistas, o presidente da instituição, Mércio Pereira Gomes, chorou e comoveu a platéia.

Aos 76 anos, o antropólogo e etnólogo Carlos de Araújo Moreira Neto é um mestre de toda uma geração que atua na política indigenista. Começou a trabalhar com índios em 1953, sob influência de Darcy Ribeiro, Curt Nimuendaju e Herbert Baldus, as maiores referências na antropologia brasileira. Nesses 52 anos, recuperou a história dos povos indígenas e escreveu diversos livros, inclusive em co-autoria com Darcy. Das conquistas aos problemas que envolvem a questão indígena, ele ainda acompanha de perto as discussões e ações do governo como um dos titulares do Conselho Indigenista da Funai.

No livro O Índio e a Ordem Imperial, Moreira Neto faz uma análise profunda das marcas deixadas por um período histórico de mudanças, rebeliões e conflitos de terra. Sua obra tornou-se referência para estudiosos ainda como tese de doutorado. E agora, re-editada pela Coordenação de Documentação da Funai (CGDOC), proporciona uma reflexão importante sobre a política indigenista brasileira. Como já escreveu o sociólogo Octavio Ianni, outro mestre: “A memória é o segredo da história, do modo pelo qual se articulam o presente e o passado, o indivíduo e a coletividade. O que parecia esquecido e perdido logo se revela presente, vivo, indispensável”.

Leia a seguir a entrevista com Carlos de Araújo Moreira Neto:


Como você começou a se interessar pela questão indígena?

No fim da década de 40, eu trabalhava num jornal em Belo Horizonte, onde conheci o Brigadeiro Aboim da Aeronáutica, que cuidava do Parque do Xingu. Foi ele quem me colocou em contato com várias pessoas. Depois, eu fiz o curso de Ciências Sociais, e um dos professores tinha sido colega de Darcy Ribeiro no curso da Escola de Sociologia e Política. Era o professor Fernando Altem Felder, que estudou os índios no Xingu. Foi através dele que, em 1953, conheci o Darcy. Na época, o Darcy era diretor do Museu Índio, onde eu fiz o curso de antropologia. O curso acabou prematuramente por causa das mudanças políticas. O ministro da Agricultura que cuidava do Serviço de Proteção aos Índios resolveu perseguir todo mundo que era a favor de índio. Um cara horroroso! Tirou o Darcy do Museu do Índio, acabou com o curso e fez uma limpeza geral. Então eu saí de lá e fui trabalhar com o Eduardo Galvão, que também tinha sido colega do Darcy e era diretor de antropologia do Museu Goeldi. Eu passei uns três ou quatro anos em Belém e voltei pra trabalhar com o Darcy na Faculdade Nacional de Filosofia. O Golpe de Estado [ditadura militar, 1964 - 1984] veio, o Darcy foi exilado e eu fiquei outra vez sem trabalho. Depois, consegui um emprego, através do Darcy, no Instituto Indigenista Interamericano [México] e trabalhei uns anos lá. Quando voltei, fui trabalhar em São Paulo na faculdade onde o Fernando Altem Felder dava aula. Fiquei lá muito tempo, com um salário miserável, muito vigiado pelos militares. Em 72 eu finalmente consegui terminar o doutorado, que deveria ter feito 10 anos antes. Fui trabalhar no Rio outra vez. O Darcy Ribeiro já tinha voltado do exílio. Me arrependo de muitas coisas, mas não de trabalhar com índio. Uma das poucas coisas que eu tive nesse mar de fracassos foi trabalhar com índio e gostar de índio.

Por que “mar de fracassos”?

É como dizia o Darcy, “minha vida é uma sucessão de fracassos”, e era mesmo. Ele criou a Universidade de Brasília, não pôde trabalhar lá. Foi exilado. De certa maneira, é um fracasso que traz muito orgulho. Eu ficaria péssimo se eu tivesse feito sucesso durante a ditadura.

Qual a influência de Darcy Ribeiro nessa obra?

É total porque ele era meu professor de pós-graduação e mestrado, e o tema que eu escolhi nessa tese retoma a idéia do Darcy usada no curso de mestrado em História da Faculdade Nacional de Filosofia. Eu trabalhei junto aos alunos e, posteriormente, usei esse material para escrever a tese. Além de tudo mais que eu aprendi com o Darcy. Ele me influenciou em quase tudo.

Por que você demorou tanto tempo para publicar esse livro?

Eu havia publicado muita coisa, né. Essa tese foi feita em 1971, mas de maneira muito acidentada, quando eu estava nos piores momentos, na ditadura militar, desempregado e tal. Nem sequer consegui escrever o livro, eu ditei pra uma moça, uma velha comuna chamada Maria da Graça Dutra, nora do velho Carlos Chagas, militante comunista, que foi presa e exilada. Quando ela voltou em 71, estava sem emprego, sem nada, então eu contratei o serviço dela. Ela bateu esse troço todo no computador. Eu falava e ela escrevia. Foi um custo pra sair. Agora com a re-edição, saiu uma beleza de livro. Estou muito orgulhoso. Mas, acima de tudo, o CGDOC é que fez um grande serviço.

E por que essa parceria com a Funai?

Desde 55, eu estava ligado ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Na época, o Darcy era um dos diretores e quando ele foi demitido, me demitiram também. Comecei a colaborar com a Funai em 67. Sabia que na instituição não existia um arquivo de documentos e, então, propus à Funai que eu percorresse o Brasil inteiro para recolher esses documentos. Passei por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e nordeste e sul do Brasil...

Um comentário:

Anônimo disse...

Realmente conheci o grande Dr. Carlos porque seu filho é casado com minha irmã e ele sempre foi um grande Humanista.Muito Grato por sua Homenagem.

 
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